quarta-feira, 20 de julho de 2011

Cartas do P.e Aldo 201

Asunción, 13 de julho de 2011.

Caros amigos,
A desproporção entre o meu nada e o Mistério de que é feito o meu coração aumenta na medida em que vejo a minha impotência diante da minha necessidade e a de tantos que, sofrendo, desamparados, batem à minha porta. Que dor, que grito, dentro de mim, dirigido ao Mistério para que mostre o Seu terno rosto diante de três jovens mães internadas com câncer em estado terminal. Maria tem 29 anos e 5 filhos, Josefina tem 32 anos e 6 filhos, Cíntia tem 42 anos e 3 filhos. Três mulheres solitárias, sem maridos, que as abandonaram sozinhas com os 14 filhos. Enquanto eu celebrava a missa, achava que Josefina estava morrendo. Um câncer no pulmão parecia sufocá-la. Eu via a sua respiração difícil e olhava para a hóstia entre as minhas mãos. Sentia toda a sua dor e pedia a Jesus para olhá-la nos olhos, e pedia para dividir com ela a sua dor. Num certo momento, me aproximei dela e a acariciei e, depois de lhe ter dado a unção dos enfermos, logo depois de comungar, repousou. Quem sou eu, Senhor? Perguntava Santa Catarina. Nada. E quem és Tu? Tudo.
Ver a cada dia quem é o humano é dramático, e no entanto aquele homem que, num certo momento, para de viver é Cristo e, olhando para ele assim, não é possível não se ajoelhar. Porque, se aquilo de mais caro que você tem é Cristo, é verdade que aquele homem é aquilo de mais caro que você tem naquele momento. E ele é aquilo de mais caro que você tem porque ele, como eu, é aquilo de mais caro que existe para Cristo. E eu vi isto pela enésima vez neste sábado à noite, quando uma família, para se desfazer de uma parente idoso, com uma perna cheia de vermes numa grande ferida, passando de uma mentira para outra para nos enganar, conseguiu largar este pobre homem na frente da Clínica. Tinham nos procurado, enganando-nos, com o velhinho na carroceria aberta da camionete, enquanto eles estavam bem protegidos do frio na cabine. O motivo? Fede.
Nós o pegamos e eu vi naquele rosto triste a Presença do Mistério e, sem esperar nenhum médico e muito menos a assistente social (vocês sabem bem como, muito frequentemente, estes profissionais, antes de qualquer coisa, olham para a ficha clínica: se tem um diagnóstico e tudo preenchido corretamente). Jesus, que era um médico, caminhando pelas estradas e encontrando milhares de pacientes, olhava para quê? Para o diagnóstico? Para a ficha clínica? Ou escutava a dor dessas pessoas, olhava para sua fé e as curava imediatamente? Quanto a isto, sou um grosso: mando todos à merda muito facilmente. Eu olhava para ele e pensava: Deus se serviu também do engano dos parentes – que, há um tempo, o haviam abandonado num galinheiro – para mostrar a eles, para me mostrar que Ele não havia se esquecido daquele homem, daquele pobrezinho cuja realeza é objetiva, porque é relação com o Mistério.
Eu o beijei, levei para a Clínica. Os enfermeiros o transformaram. Porém, não havia leito livre e já era noite. Então, o Espírito Santo, sabendo que sou fraco de memória, me lembrou que, na Capela onde o Santíssimo fica exposto, onde já tem um mendigo doente, ainda havia um lugar. Assim, nós o levamos para ali e acho que Jesus gostou disso, porque agora Ele tem dois coroinhas cuidando dEle.
Enquanto isso, os parentes fugiram. Outra vez vi acontecer aquilo que o Salmo de Laudes do sábado diz: “pode uma mãe abandonar o seu filho?”, “Porém, eu não te abandonarei nunca”.
Experimentei isto na segunda-feira, quando uma adolescente que matou o seu companheiro quis renunciar ao seu filho, nascido aos 7 meses e que, agora, tem já 3 meses de vida. Ela vive na nossa casa de acolhida para meninas e adolescentes grávidas. Tive que ir ao juizado de menores com ela e com a advogada. Que dor ouvir a menina dizer ao juiz que me cedia o seu filho para poder voltar para a prisão de menores. Falava com uma frieza terrível e, comovido, eu olhava para o bebê entre os meus braços. O menino era como um lixo, e era maltratado por ela.
Terminada a aventura da adoção, voltamos para casa. Agora, Deus me fez, pela enésima vez, pai deste pequeno. E ela, esta pobre garota, voltará para a prisão para terminar a pena que poderia ter sido descontada aqui, conosco, na companhia do seu filho. Padre Paolino, depois do que aconteceu, me disse, pensando no que perde e ganha: “Nem mesmo a beleza sem Cristo consegue mover o coração de uma pessoa”. Você pode oferecer a ela o lugar mais bonito do mundo, mais limpo, mas sem o encontro com Cristo até mesmo uma campo de concentração é mais atraente.
Finalmente, uma notícia interessante no dia de São Bento: apresentou-se um jovem de 24 anos, rico, deserdado pela família e expulso de casa porque queria se tornar padre. Graduado em filosofia e com outros títulos. Chegou aqui graças ao semanário que publicamos e que ele lê (como é importante ter um espaço nos jornais laicos com um semanário “leigo”, ou seja, católico). Quer ser sacerdote porque está fascinado com a experiência que vibra no jornalzinho que publicamos.
Olhei para ele com muito distanciamento, mesmo porque, nestes anos, muitos chegaram aqui com este desejo, mas depois, diante da minha proposta, não voltaram mais. Eu o escutei e, em seguida, lhe perguntei: “Você gosta das garotas?”. Ele olhou para mim surpreso. E eu lhe disse: “Nesses tempos, esta é uma pergunta importante porque a condição, como dizia Giussani, para ser padre é ser homem”. “Padre, é claro que sim”, ele me respondeu. Bem, então eu lhe propus: “Por três meses... não apenas porque você é formado em filosofia e gosta de estudar e de cantar (ele cantava na ópera de Asunción), falar italiano etc. (um monte de dons que eu nunca tive, já que eu era um burro na escola), mas para que você possa aprender a prestar contas com o ‘morder a pedra’, como dizia o frei a Miguel Mañara. Hoje, você virá conosco – Padre Paolino e eu – à fazenda onde estão os doentes de AIDS, recusados por todos. Por três meses, você vai viver com eles: vai dormir num de seus quartos, numa beliche, comerá com eles, trabalhará a terra e, obviamente, terá o espaço necessário para a oração, a leitura, o silêncio etc. Depois, terminados os três meses, vai ficar com os ‘ex-mendigo’ da casa de São Joaquim e Sant’Anna, para dar banho e limpar estes filhos prediletos de Deus, vivendo com eles. E, então, finalmente, mais alguns meses na Clínica... Amigo, para ser padre, é preciso ter culhões, porque, de outra forma, amanhã, bastará que uma garota olhe para você, para que você desapareça, ou então você acabará vivendo no orgulho, nas lamentações e no burguesismo de tantos padres novos e nem tão novos assim que eu conheço. ‘É preciso sofrer para que a verdade não se cristalize numa doutrina’, dizia Mounier”. Ele olhou para mim e, com um sorriso, me disse: “Padre, obrigado. É isto que eu quero, aceito o desafio”. Subimos no carro, fomos para a fazenda e, desde o dia de São Bento, com o seu “ora et labora”, ele está ali, dando início a uma aventura que, se Deus quiser – quem sabe – será aquele que me substituirá, porque a vida passa e eu sempre pedi ao Senhor um substituto, mas que fosse alguém com culhões e que ame Cristo e os pobres muito mais do que um apaixonado ama a mulher com quem se casou, muito mais do que um apaixonado ama a sua namorada. 
Rezem, portanto, amigos, para que, se Jesus quiser, seja, para esse rapaz, de verdade, a possibilidade de viver a graça que me foi dada para viver. A regra é sempre a mesma: “calos nos joelhos, calos nas mãos, calos na mente”. Padres, ou seja, homens viris!
Ciao,
Padre Aldo

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