Dia desses, o Francisco apareceu
com um machucadinho minúsculo – um cortezinho – perto da base da unha do dedo
anelar da mão direita. Fez disso – como é seu costume – um drama que, a nossos
olhos, pareceu exagerado demais. Enfrentamos – como é nosso costume – “desdramatizando”
a coisa e dizendo que não era nada, que ele estava exagerando, que não estava
doendo assim... e fazendo e dizendo tudo aquilo que, frequentemente, aprendemos
que se deve dizer e fazer em situações assim, porque, inclusive, fora assim e
só assim que conseguíramos crescer; certos de que, desta forma, o estávamos
ajudando a crescer também.
Já não é de hoje que, no instante
seguinte a eventos assim – ai, a hora de cortar unhas nos domingos!!! –, sinto
um peso indefinido e indefinível. Mas, veja como a vida é interessante: hoje,
enquanto dava aula para meus alunos, li de novo algo que já havia lido não
poucas vezes nos últimos anos. Li “de novo”... “de novo” quer dizer – puxa,
nunca tinha me dado conta disso! – como se fosse novo. Pois bem, li como se
fosse novo um trechinho de um texto do Gustavo Corção que costumo usar com meus
alunos. Diz assim: “Depois da primeira
queda na adolescência a vida continua aos saltos, em oscilações: ora erguida,
ora sucumbida no fundo dos abismos, ora cheia de eternidade, ora envenenada de
morte. [...] E as lágrimas que cada um chora, na solidão de sua queda, são lágrimas
de criança, porque é sempre como criança que nós choramos” (CORÇÃO, 1961,
p. 124). Sim, é verdade: é sempre como criança que choramos; como crianças,
esperamos aquela acolhida que toma tudo que somos nos braços; como crianças, choramos
a dor de dramas cujas feridas cortam fundo nas nossas vidas; como crianças, esperamos
os olhos compreensíveis, que tudo abraçam, da nossa mãe; como crianças,
esperamos aquela mão que nos guia e acompanha pelas sendas espinhosas das
nossas dores; como crianças, não queremos chorar sozinhos – mas, ai, como
aprendemos que a melhor forma de chorar é abafado no travesseiro, debaixo do
chuveiro, trancado no quarto...
Mas, sim, quando choramos é
aquela criança soterrada pelo entulho das sucessivas “desdramatizações” das
nossas feridas quem chora... E parece ser preciso que as feridas se reabram –
quantas vezes!? – para que nos demos conta de que a solidão que nos foi
impingida, obrigando-nos ao mutismo, ao “engula-esse-choro”, à incomunicabilidade,
à incapacidade de dizer, publicitar a própria consciência, é algo que não pode
ser a palavra final.
Pois bem, outro desses dias, o
Francisco chega da escola com uma band-aid
no dedo anelar da mão direita. A história: brincando na sala – de corre-cotia –,
acabou sendo alvo involuntário da pisada da Sofia; a ferida, o drama se
reabriu, a ponto de ser necessário tirá-lo de sala e acompanhá-lo até a
coordenação que, com uma capacidade de acolhida descomunal, aplicou o band-aid e abraçou toda a sua dor. Já em
casa, o dodói foi o assunto. Eu – como de hábito –, disposto a simplesmente
fingir compaixão no primeiro instante para, em seguida, mudar o foco logo e
virar essa página, me vi obrigado a não fechar os olhos para o drama do
Francisco. “A Sofia pisou no meu dodói”, ele repetia. Dormi com essa: a
sabedoria reabrira a ferida... a minha.
Um comentário:
Estimado Professor Paulo.
Por gentileza, me envie um email.
Grato:
thiago@pradella.adv.br
Grande abraço
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