sábado, 25 de junho de 2011

Da Eucaristia deriva o sentido profundo da presença social da Igreja

Santa Missa na Solenidade do Corpus Christi

Homilia do Santo Padre Bento XVI

Basílica de São João de Latrão
Quinta-feira, 23 de junho de 2011

Caros irmãos e irmãs,
A festa do Corpus Christi é inseparável da Quinta-feira Santa, da Missa de Lava-pés, na qual se celebra solenemente a instituição da Eucaristia. Enquanto que na noite de Quinta-feira Santa se revive o mistério de Cristo que se oferece a nós no pão partido e no vinho derramado, hoje, na festa do Corpus Christi, este mesmo mistérios é proposta para a adoração e para a meditação do Povo de Deus, e o Santíssimo Sacramento é levado em procissão pelas ruas das cidades e dos vilarejos, para manifestar que Cristo ressuscitado caminha em meio a nós e nos guia para o Reino dos céus. Aquilo que Jesus nos deu na intimidade do Cenáculo, hoje é manifestado abertamente, porque o amor de Cristo não é reservado a alguns, mas é destinado a todos. Na Missa do Lava-pés da última Quinta-feira Santa sublinhei que, na Eucaristia, acontece a transformação dos dons desta terra – o pão e o vinho – com a finalidade de transformar a nossa vida e inaugurar assim a transformação do mundo. Nesta noite, gostaria de retomar esta perspectiva.
Tudo parte, se poderia dizer, do coração de Cristo, que, na Última Ceia, na vigília da Sua paixão, agradeceu e louvou a Deus e, fazendo assim, com a potência do Seu amor, transformou o sentido da morte para a qual se encaminhava. O fato de o Sacramento do Altar ter assumido o nome “Eucaristia” – “ação de graças” – exprime exatamente isto: que a mudança da substância do pão e do vinho no Corpo e no Sangue de Cristo é fruto do dom que Cristo fez de si mesmo, dom de um Amor mais forte do que a morte, Amor divino que o fez ressuscitar dos mortos. Eis porque a Eucaristia é alimento de vida eterna, Pão da vida. Do coração de cristo, da sua “oração eucarística” até a vigília da paixão, brota aquele dinamismo que transforma a realidade nas suas dimensões cósmica, humana e histórica. Tudo procede de Deus, da onipotência do Seu Amor Uno e Trino, encarnado em Jesus. Neste Amor está imerso o coração de Cristo; por isso, Ele sabe agradecer e louvar a Deus mesmo diante da traição e da violência, e deste modo muda as coisas, as pessoas e o mundo.
Esta transformação é possível graças a uma comunhão mais forte do que a divisão, a comunhão de Deus mesmo. A palavra “comunhão”, que usamos também para designar a Eucaristia, resume em si a dimensão vertical e a horizontal do dom de Cristo. É bela e muito eloquente a expressão “receber a comunhão” referida no ato de comer o Pão eucarístico. Com efeito, quando realizamos este ato, entramos em comunhão com a vida mesma de Jesus, no dinamismo desta vida que se doa a nós e para nós. De Deus, através de Jesus, até a nós: uma única comunhão se transmite na Santa Eucaristia. Escutamos isto há pouco, na segunda Leitura, das palavras do apóstolo Paulo dirigidas aos cristãos de Corinto: “O cálice de bênção, que benzemos, não é a comunhão do sangue de Cristo? E o pão, que partimos, não é a comunhão do corpo de Cristo? Uma vez que há um único pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos nós comungamos do mesmo pão” (1Cor 10, 16-17).
Santo Agostinho nos ajuda a compreender a dinâmica da comunhão eucarística quando faz referência a uma espécie de visão que teve, na qual Jesus lhe disse: “Eu sou o alimento dos fortes. Cresce e me terás. Tu não me transformarás em ti, como o alimento do corpo, mas serás tu que serás transformado em mim” (Conf. VII, 10, 18). Enquanto, portanto, o alimento corporal é assimilado pelo nosso organismo e contribui para o nosso sustento, no caso da Eucaristia trata-se de um Pão diferente: não somos nós a assimilá-lo, mas ele nos assimila a si, de forma que nos tornamos conformes a Jesus Cristo, membro do seu corpo, uma coisa só com Ele. Esta passagem é decisiva. De fato, exatamente porque é Cristo que, na comunhão eucarística, nos transforma em Si, a nossa individualidade, neste encontro, é aberta, liberada do seu egocentrismo e inserida na Pessoa de Jesus, que, por sua vez, é imersa na comunhão trinitária. Assim, a Eucaristia, na medida em que nos une a Cristo, nos abre também aos outros, nos torna membros uns dos outros: não somos mais divididos, mas uma única coisa nEle. A comunhão eucarística me une à pessoa que tenho ao meu lado, e com a qual talvez não tenho nem mesmo um bom relacionamento, mas também aos irmãos distantes, em todas as partes do mundo. Disto, da Eucaristia, deriva portanto o sentido profundo da presença social da Igreja, como testemunham os grandes Santos sociais, que foram sempre grandes almas eucarísticas. Quem reconhece Jesus na Hóstia Santa, O reconhece no irmão que sofre, que tem fome e sede, que é estrangeiro, que está nu, doente, preso; e fica atento a toda pessoa, se compromete, de modo concreto, com todos aqueles que estão em necessidade. Do dom de amor de Cristo provém portanto a nossa especial responsabilidade de cristãos na construção de uma sociedade solidária, justa, fraterna. Especialmente no nosso tempo, no qual a globalização nos torna cada vez mais dependentes uns dos outros, o Cristianismo pode e deve agir de modo que esta unidade não se construa sem Deus, ou seja, sem o verdadeiro Amor, o que daria espaço para confusão, para o individualismo, para o abuso de todos contra todos. O Evangelho mira, desde sempre, para a unidade da família humana, uma unidade não imposta de fora, nem por interesses ideológicos ou econômicos, mas a partir do sentido de responsabilidade de uns pelos outros, porque nos reconhecemos membros de um mesmo corpo, do corpo de Cristo, porque aprendemos e continuamos a aprender constantemente do Sacramento do Altar que a partilha, o amor é a vida da verdadeira justiça.
Voltemos, agora, ao ato de Jesus na Última Ceia. O que aconteceu naquele momento? Quando Ele disse: Este é o meu corpo que é dado por vós, este é o meu sangue derramado por vós e por todos, o que acontece? Jesus, neste gesto, antecipa o evento do Calvário. Ele aceita, por amor, toda a paixão, com o sofrimento e a violência que ela carrega, até à morte de cruz; aceitando-a deste modo a transforma num ato de doação. Esta é a transformação de que o mundo mais precisa, porque o redime por dentro, o abre às dimensões do Reino dos céus. Mas esta renovação do mundo Deus quer realizar sempre através do mesmo caminho seguido por Cristo, aquele caminho, antes, que é Ele mesmo. Não há nada de mágico no Cristianismo. Não há atalhos, mas tudo passa através da lógica humilde e paciente do grão de trigo que morre para dar vida, a lógica da fé que transporta montanhas com a força suave de Deus. Por isto, Deus quer continuar a renovar a humanidade, a história e o cosmo através desta cadeia de transformações, de que a Eucaristia é o sacramento. Mediante o pão e o vinho consagrados, nos quais está realmente presente o Seu Corpo e Sangue, Cristo nos transforma, assimilando-nos a Ele: nos envolve na Sua obra de redenção, tornando-nos capazes, pela graça do Espírito Santo, de viver segundo a mesma lógica de doação, como grãos de trigo unidos a Ele e nEle. Assim, semeia-se e amadurecem nos sulcos da história a unidade e a paz, que são o fim para o qual tendemos, segundo o desígnio de Deus.
Sem ilusões, sem utopias ideológicas, caminhamos pelas estradas do mundo, carregando dentro de nós o Corpo do Senhor, como a Virgem Maria no mistério da Visitação. Com a humildade de nos sabermos simples grãos de trigo, custodiemos a firme certeza de que o amor de Deus, encarnado em Cristo, é mais forte do que o mal, do que a violência e do que a morte. Saibamos que Deus prepara para todos os homens céus novos e terra nova, nos quais reinam a paz e a justiça – e na fé entrevemos o mundo novo, que é a nossa verdadeira pátria. Também nesta noite, enquanto o sol se põe nesta nossa amada cidade de Roma, coloquemo-nos em caminho: conosco está Jesus Eucaristia, o Ressuscitado, que disse “Eu estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 28, 20). Obrigado, Senhor Jesus! Obrigado pela Tua fidelidade, que sustenta a nossa esperança. Fica conosco, porque a noite já está caindo. “Bom Pastor, verdadeiro Pão, ó Jesus, piedade de nós; nutre-nos, defende-nos, leva-nos aos bens eternos, na terra dos viventes!”. Amém.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 23 de junho de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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