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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Cartas do P.e Aldo 209


Asunción, 28 de novembro de 2011.

Feliz Natal!
Caros amigos,
Nunca, como nestes tempos, fico mais consciente do meu nada, da verdade daquilo que Santa Catarina de Sena afirmava quando respondia a uma pergunta, dirigindo-se ao Senhor: “Quem sou eu, Senhor? Nada, e quem és Tu, Senhor? Tudo”. Quanto mais a pessoa vive intensamente a realidade, tanto mais entra nesta maravilhosa e dramática desproporção entre o próprio ser finito e Ele, o Infinito. De forma que, quando as pessoas dizem, por exemplo, “as obras de Padre Aldo”, não fazem outra coisa que aumentarem em mim esta desproporção entre o meu nada e Ele que é o tudo. E como eu gostaria que, pelo menos, os amigos vibrassem comigo por causa desta desproporção, porque este seria o sinal mais evidente de que pertencemos uns aos outros. A corresponsabilidade tem nisso a sua origem. Uma pessoa pertence a mim se, comigo, vive o “eu, Senhor, sou um nada” e o “Tu, Senhor, és tudo”. E isto é uma graça, é um caminho onde mendigar é ato contínuo, de forma que, se este pedido faltar, a pessoa pode até viver junto com outra por anos, a pessoa pode ser pai e filho, pode ser superior ou súdito, e no entanto continuar estranha uma para a outra, mesmo vivendo cotovelo com cotovelo. 
O que me sustenta nestas obras que nunca procurei porque, como sempre repito, não vim para o Paraguai por causa disso, é apenas esta desproporção na qual é evidente a Presença do Mistério que me pede tudo. Mas, se isto não fosse evidente, eu iria embora hoje mesmo, porque um homem não pode, com suas forças, sustentar nem mesmo uma palha. Há um fogo ardente, como diria o profeta, nos meus ossos e não posso impedir que arda. O simples pensamento de que Deus se fez carne para mim, me faz exultar de alegria e, por isto, não posso deixar de fazer-me tudo para todos, acolhendo, sobre estes pobres ombros, sustentados por Nossa Senhora, todos os que batem à nossa porta cheios de dor. E é este o motivo que me leva a bater às portas de todos, porque a Providência que governa o mundo, com o desígnio de amor, se serve da realidade, realidade que é todo o nosso ser, toda a nossa humanidade. Por isso, aproximando-se o Natal, gostaria de agradecer a todos que, pertencendo a esta amizade, a esta iniciativa divina, nos acompanham economicamente, seguindo os milhares de exemplos de que é feita a história da caridade na Igreja. A Providência agora se serve das nossas pobres mãos para realizar as Suas maravilhas. Serve-se de nós para nos mostrar o que um povo pode fazer quando reconhece o Senhor. O próprio Banco Mundial, através de dois de seus diretores, com quem me encontrei, em Washington, quando fui convidado a falar sobre a crise econômica (eu que estudei só até a quinta série numa escola pública... é para rir!), ficou tocado com o fato de que 76% dos nossos recursos para as despesas cotidianas são locais e apenas 24% vêm do exterior. E queriam entender por que e como. E foi bonito porque tive a oportunidade de dizer, com a minha experiência, o que significa que a realidade é providencial e que não há homem que, quando se deixa educar, não se torne protagonista do próprio destino. Mas, para que isto aconteça, é preciso vibrar com aquela paixão de Santa Catarina. Por isso, me permito, em nome dos rostos de Jesus que sofrem, pedir a quem é meu amigo, por ocasião do Natal, uma pequena gota da liberdade para fazer parte dos 24% que ajudam esta obra.
Agradeço com todo o meu coração os amigos da ONLUS (sigla para Organizzazione Non Lucrativa di Utilità Sociale, ou organização sem fins lucrativos de utilidade social; ndt) “Da zero a uno” pelo entusiasmo com o qual nos acompanham. Permito-me divulgar o código IBAN da ONLUS e a de nossa conta no Unicredit.
Padre Aldo

DA ZERO A UNO ONLUS
Banca Popolare di Milano
CODICE IBAN: IT 60 X 05584 01613 000000031365
_____________
                 
TRENTO ANTONIO
Unicredit Banca
FILIARI DI FONZASO, BELLUNO
CODICE IBAN: IT14 Z 02008 61120 000004701742

Cartas do P.e Aldo 208


Asunción, 22 de outubro de 2011.

Caríssimos amigos,
A educação nunca é um “andar para trás”, eu dizia, dia desses, à nossa advogada quando, pela enésima vez, movido por um instante de desconfiança quanto a Gabriel, eu lhe disse para rasgar a carta que eu havia preparado para enviar ao juiz que me havia dado a sua guarda, solicitando que fosse entregue a uma instituição do Estado. Gabriel, quando chegou, expulso de uma instituição estatal quando tinha 8 anos, era definido como um “menino problema”. Ele mesmo, quando ousavam perguntar-lhe, quando estava bem, quem era, respondia assim: “sou um menino problema”. Abandonado quando era pequeno, cresceu sem nenhum afeto, sempre encerrado nessas instituições do Estado onde se vigiam garotos e crianças, mas não se os ama, havia se tornado violento e selvagem. Não sabia o que queria dizer ser amado e, portanto, não sabia o que é amar. O seu dia transcorria sempre do mesmo jeito: divertia-se provocando. Era até mesmo difícil conseguir fazê-lo parar um pouco para conversar com ele, porque ou fugia para o mato ou pulava no telhado de alguma casa.
Muitas vezes perdi a paciência com ele e quando – poucas vezes – conseguia pegá-lo, não lhe poupava algumas palmadas no bumbum. E ele ficava ainda mais furioso e me desafiava com os punhos cerrados, rangendo os dentes. Porém, sempre lhe quis muito bem, olhando nele a presença terna, mesmo na sua raiva, do Mistério. E ele percebia isso, até ao ponto de que, um dia, começou a dizer que se chamava Gabriel Trento. Assim, ele que não tinha identidade, reconheceu, no relacionamento comigo, a figura do pai. Foi o início de um caminho como aquele no qual Giussani me abraçou e comecei a caminhar, porque me senti filho. Assim, com Gabriel, nasceu um relacionamento novo. Mas, não no sentido de que não tenha mais me feito sair do eixo, tornando-se um cordeirinho, mas porque começou a germinar nele algo como uma pequena semente da certeza de ser querido por um Outro. Começou também a participar da missa como coroinha. E isto com as mesmas expressões de violência impressionantes, que me obrigavam, por atenção aos outros sete garotos menores que ele e que ele dominava até mesmo com o olhar, a dizer muitas vezes à advogada do meu desejo de renunciar à adoção. E foi o que aconteceu há alguns dias atrás, quando, levantando-se pela manhã, não só decidiu não ir à escola, como também passar o dia inteiro na frente da televisão, tomando posse do controle remoto. Chamaram-me para tentar convencê-lo. Nada deu certo, ainda que eu não tenha lhe poupado também algumas palmadas. Ficou, então, furioso e me enfrentou com os punhos fechados, rangendo os dentes e com os olhos vermelhos de raiva. Eu olhava para ele com dor e cheio de impotência. Foi a enésima solicitação à advogada.
Mas, dentro de mim, uma dor grande, uma batalha. Como nunca, naquele momento, me vinham à mente as palavras de Giussani e que Carrón tem recordado ultimamente: “eu sou Tu que me fazes”. Eu, mas também ele, ele que existe, ele que é. Gabriel é! e não apenas é, mas, neste momento, é feito como eu sou feito. Assim, o meu saco cheio deu lugar ao maravilhamento pelo ser, pelo seu ser. “Amei-te de amor eterno, e tive piedade do teu nada”, do meu nada e do nada de Gabriel. E ainda: “antes de te formares no ventre de tua mãe, Eu pronunciei o teu nome”, o meu nome e o de Gabriel. A minha identidade, assim como a de Gabriel, é anterior à modalidade bonita com a qual eu fui concebido pela minha mãe, e violenta com a qual Gabriel foi concebido. Esta certeza mudou a minha vida e também em Gabriel existe esta pequena semente. 
Assim, pela enésima vez, me vi dizendo à advogada: “Sara, rasgue a carta para o juiz”. “Não é um andar para trás, é a consciência cada vez mais clara em mim do ser que vibra em Gabriel e de que o seu ser, assim como o meu, é feito neste momento por um Outro”.
No dia seguinte, Gabriel me procurou, me abraçou e pediu, uma vez mais, como um cordeirinho, o meu perdão. Fico comovido porque aquela certeza que nos define, não importa qual seja a consciência que Gabriel certamente não tenha daquilo que nos une – o fato de ser e de ser querido agora –, venceu uma vez mais. É isso: educar é apenas isto. Se não fosse assim, imaginem o que seria viver 24h por dia com crianças como estas que, na mais tenra infância, conheceram apenas a violência! Seria impossível e jogaríamos a toalha. E que bonito foi quando ele, depois do seu abraço, me pediu: “posso brincar, agora, com os patins?”. Sorrindo, lhe disse que sim. No fundo, educar é experimentar na própria carne o modo com o qual Deus nos trata. Por isto, viver com estas crianças é, para mim, uma graça grande, porque elas nunca me permitem dar por óbvio o estar diante do ser e, portanto, diante do Mistério.
Padre Aldo.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Cartas do P.e Aldo 207


Asunción, 10 de outubro de 2011.

Caros amigos,
Nesta noite, fiquei mais tempo do que o normal olhando meus filhinhos doentes, particularmente Victor. Desde quando nasceu está na mesma caminha. Não fala, não vê, não escuta. Parece totalmente ausente da realidade. Depende do outro em tudo. Não tem caixa craniana e seus olhinhos, há tempos, estouraram. Só pode ser colocado em duas posições: deitado com a barriga para cima e, de vez em quando, delicadamente deitado sobre um dos dois lados. As escaras de decúbito, tratadas o tempo inteiro, junto com o gemidozinho que o acompanha, mostram o quadro físico que vemos dele. E no entanto, Victor é muito, infinitamente mais do que isso. É a evidência clamorosa da vibração do Ser. Eu o olho comovido, o acaricio porque ele existe. Existe! Que maravilhamento eu sinto em mim quando olho para o ser que vibra em cada detalhe do seu corpo martirizado! Victor existe, vive! Cada vez que me aproximo dele, fico impactado com a beleza de ser nada mais do que um fragmento de segundo: ele, como eu, é feito em cada momento. A sua beleza e a do ser, do seu ser quase enjaulado num corpo aparentemente deformado e que, no entanto, é templo do Espírito Santo. Ele, acredito, me conheça pelos meus beijos, pela ternura, mas sobretudo porque tanto eu como ele existimos e somos como “Tu que me fazes”. O valor da sua vida, como a do meu filho Aldo e de Mário, está no ser que posso contemplar e, imediatamente, reconhecer: eles, como eu, são relação com o infinito. Muitas vezes penso olhando para eles, assim “deformados” para o mundo – porque a cultura de hoje não consegue mais perceber o ser, aquilo que existe na sua profundidade. Tantos são os casais que, quando esperam um filho, mais do que ficarem comovidos até às lágrimas pelo fato de que ele exista, ficam é preocupados com o como ele é, como ele está, ou se é menino ou menina. Que besteira! Antes do ultrassom, há a comoção pelo ser. Aquela comoção que, seja lá qual for o resultado do ultrassom, cresce fazendo-nos vibrar porque o Mistério se manifestou. Que graça para mim, para vocês, o meu Victor, sacramento do ser que o cria em cada momento. É noite de sábado, mas não consigo me afastar de Victor, de Aldo e de Mário. Victor respira com dificuldade, fiz-lhe uma carícia e ele esticou seus pequenos punhos. Desde o seu nascimento parece ausente da realidade, no entanto ele está no coração da realdiade. A beleza destas criaturas está apenas no fato de que EXISTEM!
E existem porque um Outro, antes de formá-los assim no seio de suas mães, pronunciou seus nomes. Entendem, então, como é um milagre existir, que comoção suscita em mim o ser de cada um?
Olhando para eles só posso ficar grato por aquilo que me une a eles. O ser e o ser fato agora. Desejo a todos os que esperam um filho que tenham esta posição de adoração e de comoção e não a preocupação egoísta de como será, para que não aconteça que desfaça os nossos projetos que não têm nada que ver com o ser e, portanto, com o desígnio de Deus sobre cada um de nós. Pensem na diferença abissal que há entre olhar um doente, um leproso como o que está na capela do Santíssimo, com estes olhos fixos sobre o ser, e olhar os mesmos apenas em seu aspecto fenomênico! Sem esta posição, que sentido teria a vida e o nosso viver cotidiano?
Padre Aldo

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Cartas do P.e Aldo 206


Assunción, 5 de outubro de 2011.

Caros amigos,
Acabei de me confessar e, finalmente, depois de uma semana muito dura, o céu voltou a ser azul. Que graça grande a confissão semanal ou até mesmo quando é mais frequente. E olhem que a confissão não tem nada que ver com a direção espiritual ou com a procura por algum conselho. O meu confessor é essencial: escuta os meus pecados, me dá a penitência, me faz dizer o Ato de Contrição e, em seguida, me dá a absolvição. Tudo em três minutos. E, no entanto, que Acontecimento, que encontro com o olhar de Jesus que, com os pecadores, nunca perdeu mais do que alguns minutos. A Zaqueu disse: “desce porque, nesta noite, vou jantar com você”. Para a adúltera: “Mulher, quem te condenou?”. “Ninguém, Senhor” “Eu também não te condeno. Vai e não peques mais”, ou seja, permanece sempre comigo. Para Mateus, “segue-me”, e ele O seguiu. Alguns minutos a mais ele dedicou à Samaritana, mas tinha as suas razões pedagógicas. O meu confessor também é assim. A essencialidade do Sacramento: reconhecer a Presença, confiar o meu nada e me sentir abraçado na minha loucura porque, como nos lembra Giussani no seu livro Ciò che abbiamo di più caro (O que temos de mais caro, sem tradução para o português; ndt), “quem comete pecado odeia a si mesmo” e esta é a loucura.
Esta foi uma semana dura, na qual Jesus me manteve próximo dEle na cruz e, em certos momentos, eu O teria deixado sozinho. É a tentação para a qual a minha liberdade responde com a confissão. Ou seja, com a prática daquilo que Péguy, que Giussani cita no seu último livro, chama: VERDADE HIGIÊNICA, de que a confissão é, na minha experiência de 22 anos de missão, o coração. Péguy fala de verdade cirúrgica que é aquela mais cômoda: cortar. E de verdade higiênica: “não procurem um milagre, mas um caminho”. Giussani me educou muito bem a viver esta esperança da verdade higiênica tanto no modo com o qual ele me educou a viver a minha afetividade, quanto no modo com o qual viver cada detalhe. Enquanto que sempre seremos inclinados à verdade cirúrgica: cortar. E assim, experimentaremos a alegria de ser homens, a alegria que nasce do fato que nada daquilo que é humano nos será estranho. É um grande desafio para a liberdade, porque a verdade higiênica exige que você inteiro entre no jogo e exige um trabalho paciente como o trabalho de um parto, para recordar o cartaz de Páscoa de 1989, que trazia a famosa frase de Mounier. Esta semana eu quis cortar tantas coisas, tantos relacionamentos, porque eu estava cansado, mas a obediência à realidade me fez ficar dentro daquilo que acontecia sem cortar nada, sem censurar nada e, no fim, graças à companhia sacramental e à confissão, me descubro, agora, mais livre, mais feliz. Pensava nisso ontem à noite, quando fui ao médico para ver como anda minha diabetes e ele também aplicou em mim uma terapia higiênica mais do que cirúrgica. E esta terapia, a higiênica, depende totalmente da minha liberdade, porém, no fim, salva tudo.
Meus amigos... mesmo que vocês se apaixonem repentinamente e queiram fugir dessa paixão ou tirá-la do meio do caminho, como muitos me escrevem, acredito que ela deva ser motivo para que vocês prestem contas gritando e pedindo ajuda. Espero que vocês leiam o que Giussani disse em Ciò che abbiamo di più caro, para que possam entender o quanto é necessário um trabalho, um caminho, porque o verdadeiro milagre é a verdade higiênica de que a confissão freqüente é o sinal de uma liberdade, verdadeiramente, comprometida com um caminho de conversão. A semana foi dura, como cada dia é duro, porque, aqui, eu sempre vivo no mesmo instante a morte e a ressurreição de Jesus. Não há intervalos!
Um abraço,
Padre Aldo

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Cartas do P.e Aldo 205


Asunción, 7 de setembro de 2011.

Caros amigos,
Para aquelas pessoas que me perguntam e para aquelas que ainda não tiveram a oportunidade de conhecer as obras em San Rafael, no Paraguai, proponho a página abaixo.
Ciao,
Padre Aldo

Cartas do P.e Aldo 204


Asunción, 6 de setembro de 2011.

Caros amigos,
Um fato ocorrido nas últimas semanas me colocou diante da contemporaneidade de Cristo e, portanto, se tornaram um grande possibilidade para fixar nos olhos, de maneira intensa, Jesus.
Eu já estava com as passagens aéreas no bolso para ir à Itália, quando, numa tarde, os médicos e o diretor da clínica chegaram no meu escritório e me disseram: “Padre Aldo, seu filho Aldo [meu filho adotivo, portador de gravíssimas deformações físicas] está muito doente e não temos certeza de que conseguirá sobreviver. Gostaríamos que ele permanecesse aqui na clínica e não fosse enviado a um hospital, onde acabaria sendo deixado morrendo, enquanto que nós queremos acompanhá-lo em sua morte”. Vi-me, uma vez mais, diante de uma decisão: estão me esperando no Meeting e, aqui, os médicos me dizem que meu filho está com os dias contados. O que fazer? Fico e atraso em alguns dias a partida, a fim de ver se ele melhora, ou desisto de ir ao Meeting? Uma escolha difícil porque estavam em jogo os últimos dias do meu filho. E um filho, especialmente quando é adotivo, é a sua mesma carne, ainda mais porque é fruto de uma gratuidade total. Alguns me disseram: como é que o senhor pode ir, deixando-o sozinho, ao invés de acompanhá-lo nas suas últimas horas? Eu sentia meu coração em pedaços, sentia em mim um sentimento que me dizia: você deve ficar. Porém, uma vez mais eu me perguntei: o que Cristo pede de mim, neste momento?
E dois juízos me ajudaram a tomar a decisão de ir. O primeiro: aquele filho me foi dado e se Cristo decidiu pedi-lo de volta, quem sou eu para não devolvê-lo? O segundo: a realidade me pede para estar presente no Meeting e em La Thuile, onde acontecerá a assembleia internacional. Ou seja, a realidade me chama a estar onde estão aqueles amigos que mais me lembram que “É o Senhor”, os amigos que mais me mostram o rosto de Jesus. E eu preciso disto porque, do contrário, não consigo enfrentar a vida todos os dias e nem mesmo o dia de meu filho, que, seja como for, não morrerá sozinho, mas na companhia dos meus amigos da clínica. E assim, peguei o avião com a grata surpresa de que me filho se recuperou. É impressionante ver como Deus me educa a ser livre, ou seja, a confiar no seu desígnio que, qualquer que seja, é sempre positivo, mesmo quando, no momento, parece ser injusto e você preferiria se rebelar. Dizer “Tu, meu Cristo” nunca é algo óbvio, mas se dá sempre dentro de um abandono seu, cheio de dor, cujo resultado é uma estranha letícia.
Os filhos não são algo que nos pertence, e só o são quando amamos o desígnio de Deus sobre eles, mesmo quando isso coincide com o fato de eles nos serem tirados. É assim que me acontece todos os dias. Assim como a cada vez a dor é sempre maior, porque quanto mais Cristo o agarra, tanto mais você se descobre vulnerável, tanto mais você sofre. Se antes de encontrar Jesus nem mesmo uma “pedrada na cabeça” movia o meu coração, agora que Cristo me tomou, basta um grão de areia para que eu sinta toda a dor que me circunda.
Amar, ou seja, deixar-se tomar por Cristo é sofrer e sofrer é amar. E quanto mais você é de Cristo, tanto mais você sofre; e tanto mais você sofre, quanto mais você busca Cristo. Ou, para dizer mais claramente, Cristo nos torna mais vulneráveis, mais sensíveis, mais atentos a cada detalhe.
Rezem por mim e por meus filhos.
Com afeto,
Padre Aldo

Cartas do P.e Aldo 203


Asunción, 6 de agosto de 2011.

Caros amigos,
Que graça e a Escola de Comunidade, para nós e para o mundo!
Nestas semanas pude experimentar na carne como o mundo precisa encontrar o Movimento, ou seja, a Escola de Comunidade. Carrón chama a nossa atenção justamente para a urgência de um trabalho pessoal que veja na Escola de Comunidade o centro deste trabalho. Pessoalmente, sou uma testemunha disto tanto no meu caminho de todo dia, quanto naquilo que acontece ao meu redor. A beleza desta obra que sempre mais suscita em quem a vive, em quem nela trabalha, mas também em quem a visita, faz nascer a pergunta: como é possível tudo isto? E quando respondo “é graças à catequese, ou à Escola de Comunidade que vivemos semanalmente com todas as 200 pessoas que trabalham aqui nos mais diversos âmbitos”, os que me escutam ficam cheios de curiosidade e de interesse. Assim, já há um tempo um grupo de diretores e de operários de uma multinacional, toda quarta-feira, das 8h às 9h da manhã, pontualmente, vêm até aqui para a Escola de Comunidade. Além do mais, aconteceu algo muito significativo no maior centro médico de reabilitação privado do país. O chefe deste centro assinou um contrato conosco para assistir gratuitamente os nossos pacientes e, em troca, pediu para irmos, pelo menos a cada quinze dias, fazer a Escola de Comunidade com seus dependentes e pacientes. O mundo também percebe que a Escola de Comunidade cria uma diferença no modo de viver e trabalhar.
Vale lembrar que aqui, este precioso instrumento que Giussani nos deixou deu origem a um periódico semanal que é publicado junto com o segundo jornal leigo mais vendido no Paraguai, toda quinta-feira. O bem que esse jornalzinho faz é impressionante. Por exemplo, hoje, duas jovens mães, depois de terem feito 40 km de viagem, vieram nos agradecer por aquilo que escrevemos! “Padre, estamos aqui há duas horas esperando pelo senhor para lhe agradecer e para abraçá-lo por causa daquilo que o senhor escreve nos editoriais, como por exemplo aquilo que escreveu sobre a Confissão”. E me trouxeram também um presente. Outro jovem, disse: “Padre, lendo o jornalzinho senti o desejo de ser padre, de verificar a minha vocação”.
A Escola de Comunidade nos ajuda a verificar a razoabilidade da fé no meio das vísceras do mundo, testemunhando assim que o cristianismo é o acontecer do humano. Claro que existem, toda semana, motivos para polêmica e, nesses momentos, me lembro de Giussani que dizia que Cristo polemizou com o mundo inteiro, o mesmo que Carrón continuamente nos lembra quando fala que a cultura dominante anestesia o eu.
Em suma, quero que a Escola de Comunidade não seja uma leitura espiritual ou apenas uma deixa para as nossas reflexões, mas que seja o trabalho que nos permita descobrir a razoabilidade da nossa fé vivida no impacto com o cotidiano, com o mundo.
Boas férias, na privilegiada companhia da Escola de Comunidade.
Padre Aldo

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Cartas do P.e Aldo 202

Asunción, 26 de julho de 2011.

Caros amigos,
Tão logo terminaram os encontros com milhares de jovens, Marcos e Cleuza pegaram o avião, à meia-noite do domingo passado, e chegaram a Asunción. Dois dias passados juntos para poder dizer outra vez o nosso “sim” a Cristo. Encontramo-nos apenas para que reconfirmemos este sim. De outra forma, que sentido teria qualquer relação, ou tanta dificuldade num mundo que, para a grande maioria, as relações vividas são virtuais ou formais?
O nosso sim a Cristo não pode passar através do “mundo virtual”, porque Deus se fez companhia para o homem, fez-se carne. E sem a carne não existe nem Cristo nem o homem.
No dia seguinte, nos encontramos na nossa fazenda – toda a nossa Fraternidade. Depois de retomar o que havíamos dito um mês atrás e que Cleuza havia resumido com uma expressão belíssima em forma de pergunta: “somos cristãos ‘coca-cola’ ou homens apaixonados por Cristo?”. O Movimento, para nós, é uma coca-cola ou um dinamismo no qual a razão e o sentimento caminham juntos? Por que esta imagem da coca-cola? Porque quando tiramos a tampinha, faz pssssss e, em seguida, tudo acaba. Podemos usar também a imagem dos fogos de artifício.
Logo depois, começaram as intervenções. Uma pessoa em particular sublinhava seu drama pessoal, um drama que havia levado a sua pessoa à exaustão. “Tudo funcionava bem na minha vida, vivia a minha responsabilidade, jogando-me inteira até ao ponto de ser definida pelo meu trabalho. E fazendo assim eu pensava estar servindo bem a Deus. Mas, com o tempo, cedi... porque essa maneira de trabalhar para Deus me colocou em nocaute”.
Cleuza aproveita a deixa e, depois de ter descrito como também ela, antes de encontrar Carrón e o Movimento, passou anos determinada pela depressão, fruto de seu constante empenho em favor de Deus e dos pobres, disse: “Olha só, eu também vivi uma vida cheia de tormento e de amargura, convencida de estar servindo a Cristo. Tomei antidepressivos por anos, até ao dia em que encontrei o Movimento. Encontrando o Movimento, encontrei o valor da minha vida. Valor que percebi claramente no fato de que Deus não me criou para ser empregada doméstica, Sua empregada, mas por um ato de amor, me fez para Ele. Dentro do Movimento, entendi que eu não sou a serva de Deus, mas o objeto do Seu amor e, nesta perspectiva, os outros se tornam a minha alegria. Porque apenas se eu vibrar do amor de Cristo poderia ajudar os outros. Assim, os outros se tornam um presente para mim. Muitos me perguntam ‘por que vocês ainda vão ao Paraguai?’. Porque preciso escrever o meu sim a Cristo com vocês e vocês me foram dados. As coisas são guiadas por Ele e Ele conhece o número dos meus cabelos. (...) É preciso que tiremos nossas máscaras [e aqui ela conta a história de uma mulher humanamente destruída que ela havia tirado da rua e levado para sua casa, e do longo diálogo que teve com ela], para que Cristo se revele para nossa humanidade do jeito como Ele é. E é isto o que acontece na clínica para os doentes, que despojados de tudo pela doença pedem com urgência o próprio Cristo. Somente se arrancarmos as máscaras é que Cristo se revelará a cada um”.
O diálogo continuou por dois dias, compartilhando tudo. Mas, acredito que só isto já seja suficiente por agora, caros amigos. Seja como for, ou uma amizade tem este horizonte ali onde estamos, ou é uma cumplicidade mesmo se usarmos continuamente a palavra “Cristo”.
“Encontramo-nos para escrever o nosso sim a Cristo”. Que bonito!
Boas férias
Padre Aldo

terça-feira, 26 de julho de 2011

O homem é feito para voar... do contrário, enlouquece

Por Aldo Trento

Enquanto todos estão de férias, sonhando vencer o estresse de uma vida cada vez menos vida, até mesmo o desejo, como dizia alguns meses atrás uma estatística da CENSIS, parece ter se apagado do coração dos italianos, e nos chega, da Noruega, a terrível notícia de dois atentados com uma centena de mortos. Que tapa na cara! Da Noruega? Um dos países mais “perfeitos” do mundo, onde a honestidade e a organização social são apontadas como exemplo. Justo ali foi acontecer um fato que mexeu com todos. O desalento é grande, assim como a dor pelas vítimas e suas famílias, e no entanto não podemos ficar parados nisso, não podemos deixar de lado a necessidade de entender o que foi que ficou travado nesta máquina “perfeita”.
O que foi que travou? O homem. O coração do homem está cada vez mais cansado das contínuas trapaças a que é submetido por um poder dominante que, tendo eliminado Deus (ou tendo-O reduzido a uma ideologia), conseguiu anestesiar o homem fazendo-o acreditar que a sua vida depende do poder mesmo. Mas, esta operação, que Luigi Giussani definia como “efeito Chernobil”, não poderia durar e não durará por muito tempo, porque nunca existirá um poder no mundo capaz de fazer adormecer, até matá-lo, o coração do homem. Mesmo que na Noruega, assim como em todos os lugares do mundo, o poder seja capaz de fazer seus cidadãos acreditarem que, se vivem, é graças a ele, e ainda que estes mesmos cidadãos fiquem gratos a isso. Uma vez anestesiados, esta operação que pretende mudar a genética humana não conseguirá durar muito tempo, porque dentro de cada um de nós existe um Ícaro que não suporta ficar preso numa gaiola que o impeça de voar. 
O homem, o coração do homem, é feito para voar. Por isso, ou esta exigência encontra a sua liberdade ou se transformará numa loucura. Não é possível conter esta sede e fome de felicidade, de amor, de beleza, de verdade, de justiça que constituem o tecido do coração humano. Uma pessoa pode até maldizer estas batidas, mas não poderá deixar de prestar contas disto. E se o poder se esquece desta verdade, por mais perfeitos que sejam seus sistemas, e mesmo se o homem se esquecer, inevitavelmente chegará o momento da loucura e as consequências ficaram visíveis em Oslo. Uma loucura que pode ter como origem mesmo um cristianismo reduzido a ideologia. Quando uma pessoa não encontrou a presença de Cristo como um fato que responde plenamente às exigências da razão e do coração humano, mas uma ideia ou uma inspiração que se vale de Cristo, é inevitável que se censure a razão, o que dá origem a fanatismo e a violência. Quantos horrores se fizeram em nome de Cristo, com os quais Cristo não tem nada que ver! O cristianismo é um acontecimento verificável na sua profunda razoabilidade apenas a partir de dentro de uma realidade vivida inteiramente. Cristo precisa do homem na sua inteireza, e o homem precisa de Cristo.
Então, diante desta tragédia é preciso – para que estes irmãos não tenham morrido em vão – levar a sério o nosso coração com os seus desejos bem expressos pelo Salmo 63: “Ó Deus, Tu és o meu Deus, por Ti madrugo. A minha alma tem sede de Ti, a minha carne deseja-Te com ardor, como terra seca, esgotada e sem água” (Sl 63, 2). Ou, como nos recorda Giuseppe Ungaretti: “Trancado entre coisas mortais (mesmo o céu cheio de estrelas acabará), porque grito Deus?”. O homem é relação com o eterno, é relação com o Infinito, e se o meu coração não encontrar este Tu para o qual é feito, não haverá sistema social, por mais perfeito que seja, que será capaz de impedir que enlouqueça. Se Deus não existe, ou se for reduzido a um ídolo, a ideologia, tudo é possível. Mas, é o coração que diz que Deus existe! É o coração que grita: quero o Infinito. O poder moderno nasce prescindindo de Deus, nasce pretendendo ser Deus, ser ele aquilo de que o coração precisa, e então é inevitável que aconteçam estes tsunamis que nos fazem tremer. Os valores não são suficientes para viver, e ainda menos a pretensão de ser honestos, como há décadas, na Igreja, nos dizemos. É preciso um passo a mais, é preciso encontrar alguém cujo coração é feito, para pegar nas próprias mãos, outra vez, a própria vida. É preciso que reaconteça agora – no meio do verão, enquanto todos estão esparramados, feito frangos depenados, nas praias ou estão, feito corças, caminhando pelas montanhas – o que aconteceu a João e André, a Zaqueu, a Maria Madalena. É preciso o encontro com aquele olhar no qual o Mistério, aquilo de que é feito o coração, se fez carne. É preciso que o olhar de Cristo cruze com o nosso. Aquele olhar que nos torna conscientes de que, antes da loucura, existe o perdão, existe a misericórdia.
Foi isto que me aconteceu quando a ilusão do poder, na sua expressão ideológica, estava mastigando meu cérebro, convencido que eu era de que Cristo não fosse suficiente para livrar o homem da sua loucura, e que continua me acontecendo, enchendo-me de letícia todos os dias. A tragédia que aconteceu na Noruega interpela a responsabilidade que temos, como cristãos, dentro do mundo. A nossa experiência de Cristo é o reacontecer daquilo que aconteceu a João e André, ou é apenas um conjunto de valores, uma moral, incapaz de resistir aos desafios que o mundo moderno nos coloca? Que nos olha nestes dias, observando o nosso rosto, fica fascinado pela beleza de um olhar no qual é evidente a ternura de Cristo? É possível responder ao fanatismo religioso apenas se se mostrar, na vida cotidiana, a razoabilidade da nossa fé. Não existe nada de mais blasfemo do que definir o cristianismo como de esquerda ou de direita. O cristianismo é apenas Cristo, ou seja, o homem. Ser cristão não é acrescentar um adjetivo à palavra “homem”, mas é o nome próprio do homem, diria Giussani, daquele nível da natureza no qual a natureza toma consciência de si.
(do Il Foglio, de 26 de julho de 2011)

* Extraído da Tracce.it, do dia 26 de julho de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Cartas do P.e Aldo 201

Asunción, 13 de julho de 2011.

Caros amigos,
A desproporção entre o meu nada e o Mistério de que é feito o meu coração aumenta na medida em que vejo a minha impotência diante da minha necessidade e a de tantos que, sofrendo, desamparados, batem à minha porta. Que dor, que grito, dentro de mim, dirigido ao Mistério para que mostre o Seu terno rosto diante de três jovens mães internadas com câncer em estado terminal. Maria tem 29 anos e 5 filhos, Josefina tem 32 anos e 6 filhos, Cíntia tem 42 anos e 3 filhos. Três mulheres solitárias, sem maridos, que as abandonaram sozinhas com os 14 filhos. Enquanto eu celebrava a missa, achava que Josefina estava morrendo. Um câncer no pulmão parecia sufocá-la. Eu via a sua respiração difícil e olhava para a hóstia entre as minhas mãos. Sentia toda a sua dor e pedia a Jesus para olhá-la nos olhos, e pedia para dividir com ela a sua dor. Num certo momento, me aproximei dela e a acariciei e, depois de lhe ter dado a unção dos enfermos, logo depois de comungar, repousou. Quem sou eu, Senhor? Perguntava Santa Catarina. Nada. E quem és Tu? Tudo.
Ver a cada dia quem é o humano é dramático, e no entanto aquele homem que, num certo momento, para de viver é Cristo e, olhando para ele assim, não é possível não se ajoelhar. Porque, se aquilo de mais caro que você tem é Cristo, é verdade que aquele homem é aquilo de mais caro que você tem naquele momento. E ele é aquilo de mais caro que você tem porque ele, como eu, é aquilo de mais caro que existe para Cristo. E eu vi isto pela enésima vez neste sábado à noite, quando uma família, para se desfazer de uma parente idoso, com uma perna cheia de vermes numa grande ferida, passando de uma mentira para outra para nos enganar, conseguiu largar este pobre homem na frente da Clínica. Tinham nos procurado, enganando-nos, com o velhinho na carroceria aberta da camionete, enquanto eles estavam bem protegidos do frio na cabine. O motivo? Fede.
Nós o pegamos e eu vi naquele rosto triste a Presença do Mistério e, sem esperar nenhum médico e muito menos a assistente social (vocês sabem bem como, muito frequentemente, estes profissionais, antes de qualquer coisa, olham para a ficha clínica: se tem um diagnóstico e tudo preenchido corretamente). Jesus, que era um médico, caminhando pelas estradas e encontrando milhares de pacientes, olhava para quê? Para o diagnóstico? Para a ficha clínica? Ou escutava a dor dessas pessoas, olhava para sua fé e as curava imediatamente? Quanto a isto, sou um grosso: mando todos à merda muito facilmente. Eu olhava para ele e pensava: Deus se serviu também do engano dos parentes – que, há um tempo, o haviam abandonado num galinheiro – para mostrar a eles, para me mostrar que Ele não havia se esquecido daquele homem, daquele pobrezinho cuja realeza é objetiva, porque é relação com o Mistério.
Eu o beijei, levei para a Clínica. Os enfermeiros o transformaram. Porém, não havia leito livre e já era noite. Então, o Espírito Santo, sabendo que sou fraco de memória, me lembrou que, na Capela onde o Santíssimo fica exposto, onde já tem um mendigo doente, ainda havia um lugar. Assim, nós o levamos para ali e acho que Jesus gostou disso, porque agora Ele tem dois coroinhas cuidando dEle.
Enquanto isso, os parentes fugiram. Outra vez vi acontecer aquilo que o Salmo de Laudes do sábado diz: “pode uma mãe abandonar o seu filho?”, “Porém, eu não te abandonarei nunca”.
Experimentei isto na segunda-feira, quando uma adolescente que matou o seu companheiro quis renunciar ao seu filho, nascido aos 7 meses e que, agora, tem já 3 meses de vida. Ela vive na nossa casa de acolhida para meninas e adolescentes grávidas. Tive que ir ao juizado de menores com ela e com a advogada. Que dor ouvir a menina dizer ao juiz que me cedia o seu filho para poder voltar para a prisão de menores. Falava com uma frieza terrível e, comovido, eu olhava para o bebê entre os meus braços. O menino era como um lixo, e era maltratado por ela.
Terminada a aventura da adoção, voltamos para casa. Agora, Deus me fez, pela enésima vez, pai deste pequeno. E ela, esta pobre garota, voltará para a prisão para terminar a pena que poderia ter sido descontada aqui, conosco, na companhia do seu filho. Padre Paolino, depois do que aconteceu, me disse, pensando no que perde e ganha: “Nem mesmo a beleza sem Cristo consegue mover o coração de uma pessoa”. Você pode oferecer a ela o lugar mais bonito do mundo, mais limpo, mas sem o encontro com Cristo até mesmo uma campo de concentração é mais atraente.
Finalmente, uma notícia interessante no dia de São Bento: apresentou-se um jovem de 24 anos, rico, deserdado pela família e expulso de casa porque queria se tornar padre. Graduado em filosofia e com outros títulos. Chegou aqui graças ao semanário que publicamos e que ele lê (como é importante ter um espaço nos jornais laicos com um semanário “leigo”, ou seja, católico). Quer ser sacerdote porque está fascinado com a experiência que vibra no jornalzinho que publicamos.
Olhei para ele com muito distanciamento, mesmo porque, nestes anos, muitos chegaram aqui com este desejo, mas depois, diante da minha proposta, não voltaram mais. Eu o escutei e, em seguida, lhe perguntei: “Você gosta das garotas?”. Ele olhou para mim surpreso. E eu lhe disse: “Nesses tempos, esta é uma pergunta importante porque a condição, como dizia Giussani, para ser padre é ser homem”. “Padre, é claro que sim”, ele me respondeu. Bem, então eu lhe propus: “Por três meses... não apenas porque você é formado em filosofia e gosta de estudar e de cantar (ele cantava na ópera de Asunción), falar italiano etc. (um monte de dons que eu nunca tive, já que eu era um burro na escola), mas para que você possa aprender a prestar contas com o ‘morder a pedra’, como dizia o frei a Miguel Mañara. Hoje, você virá conosco – Padre Paolino e eu – à fazenda onde estão os doentes de AIDS, recusados por todos. Por três meses, você vai viver com eles: vai dormir num de seus quartos, numa beliche, comerá com eles, trabalhará a terra e, obviamente, terá o espaço necessário para a oração, a leitura, o silêncio etc. Depois, terminados os três meses, vai ficar com os ‘ex-mendigo’ da casa de São Joaquim e Sant’Anna, para dar banho e limpar estes filhos prediletos de Deus, vivendo com eles. E, então, finalmente, mais alguns meses na Clínica... Amigo, para ser padre, é preciso ter culhões, porque, de outra forma, amanhã, bastará que uma garota olhe para você, para que você desapareça, ou então você acabará vivendo no orgulho, nas lamentações e no burguesismo de tantos padres novos e nem tão novos assim que eu conheço. ‘É preciso sofrer para que a verdade não se cristalize numa doutrina’, dizia Mounier”. Ele olhou para mim e, com um sorriso, me disse: “Padre, obrigado. É isto que eu quero, aceito o desafio”. Subimos no carro, fomos para a fazenda e, desde o dia de São Bento, com o seu “ora et labora”, ele está ali, dando início a uma aventura que, se Deus quiser – quem sabe – será aquele que me substituirá, porque a vida passa e eu sempre pedi ao Senhor um substituto, mas que fosse alguém com culhões e que ame Cristo e os pobres muito mais do que um apaixonado ama a mulher com quem se casou, muito mais do que um apaixonado ama a sua namorada. 
Rezem, portanto, amigos, para que, se Jesus quiser, seja, para esse rapaz, de verdade, a possibilidade de viver a graça que me foi dada para viver. A regra é sempre a mesma: “calos nos joelhos, calos nas mãos, calos na mente”. Padres, ou seja, homens viris!
Ciao,
Padre Aldo

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Cartas do P.e Aldo 200

Asunción, 6 de julho de 2011.

Caros amigos,
É impressionante como a Presença do Mistério se impõe na minha vida, na medida em que olho e vivo a realidade como sinal! Não existe coisa, circunstância, fato que não seja a evidência da desproporção entre o meu nada e o Mistério que a realidade me revela continuamente. Viver suspensos na certeza de sermos queridos agora, agora que posso estar mal ou estar bem, estar emocionalmente no alto ou embaixo, ser simpático ou não. Ser querido por um Outro, assim como sou, e olhar com ironia para os meus limites. Dar-me conta e me surpreender, a cada dia, com o imprevisto que desfaz os meus projetos, as minhas programações, fazendo-me ver como é a realidade de fato e descobrir como a Providência Divina me faz vibrar pelo cêntuplo evidente em cada instante da vida. Um cêntuplo que não apenas é um a mais de vida, de humanidade, mas também é um a mais econômico e também de ação.
Hoje, por exemplo, chegaram-me dois emails: um de Barcelona, e outro de Reggio Emilia.
O primeiro me comunicava a feliz notícia de que Jordi (o arquiteto-chefe da “Sagrada Família” de Barcelona) e  Sotoo – que alguns dias faz, num fim de semana, havia se retirado para rezar, meditar, estudar o projeto, na belíssima Basílica de Nossa Senhora de Montserrat – terminaram tanto os cálculos estruturais, como odesejo do conjunto de imagens esculpidas em pedra e que estarão na fachada da nova clínica. Trata-se de comentar, na pedra, a frase de São Paulo aos Romanos: “A natureza mesma geme as dores de parto, esperando a ressurreição do Filho de Deus”. Assim, a nova clínica terá como base a Capela toda incrustada em madeira revestida com o “pão de ouro” do Santíssimo Sacramento e, no ponto mais alto, a imagem de Cristo saindo da terra, como num parto, traz consigo (“arrastra”: em espanhol é mais profundo) toda a realidade na plenitude da vida, no paraíso que será a realidade na sua perfeição máxima. Por isso, em breve o braço direito de Sotoo, Manolo, virá para dar início à obra.
Hoje, Francisco morreu de AIDS, um jovem abandonado por todos, mas que morreu entre os nossos braços. Tudo isto só é possível porque, quando o eu é agarrado pelo Mistério, gera uma cadeia de relações, como me escreve de modo comovente esta minha amiga de Reggio Emilia:
Caro Padre Aldo,
Quando as suas cartas nos chegam, fico me perguntando como é que chegam exatamente quando precisamos! Obrigada.
Assim, queríamos que você soubesse que, entre as tantas, aquela do “testamento da viúva” (de 27 de março de 2011) nos comoveu tanto que nos sentimos cobrados e organizamos uma venda extraordinária de “cappelletti” (você sabe, somos de Reggio Emilia, e aqui, eles são bem quistos!) feitos em casa. Apresentamos a proposta aos nossos amigos e algumas mulheres nos encontramos (de todas as idades!) para fazê-los. Aquilo que foi arrecado foi enviado para você nesses dias, num depósito de 500 euros.
Não é muito, uma gota no mar de necessidade, mas nasce de uma comoção depois de outro, porque foi assim aquilo que vimos brotar deste nosso pequeno “movimento”, nascido de forma impetuosa, porque ficamos tocados pela simplicidade da pertença daquela mulher que, tendo encontrado “a verdade da sua vida”, quis deixar tudo o que tinha.
Obrigada! Em anexo vão algumas fotos do nosso trabalho e, abraçando-o, pedimos-lhe que se lembre de nós na sua oração, junto de todos aqueles que trabalharam conosco.
Maura Bezzecchi
Maura Caprari
P.S.: Da próxima vez que vier à Itália, será nosso convidado para comer “cappelletti” conosco.
Como podem ver, não se trata de dotes particulares ou de capacidades, mas tão somente de deixar-se tomar pelo Mistério que, numa das leituras da semana passada, na Missa, dizia, através de Moisés, ao povo judeu: “Tu és a minha propriedade”, “eu me apaixonei por ti, por ti que és o menor de todos os povos”.
Amigos, espero que vocês vivam juntos este tempo, comovidos, rezando, como dizia a oração da coleta do último domingo, “Deus, que por meio da humilhação do Teu Filho, levantou a humanidade decaída, concedei-nos a VERDADEIRA ALEGRIA, para que, libertos da escravidão do pecado, possamos atingir a plenitude da felicidade” (em espanhol, “a felicidade sem fim”), como que dizendo de plenitude em plenitude.
Padre Aldo.

Cartas do P.e Aldo 199

Asunción, 30 de junho de 2011.

Caros amigos,
Nestes dias, tive a graça de completar 40 anos de sacerdócio. Uma vida na qual é evidente o manifestar-se de que se realiza uma grande certeza: “Antes que te formasses no seio de tua mãe, eu pronunciei o teu nome”, “amei-te de um amor eterno, tendo piedade do teu nada”.
Por isto, desejei que todos os amigos, unidos a mim nestes dias, cantassem “cantarei eternamente a Sua Misericórdia”, porque esta experiência de Misericórdia que encontrou o seu ápice naquele abraço do Gius está na origem, não apenas do renascimento do meu eu, mas também na origem daquilo que a Infinita Misericórdia de Deus está realizando em meio a este meu povo. Agradeço a todos que, com a oração e também com a ajuda econômica em favor dos meus filhos – que crescem cada vez mais, apesar de serem vítimas de tanta violência- me acompanham.
Obrigado e boas férias... mas não se esqueçam de quem precisa até mesmo de apenas um pedaço de pão. “De que vale a vida se não for para ser dada?”, nos lembra Claudel.
E isto é a minha grande alegria... que tem como origem “eu sou Tu que me fazes”, o viver com o olhar fixo no Mistério.
Com afeto,
Padre Aldo

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Cartas do P.e Aldo 198


Asunción, 21 de junho de 2011.

Caríssimos,
Eis a foto de recordação das 11 crianças da Casinha de Belém batizadas neste domingo. A maioria delas não tem ninguém, mas agora podem dizer “Pai” para o Mistério. Que responsabilidade, para mim e os amigos, nos foi presenteada com o batismo delas! Uma responsabilidade possível de viver apenas se o meu eu é definido, momento após momento, pela certeza “eu sou Tu que me fazes”. Desta certeza depende todo o caminho educativo e a sua maturidade.
Olho-os e vejo a grandeza e a beleza do Mistério que permitiu que nascessem em condições desumanas e violentas para, depois, retomá-los e levá-los para onde Sua Presença é evidente.
Olho-os e, comovido, penso naquilo que o profeta disse: “antes de te formares no ventre de tua mãe, pronunciei o teu nome”.
Que bonito: eu, como os meus pequenos, fomos pensados, desde sempre, por Deus! Que bonito: eu, como as minhas crianças, fomos chamados pelo nome, ou seja, somos Seus, pertencemos-Lhe desde sempre. Então, o modo com o qual fomos concebidos é secundário (não porque não seja importante... pelo contrário), porque a nossa identidade vem antes, vem da eternidade. Então, mesmo se concebido na violência, isto não define mais a minha personalidade. 
O aborto é terrível porque elimina um nome que Deus pronunciou desde sempre. Então, entendem porque as meninas grávidas são, para mim, tesouros, mesmo que tenham 12 anos de idade. Elas moram conosco, salvas daquelas diabólicas ONGs que fazem de tudo para que abortem.
Uma garotinha da favela, vítima do crack desde os 9 anos de idade, não queria a criança de que estava grávida e chegou aqui em condições indescritíveis. Deu à luz uma menina lindíssima (hoje, a mãe tem 15 anos) e, no início não a queria. Três meses se passaram e ela, a mãe, é outra pessoa, é uma verdadeira mulher, uma verdadeira mãe. Mesmo o seu aspecto físico mudou: está bonita, bem vestida, limpa, orgulhosa da sua feminilidade. Vê-la amamentando a sua menina é de uma ternura enorme.
Não mais o passado como “piranha” (é como são chamadas essas crianças), mas um início de consciência de ser fruto do SER, daquele “Tu que me fazes”. Mas, dentro de uma companhia de 24 horas por dia. Porém, é assim que o Mistério nos faz companhia. Lucilla, a filha do meu amigo Luigi Amiconi, dizia: “Tudo o que eu faço é dizer ‘sim’ a Liz (uma menina com gravíssimos problemas psíquicos, físicos e de mobilidade), e este ‘SIM’ mudou Liz e me mudou. E dizer ‘SIM’ quer dizer responder às suas necessidades, quer dizer estar sempre com ela. E este ‘SIM’ que digo a ela, eu o digo a todas as crianças. Mas, posso dizê-lo porque um outro o diz para mim”.
E é mesmo bonito ver esta garota de 12 anos, que parece ter a metade, e que não fala, é mesmo bonito vê-la feliz e fazendo de tudo para responder às provocações de Lucilla. E Lucilla que a olha, a olha para perceber o que quer, o que a realidade lhe pede para poder responder “SIM”. Educar é apenas dizer “SIM” à realidade.
Padre Aldo

terça-feira, 21 de junho de 2011

Cartas do P.e Aldo 197

Asuncíon, 17 de junho de 2011.

Caros amigos,
Cedo ou tarde, teremos que morrer, mesmo se, frequentemente, nos esquecemos disto. Então, como vocês gostariam de morrer? Aldo, um homem de 36 anos, paciente terminal da clínica, me disse: "vim para cá porque quero me preparar bem para o encontro definitivo com Jesus. Quero morrer com dignidade, ou seja, com o Santo Rosário na mão e Jesus Eucarístico. O Rosário é a minha arma para vencer esta batalha final. Padre, me acompanhe nesta luta, porque eu quero ver Jesus".
Deus conceda a todos nós esta liberdade.
Padre Aldo

domingo, 12 de junho de 2011

Cartas do P.e Aldo 196

Asunción, 10 de junho de 2011.

Caríssimos,
Levando a sério aquilo que Carrón nos diz, fazendo um trabalho permanente, verificando em cada momento a razoabilidade da fé, a dúvida desaparece, deixando lugar para uma certeza de ferro que nem mesmo a pior condição na qual uma pessoa possa se encontrar a fará tremer. Isto não significa – e eu experimento isto todos os dias, há mais de 20 anos – que me seja poupada a experiência da solidão, da dor que Jesus mesmo viveu no Getsêmani ou na cruz.
Quantas vezes eu gritei e grito: “Pai, se é possível, afasta de mim este cálice”. Ou quantas vezes busquei inutilmente uma companhia que “vigiasse” comigo! Porém, dentro deste deserto, desta batalha, a luz da fé sempre venceu e mesmo que em certo momentos o grito de Jesus se tenha feito vivo – “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” –, é como se imediatamente a posição da fé vencesse sempre: “Não a minha, mas a tua vontade seja feita” ou “nas tuas mãos eu me confio”.
Ver todos os dias pessoas morrendo ou tanta dor inocente me permite viver continuamente esta experiência. Digo experiência porque fica sempre mais claro que Deus é tudo, que Deus se ocupa de mim e de cada um de nós com uma ternura infinita.
Ontem, morreu Domenica, uma garota lindíssima doente de AIDS. A sua jovem vida tinha sido destruída pela prostituição a que tinha sido obrigada por seu companheiro, um alemão, que desapareceu depois que ela ficou doente. Ler o seu prontuário médico é assustador, quando se vê aonde pode chegar uma pessoa quando em seu coração não há Deus. Nestes últimos meses, vivia numa casa cujas paredes eram de papelão. Nós a encontramos abandonada no chão de terra, sozinha. Vivia com um homem, na miséria absoluta. Nós a trouxemos para a clínica, mas ela já havia decidido morrer. Não queria mais saber de nada: nem comer, nem tomar remédios. Num momento de crise, teve uma reação muito feia com uma enfermeira que acabou machucando o dedo com uma seringa com a qual lhe havia aplicada uma injeção. Um drama no drama.
A enfermeira, uma bela garota, mãe de quatro filhos, dos quais três são gêmeos, depois de um primeiro momento de medo, colocou-se em contato com o médico responsável pela clínica na qual, um tempo antes, havia acontecido a mesma coisa, e escreveu estas palavras: “tão logo me dei conta do que havia acontecido, tirei minhas luvas, lavei minhas mãos, chamei o médico para ver o que podia ser feito e experimentei uma grande angústia. Mas, imediatamente, entreguei tudo a Deus e me lembrei daquilo que me havia sido dito num encontro de catequese: ‘O demônio favorece estas coisas para que nasça em nós a dúvida: por que Deus permite estas coisas’. Mas, eu tenho a certeza de que mesmo esta provação é uma Graça de Deus que me ama, de forma que deixo tudo em Suas mãos, para que se faça a Sua vontade, e isto me dá tanta paz”.
Domenica, olhando-a com amor, começou a se acalmar, tomou o remédio e quando lhe perguntava se queria um sorvete, ela me respondia: “Sim, padre, quero de baunilha”.
A depressão pareceu se acalmar um pouco e foi bonito quando pediu o Batismo e a Primeira Comunhão. Foi um momento que significou mesmo uma melhora do seu estado de saúde. Recebeu a Eucaristia até a manhã do dia em que morreu. Eu a olhei e ainda era bela. O seu corpo nunca amado e sempre usado tinha reencontrado uma harmonia suprimida por anos de prostituição. Uma vez mais Deus venceu, uma vez mais a evidência de que Deus não abandona os seus filhos, por mais desesperados que sejam, se impõe aos olhos de todos.
Era o reacontecer do fato da adúltera, da Samaritana. Então, como não se render à evidência, à razoabilidade da fé?
E todos os dias é assim, amigos. De fato, somos os vivos, de fatos Cristo já venceu tudo. Amigos, vejo como Deus é atento a quem não tem nada, vejo como Deus ama e recolhe aqueles que o mundo chama de lixo humano. De fato, para Deus, não existe o filho bom ou o mal, existe apenas o filho.
Padre Aldo

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Cartas do P.e Aldo 195

Asunción, 3 de junho de 2011.

Caros amigos,
É belo se surpreender sempre mais com o olhar fixo no Mistério e os pés bem plantados na realidade, não importando se devo suar as proverbiais sete camisas, porque o suor é a dramaticidade com a qual se enfrenta a vida.
De volta à casa, como acontece em toda família, a pessoa se encontra com a realidade que, no meu caso, é aquela onde a dor transborda de todos os lados: moribundos, jovens com câncer e com AIDS, velhos abandonados, meninas grávidas ou violentadas, filhos que fogem ou se opõem ao caminho educativo das Casinhas de Belém, colaboradores com tantos problemas pessoais e familiares, pessoas que com a desculpa de ajudar criam mais problemas do que soluções. Nem mesmo coloquei os pés na terra, saindo do avião, e eis o cenário. O meui coração sentiu imediatamente que Deus me pede tudo, que a realidade já é amiga e, por isso mesmo, está sempre pronta a me provocar. Não tive tempo nem mesmo para a saudade do que encontrei na Itália, porque a realidade me faz formigar de uma nostalgia muito maior, infinitamente mais bela: a nostalgia de fixar bem nos olhos do Mistério, aquele Tu que me fazes. No avião eu tinha lido a introdução dos exercícios de Carrón. Imediatamente reconheci descrito, de forma operativa, o meu eu tornado ainda mais inquieto, desejoso, saudoso de vê-Lo. Eu estava cansado, o fuso horário, as confusões... as perguntas, a súplica, a necessidade urgente de não perder de vista, um instante sequer, a alegria pascal, ou seja, a companhia dos “vivos”: Julián de la Morena, Paolino, Padre Martino do Chile e visitor da São Carlos Borromeu na América Latina.
Dor, sofrimento, suor, alegria pascal. Sim, porque a alegria pascal é uma companhia na qual é evidente, claro, luminoso, o carisma que nos foi dado. O abraço destes amigos tornou ainda mais potente para mim a pergunta pelo Infinito que trago dentro de mim.
Assim, pude, tão logo cheguei em casa e desfiz as malas de presentes para as minhas crianças, visitar os doentes, os idosos, os meus filhos mais novos, o pessoal que estava trabalhando, vendo neles, mesmo se os olhos estavam anuviados pelo cansaço, a beleza radiante do rosto de Cristo. Aquele rosto que vi, em cada dia, na Itália, em cada lugar por onde passei.
Há, de fato, em todos os lugares, uma vida que desabrocha, um surplus de vida, de vontade de viver. E é esta vontade de viver que tão logo encontrei Isabel, uma garotinha de 15 anos – e que, numa carta, se define como um “vírus” –, me coloquei de joelhos diante do Mistério, suplicando-lhe que me dê aquela paternidade necessária para comunicar a ela a alegria de ser um dom. Um fato que me obriga a estar diante dEle, se verdadeiramente amo esta filha, porque sem esta minha posição não conseguirei lhe comunicar nada, não poderei lhe mostrar que também para ela existe a possibilidade de passar da consciência de ser um “vírus” à certeza “de amei-te com um amor eterno, tendo piedade do teu nada”.
A mesma posição eu senti como necessária quando, visitando a casa onde vivem algumas garotas grávidas (uma de 12 anos está no oitavo mês) e outras que acabaram ter seus filhos, saudando-as com afeto, depois de 15 dias sem as ver, não obtive sequer um olhar delas. Uma vez mais, vi em seus rostos a raiva da vida, de todos. Senti ternura por elas, da mesma forma que o Mistério sente por mim, olhando-me continuamente, acolhendo-me, porque “antes de ser concebido no ventre de minha mãe, Ele pronunciou o meu nome, fez de mim sua propriedade, teve piedade do meu nada, amando-me de um amor eterno”. E, então, eu as saudei dizendo: “Voltarei amanhã e vamos ficar juntos”.
No dia seguinte, o milagre: uma delas, depois de três meses conosco, se aproximou e me deu um beijo. Não somente isso, mas mesmo a sua feminilidade, antes destruída, se refez. Quando ela chegou aqui, com a sua barriga maior do que ela (que tem apenas 15 anos), estava suja, desarrumada, destruída pelo crack; agora, não tem mais nem sinal daquela menina perdida. Bonita, cabelos longos bem penteados, unhas pintadas, vestida como as garotas de hoje etc. Além do mais, vive para a sua filha.
Veio-me em mente aquilo que Dom Giussani disse em “É possível viver assim?”: a moralidade é olhar no rosto a Jesus... então, tudo se torna ordenado, a pessoa se penteia de certa maneira, abotoa seus botões, tem vergonha se está com sapatos sujos e diz “perdoe-me por estar assim desarrumado”.
Hoje, chegou outra garota que está no terceiro ano do ensino médio e está no terceiro mês de gravidez. Esta noite, faremos a festa com as outras para lhe dar as boas vindas. É Jesus que chegou com uma trouxinha na barriga. Olho para ela, é pequena, magra, os olhos verdes, e sinto uma ternura infinita. Outro caso de pedofilia. Mas, tenho a certeza – porque há anos a toco com a mão – que também para ela a certeza do Cristo ressuscitado triunfará. Não existe problema, por mais violento, que não encontre em Cristo a vitória
Certamente, trata-se de uma luta e de uma dor contínuas, mas esta é a condição para estar, instante após instante, diante do Mistério. A dor é tanta (também hoje, na clínica, morreu uma jovem mãe com quatro filhos) e, às vezes, parece me arrastar, no entanto, dentro de tudo isto encontro o repetir contínuo de “eu sou Tu que me fazes”, que muda tudo, e tudo se torna motivo de letícia, porque tudo, exatamente tudo, se torna positivo, porque tudo se torna grito, reconhecimento do Ser que me faz em cada momento, e por quem bate o meu coração.
Padre Aldo

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Cartas do P.e Aldo 194

Asunción, 27 de maio de 2011.

Caros amigos,
De volta da Itália, agradeço de coração a todas as pessoas que encontrei e, particularmente, os tantos, tantíssimos testemunhos da Ressurreição de Cristo, tanto de doentes como de pessoas em outras condições difíceis. De fato, como nos lembrava Carrón, citando São Paulo, “nenhum dom de Graça nos falta mais”.
A alegria de ver pessoas mudadas, seguindo Carrón, me enche o coração de esperança e de energia. Uma vez mais se confirmou que o problema não é ir para o Paraguai, para o Brasil ou para a África, mas seguir aquela companhia na qual Deus o colocou e na qual é evidente a experiência do carisma, com o mundo do coração.
Não há condição privilegiada, é a realidade nas circunstâncias na qual Deus nos colocou e nos coloca. Eu vim para o Paraguai porque Giussani me mandou, mas não para o mal do Paraguai ou da América Latina como tantos têm.
Uma pessoa que viva aí o carisma, seguindo Carrón, não sente saudade do Paraguai. Vi coisas do outro mundo e frequentemente me perguntei: mas, quantos veem isso? Vi os sinais da vitória de Cristo em todos os lugares por onde passei e uma pessoa estaria ali sempre, olhando para esses sinais, desejando pertencer àqueles lugares. De verdade, me senti em casa, porque se a pessoa olha para onde Carrón olha, identificando-se com a sua experiência, a vida floresce, as obras se tornam a presença dos “vivos” num mundo de mortos.
Obrigado de coração, porque vi um movimento de pessoas vivas que me marcaram. E quem vive assim aí na Itália, vive aqui comigo mesmo se nunca vier me ver. E vice-versa: ninguém escapa daquilo que não existe. Agradeço também àqueles que, com seu sacrifício, continuam ajudando a Providência, para poder terminar o hospital e a escola, particularmente às crianças das escolas que visitei.
Em nome dos meus doentes e de todos, agradeço a vocês de coração. Para mim, mendigar é mendigar Cristo, mendigar o Seu amor, porque o objetivo da vida é ser dada.
Rezamos por todos vocês, caros amigos e benfeitores que nos ajudam. Obrigado.
Padre Aldo

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Cartas do P.e Aldo 193




Asunción, 1 de maio de 2011.

Olhem que belas estão minhas mamães adolescentes no dia do batizado de seus filhos. Agora, são apenas criaturas novas, são relação ontológica com o infinito. Que comoção
Padre Aldo

Cartas do P.e Aldo 192

Asunción, 1 de maio de 2011.

Caros amigos,
Os apóstolos encheram-se de alegria ao verem Jesus. A alegria, a letícia cristã, portanto, consiste tão somente em ver, em tocar Jesus. Por isso, a nossa falta de alegria nunca se deve à dor, qualquer que seja essa dor, ou às circunstâncias adversas. Também os Evangelhos destes dias nos falaram da falta de letícia dos Apóstolos, uma falta que se devia ao fato de que eles O tinham confundido com um fantasma, com uma imaginação; e o fantasma, a imaginação – que é a negação da realidade – gera apenas medo, angústia, depressão. No fundo, a depressão é a vida sem a realidade e determinada pelos fantasmas, pelas fantasias. Por isto, numa aparição, Jesus disse: “Olhem, sou Eu... um fantasma não tem carne nem osso”, e mostrou suas chagas e comeu com eles. Assim, naquela manhã, no Lago de Tiberíades, Jesus ressuscitado apareceu uma vez mais e os apóstolos se assustaram, pensando que estavam vendo um fantasma. Como é terrível a fantasia, o não ver a realidade. Porém, João, o amigo predileto de Jesus, interveio prontamente e disse: “É o Senhor”. Pedro, como que despertado da sua letargia, ao ouvir “É o Senhor”, se jogou no mar e, nadando, chegou à margem e abraçou Jesus.
Nestes dias, toquei a beleza destes fatos. Vivi momentos duros, nos quais o medo entrou em mim e, com Paolino, nos demos conta de uma necessidade de correr para São Paulo, para encontrar os amigos Marcos, Cleuza, Julián, para que, como João, nos dissessem: “É o Senhor”. Deixamos a paróquia na noite de Páscoa e, como aqueles dois de Emaús, corremos para São Paulo e vimos o Senhor, de forma que, no dia seguinte, voltamos para casa com o coração cheio de letícia.
Os fatos acontecidos tinham sido muito dolorosos: Milagres, uma de nossas filhas da Casinha de Belém, morrera com apenas um ano de idade e me fora entregue nos braços pelo pessoal do hospital público envolta em trapos; a dor de seus irmãozinhos ao verem-na morta (leiam em Tempi o texto no qual relato estes fatos); a morte de um de meus primeiros colegiais, que, há um tempo, era hóspede da nossa clínica e carregava nas costas uma vida de drogas, álcool e rua; a morte de Maria Vitória, com 22 anos de idade, uma garota tão bonita consumida pelo câncer e que tinha uma filha de dois anos; a chegada na nova casa de acolhida para meninas violentadas e grávidas: primeiro (não digo os nomes verídicos) Maria, uma garotinha de 15 anos de idade, que morava numa favela e que parece ter 12 anos, e teve uma filhinha linda, mesmo que, desde os 9 anos de idade, consuma todo tipo de droga, mesmo que, durante a gravidez, tenha consumido tanto crack - a menina é um milagre do Senhor -; Josefina, de 17 anos, uma vida cheia de violência e que deu à luz uma prematura que acabou de completar um mês de vida; Larissa, 15 anos, uma vida de sofrimentos, está grávida de sete meses; Maria, uma menina de 12 anos, está no oitavo mês. Estes são apenas alguns dos acontecimentos. Agora vocês entendem o motivo da urgência de ver os amigos, ou seja, aqueles que nos indicam com clareza que “É o Senhor”. E é esta certeza, neste mar de dor, que torna cheio de letícia o coração, porque, com amigos assim, não existe momento em que não se possa se alegrar ao ver o Senhor ressuscitado.
A alegria é um lugar, não uma emoção ou um sentimento. A alegria é um lugar onde está presente, evidente, o carisma. Não basta que seja um lugar, mas é necessário que esteja presente o carisma. Por isto, tantas companhias não nos dizem nada, porque não vivem aquela pertença ao carisma, não seguem Carrón, não olham para onde ele olha, não se deixam provocar pela experiência que ele vive, pela liberdade que ele nos testemunha. E estas companhias não somente não nos ajudam como também nos causam apenas danos, como é muito frequentemente documentado, mesmo em quem pretende ajudar uma obra.
Sem esta posição que nos define, seremos tristes, vítimas dos nossos fantasmas que, depois, se tornarão pretensões sobre tudo; verdadeiramente, a letícia é um lugar no qual está presente, vibrante, o carisma. E é, de fato, comovente ver que a companhia de Marcos, Cleuza, Julián de La Morena, Bracco é a vitória de Cristo hoje; de forma que mesmo as obras caminham na gratuidade e nos permitem viver sempre mais com clareza aquilo que deriva dEle. Amigos, somente assim é possível estar diante da morte com o coração cheio de letícia, mesmo quando é um filho seu, como Milagres, que lhe é tirado; somente assim é possível permanecer diante destas meninas mães, fruto da violência, com gratuidade, respeito, discrição, amando-as, porque é possível ver nelas a paixão e a ressurreição de Cristo.
Com afeto,
Padre Aldo

Cartas do P.e Aldo 191

Asunción, 29 de abril de 2011.

Caros amigos,
Sei que muitos de vocês que me escrevem relatando seus sofrimentos e dramas esperam há algum tempo alguma resposta. Peço-lhes um pouco de paciência, porque tenho estado continuamente comprometido com meus filhos que têm necessidade de alguém com quem falar e se sentirem queridos.
Além do mais, a secretária não conhece o italiano e eu não seu usar o computador. De qualquer forma, nos próximos dias terei um pouco mais de tempo e responderei a todos.
Lembro-me de cada um de vocês na oração – que acredito valha mais do que minhas palavras, mesmo que saiam do coração da experiência.
Obrigado.
Com afeto
Padre Aldo