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segunda-feira, 5 de março de 2012

Somente o divino pode salvar todos os fatores do homem



"Devolver às pessoas aquilo que elas são verdadeiramente é o primeiro passo para o desenvolvimento, porque o eu é descoberto em um encontro. Por isso, o Senhor faz com que nos apaixonemos: porque é a modalidade mais simples para que todos os fatores constitutivos do eu venham à tona. E a paixão é um pequeno reflexo do grande encontro, que é o encontro com Cristo, porque ninguém como Ele é capaz de fazer emergir todos os fatores constitutivos do eu: somente o divino pode salvar o humano, todos os fatores do homem." (Julián Carrón)

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Cartas do P.e Aldo 208


Asunción, 22 de outubro de 2011.

Caríssimos amigos,
A educação nunca é um “andar para trás”, eu dizia, dia desses, à nossa advogada quando, pela enésima vez, movido por um instante de desconfiança quanto a Gabriel, eu lhe disse para rasgar a carta que eu havia preparado para enviar ao juiz que me havia dado a sua guarda, solicitando que fosse entregue a uma instituição do Estado. Gabriel, quando chegou, expulso de uma instituição estatal quando tinha 8 anos, era definido como um “menino problema”. Ele mesmo, quando ousavam perguntar-lhe, quando estava bem, quem era, respondia assim: “sou um menino problema”. Abandonado quando era pequeno, cresceu sem nenhum afeto, sempre encerrado nessas instituições do Estado onde se vigiam garotos e crianças, mas não se os ama, havia se tornado violento e selvagem. Não sabia o que queria dizer ser amado e, portanto, não sabia o que é amar. O seu dia transcorria sempre do mesmo jeito: divertia-se provocando. Era até mesmo difícil conseguir fazê-lo parar um pouco para conversar com ele, porque ou fugia para o mato ou pulava no telhado de alguma casa.
Muitas vezes perdi a paciência com ele e quando – poucas vezes – conseguia pegá-lo, não lhe poupava algumas palmadas no bumbum. E ele ficava ainda mais furioso e me desafiava com os punhos cerrados, rangendo os dentes. Porém, sempre lhe quis muito bem, olhando nele a presença terna, mesmo na sua raiva, do Mistério. E ele percebia isso, até ao ponto de que, um dia, começou a dizer que se chamava Gabriel Trento. Assim, ele que não tinha identidade, reconheceu, no relacionamento comigo, a figura do pai. Foi o início de um caminho como aquele no qual Giussani me abraçou e comecei a caminhar, porque me senti filho. Assim, com Gabriel, nasceu um relacionamento novo. Mas, não no sentido de que não tenha mais me feito sair do eixo, tornando-se um cordeirinho, mas porque começou a germinar nele algo como uma pequena semente da certeza de ser querido por um Outro. Começou também a participar da missa como coroinha. E isto com as mesmas expressões de violência impressionantes, que me obrigavam, por atenção aos outros sete garotos menores que ele e que ele dominava até mesmo com o olhar, a dizer muitas vezes à advogada do meu desejo de renunciar à adoção. E foi o que aconteceu há alguns dias atrás, quando, levantando-se pela manhã, não só decidiu não ir à escola, como também passar o dia inteiro na frente da televisão, tomando posse do controle remoto. Chamaram-me para tentar convencê-lo. Nada deu certo, ainda que eu não tenha lhe poupado também algumas palmadas. Ficou, então, furioso e me enfrentou com os punhos fechados, rangendo os dentes e com os olhos vermelhos de raiva. Eu olhava para ele com dor e cheio de impotência. Foi a enésima solicitação à advogada.
Mas, dentro de mim, uma dor grande, uma batalha. Como nunca, naquele momento, me vinham à mente as palavras de Giussani e que Carrón tem recordado ultimamente: “eu sou Tu que me fazes”. Eu, mas também ele, ele que existe, ele que é. Gabriel é! e não apenas é, mas, neste momento, é feito como eu sou feito. Assim, o meu saco cheio deu lugar ao maravilhamento pelo ser, pelo seu ser. “Amei-te de amor eterno, e tive piedade do teu nada”, do meu nada e do nada de Gabriel. E ainda: “antes de te formares no ventre de tua mãe, Eu pronunciei o teu nome”, o meu nome e o de Gabriel. A minha identidade, assim como a de Gabriel, é anterior à modalidade bonita com a qual eu fui concebido pela minha mãe, e violenta com a qual Gabriel foi concebido. Esta certeza mudou a minha vida e também em Gabriel existe esta pequena semente. 
Assim, pela enésima vez, me vi dizendo à advogada: “Sara, rasgue a carta para o juiz”. “Não é um andar para trás, é a consciência cada vez mais clara em mim do ser que vibra em Gabriel e de que o seu ser, assim como o meu, é feito neste momento por um Outro”.
No dia seguinte, Gabriel me procurou, me abraçou e pediu, uma vez mais, como um cordeirinho, o meu perdão. Fico comovido porque aquela certeza que nos define, não importa qual seja a consciência que Gabriel certamente não tenha daquilo que nos une – o fato de ser e de ser querido agora –, venceu uma vez mais. É isso: educar é apenas isto. Se não fosse assim, imaginem o que seria viver 24h por dia com crianças como estas que, na mais tenra infância, conheceram apenas a violência! Seria impossível e jogaríamos a toalha. E que bonito foi quando ele, depois do seu abraço, me pediu: “posso brincar, agora, com os patins?”. Sorrindo, lhe disse que sim. No fundo, educar é experimentar na própria carne o modo com o qual Deus nos trata. Por isto, viver com estas crianças é, para mim, uma graça grande, porque elas nunca me permitem dar por óbvio o estar diante do ser e, portanto, diante do Mistério.
Padre Aldo.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Cartas do P.e Aldo 203


Asunción, 6 de agosto de 2011.

Caros amigos,
Que graça e a Escola de Comunidade, para nós e para o mundo!
Nestas semanas pude experimentar na carne como o mundo precisa encontrar o Movimento, ou seja, a Escola de Comunidade. Carrón chama a nossa atenção justamente para a urgência de um trabalho pessoal que veja na Escola de Comunidade o centro deste trabalho. Pessoalmente, sou uma testemunha disto tanto no meu caminho de todo dia, quanto naquilo que acontece ao meu redor. A beleza desta obra que sempre mais suscita em quem a vive, em quem nela trabalha, mas também em quem a visita, faz nascer a pergunta: como é possível tudo isto? E quando respondo “é graças à catequese, ou à Escola de Comunidade que vivemos semanalmente com todas as 200 pessoas que trabalham aqui nos mais diversos âmbitos”, os que me escutam ficam cheios de curiosidade e de interesse. Assim, já há um tempo um grupo de diretores e de operários de uma multinacional, toda quarta-feira, das 8h às 9h da manhã, pontualmente, vêm até aqui para a Escola de Comunidade. Além do mais, aconteceu algo muito significativo no maior centro médico de reabilitação privado do país. O chefe deste centro assinou um contrato conosco para assistir gratuitamente os nossos pacientes e, em troca, pediu para irmos, pelo menos a cada quinze dias, fazer a Escola de Comunidade com seus dependentes e pacientes. O mundo também percebe que a Escola de Comunidade cria uma diferença no modo de viver e trabalhar.
Vale lembrar que aqui, este precioso instrumento que Giussani nos deixou deu origem a um periódico semanal que é publicado junto com o segundo jornal leigo mais vendido no Paraguai, toda quinta-feira. O bem que esse jornalzinho faz é impressionante. Por exemplo, hoje, duas jovens mães, depois de terem feito 40 km de viagem, vieram nos agradecer por aquilo que escrevemos! “Padre, estamos aqui há duas horas esperando pelo senhor para lhe agradecer e para abraçá-lo por causa daquilo que o senhor escreve nos editoriais, como por exemplo aquilo que escreveu sobre a Confissão”. E me trouxeram também um presente. Outro jovem, disse: “Padre, lendo o jornalzinho senti o desejo de ser padre, de verificar a minha vocação”.
A Escola de Comunidade nos ajuda a verificar a razoabilidade da fé no meio das vísceras do mundo, testemunhando assim que o cristianismo é o acontecer do humano. Claro que existem, toda semana, motivos para polêmica e, nesses momentos, me lembro de Giussani que dizia que Cristo polemizou com o mundo inteiro, o mesmo que Carrón continuamente nos lembra quando fala que a cultura dominante anestesia o eu.
Em suma, quero que a Escola de Comunidade não seja uma leitura espiritual ou apenas uma deixa para as nossas reflexões, mas que seja o trabalho que nos permita descobrir a razoabilidade da nossa fé vivida no impacto com o cotidiano, com o mundo.
Boas férias, na privilegiada companhia da Escola de Comunidade.
Padre Aldo

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Cartas do P.e Aldo 202

Asunción, 26 de julho de 2011.

Caros amigos,
Tão logo terminaram os encontros com milhares de jovens, Marcos e Cleuza pegaram o avião, à meia-noite do domingo passado, e chegaram a Asunción. Dois dias passados juntos para poder dizer outra vez o nosso “sim” a Cristo. Encontramo-nos apenas para que reconfirmemos este sim. De outra forma, que sentido teria qualquer relação, ou tanta dificuldade num mundo que, para a grande maioria, as relações vividas são virtuais ou formais?
O nosso sim a Cristo não pode passar através do “mundo virtual”, porque Deus se fez companhia para o homem, fez-se carne. E sem a carne não existe nem Cristo nem o homem.
No dia seguinte, nos encontramos na nossa fazenda – toda a nossa Fraternidade. Depois de retomar o que havíamos dito um mês atrás e que Cleuza havia resumido com uma expressão belíssima em forma de pergunta: “somos cristãos ‘coca-cola’ ou homens apaixonados por Cristo?”. O Movimento, para nós, é uma coca-cola ou um dinamismo no qual a razão e o sentimento caminham juntos? Por que esta imagem da coca-cola? Porque quando tiramos a tampinha, faz pssssss e, em seguida, tudo acaba. Podemos usar também a imagem dos fogos de artifício.
Logo depois, começaram as intervenções. Uma pessoa em particular sublinhava seu drama pessoal, um drama que havia levado a sua pessoa à exaustão. “Tudo funcionava bem na minha vida, vivia a minha responsabilidade, jogando-me inteira até ao ponto de ser definida pelo meu trabalho. E fazendo assim eu pensava estar servindo bem a Deus. Mas, com o tempo, cedi... porque essa maneira de trabalhar para Deus me colocou em nocaute”.
Cleuza aproveita a deixa e, depois de ter descrito como também ela, antes de encontrar Carrón e o Movimento, passou anos determinada pela depressão, fruto de seu constante empenho em favor de Deus e dos pobres, disse: “Olha só, eu também vivi uma vida cheia de tormento e de amargura, convencida de estar servindo a Cristo. Tomei antidepressivos por anos, até ao dia em que encontrei o Movimento. Encontrando o Movimento, encontrei o valor da minha vida. Valor que percebi claramente no fato de que Deus não me criou para ser empregada doméstica, Sua empregada, mas por um ato de amor, me fez para Ele. Dentro do Movimento, entendi que eu não sou a serva de Deus, mas o objeto do Seu amor e, nesta perspectiva, os outros se tornam a minha alegria. Porque apenas se eu vibrar do amor de Cristo poderia ajudar os outros. Assim, os outros se tornam um presente para mim. Muitos me perguntam ‘por que vocês ainda vão ao Paraguai?’. Porque preciso escrever o meu sim a Cristo com vocês e vocês me foram dados. As coisas são guiadas por Ele e Ele conhece o número dos meus cabelos. (...) É preciso que tiremos nossas máscaras [e aqui ela conta a história de uma mulher humanamente destruída que ela havia tirado da rua e levado para sua casa, e do longo diálogo que teve com ela], para que Cristo se revele para nossa humanidade do jeito como Ele é. E é isto o que acontece na clínica para os doentes, que despojados de tudo pela doença pedem com urgência o próprio Cristo. Somente se arrancarmos as máscaras é que Cristo se revelará a cada um”.
O diálogo continuou por dois dias, compartilhando tudo. Mas, acredito que só isto já seja suficiente por agora, caros amigos. Seja como for, ou uma amizade tem este horizonte ali onde estamos, ou é uma cumplicidade mesmo se usarmos continuamente a palavra “Cristo”.
“Encontramo-nos para escrever o nosso sim a Cristo”. Que bonito!
Boas férias
Padre Aldo

domingo, 12 de junho de 2011

Cartas do P.e Aldo 196

Asunción, 10 de junho de 2011.

Caríssimos,
Levando a sério aquilo que Carrón nos diz, fazendo um trabalho permanente, verificando em cada momento a razoabilidade da fé, a dúvida desaparece, deixando lugar para uma certeza de ferro que nem mesmo a pior condição na qual uma pessoa possa se encontrar a fará tremer. Isto não significa – e eu experimento isto todos os dias, há mais de 20 anos – que me seja poupada a experiência da solidão, da dor que Jesus mesmo viveu no Getsêmani ou na cruz.
Quantas vezes eu gritei e grito: “Pai, se é possível, afasta de mim este cálice”. Ou quantas vezes busquei inutilmente uma companhia que “vigiasse” comigo! Porém, dentro deste deserto, desta batalha, a luz da fé sempre venceu e mesmo que em certo momentos o grito de Jesus se tenha feito vivo – “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” –, é como se imediatamente a posição da fé vencesse sempre: “Não a minha, mas a tua vontade seja feita” ou “nas tuas mãos eu me confio”.
Ver todos os dias pessoas morrendo ou tanta dor inocente me permite viver continuamente esta experiência. Digo experiência porque fica sempre mais claro que Deus é tudo, que Deus se ocupa de mim e de cada um de nós com uma ternura infinita.
Ontem, morreu Domenica, uma garota lindíssima doente de AIDS. A sua jovem vida tinha sido destruída pela prostituição a que tinha sido obrigada por seu companheiro, um alemão, que desapareceu depois que ela ficou doente. Ler o seu prontuário médico é assustador, quando se vê aonde pode chegar uma pessoa quando em seu coração não há Deus. Nestes últimos meses, vivia numa casa cujas paredes eram de papelão. Nós a encontramos abandonada no chão de terra, sozinha. Vivia com um homem, na miséria absoluta. Nós a trouxemos para a clínica, mas ela já havia decidido morrer. Não queria mais saber de nada: nem comer, nem tomar remédios. Num momento de crise, teve uma reação muito feia com uma enfermeira que acabou machucando o dedo com uma seringa com a qual lhe havia aplicada uma injeção. Um drama no drama.
A enfermeira, uma bela garota, mãe de quatro filhos, dos quais três são gêmeos, depois de um primeiro momento de medo, colocou-se em contato com o médico responsável pela clínica na qual, um tempo antes, havia acontecido a mesma coisa, e escreveu estas palavras: “tão logo me dei conta do que havia acontecido, tirei minhas luvas, lavei minhas mãos, chamei o médico para ver o que podia ser feito e experimentei uma grande angústia. Mas, imediatamente, entreguei tudo a Deus e me lembrei daquilo que me havia sido dito num encontro de catequese: ‘O demônio favorece estas coisas para que nasça em nós a dúvida: por que Deus permite estas coisas’. Mas, eu tenho a certeza de que mesmo esta provação é uma Graça de Deus que me ama, de forma que deixo tudo em Suas mãos, para que se faça a Sua vontade, e isto me dá tanta paz”.
Domenica, olhando-a com amor, começou a se acalmar, tomou o remédio e quando lhe perguntava se queria um sorvete, ela me respondia: “Sim, padre, quero de baunilha”.
A depressão pareceu se acalmar um pouco e foi bonito quando pediu o Batismo e a Primeira Comunhão. Foi um momento que significou mesmo uma melhora do seu estado de saúde. Recebeu a Eucaristia até a manhã do dia em que morreu. Eu a olhei e ainda era bela. O seu corpo nunca amado e sempre usado tinha reencontrado uma harmonia suprimida por anos de prostituição. Uma vez mais Deus venceu, uma vez mais a evidência de que Deus não abandona os seus filhos, por mais desesperados que sejam, se impõe aos olhos de todos.
Era o reacontecer do fato da adúltera, da Samaritana. Então, como não se render à evidência, à razoabilidade da fé?
E todos os dias é assim, amigos. De fato, somos os vivos, de fatos Cristo já venceu tudo. Amigos, vejo como Deus é atento a quem não tem nada, vejo como Deus ama e recolhe aqueles que o mundo chama de lixo humano. De fato, para Deus, não existe o filho bom ou o mal, existe apenas o filho.
Padre Aldo

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Cartas do P.e Aldo 194

Asunción, 27 de maio de 2011.

Caros amigos,
De volta da Itália, agradeço de coração a todas as pessoas que encontrei e, particularmente, os tantos, tantíssimos testemunhos da Ressurreição de Cristo, tanto de doentes como de pessoas em outras condições difíceis. De fato, como nos lembrava Carrón, citando São Paulo, “nenhum dom de Graça nos falta mais”.
A alegria de ver pessoas mudadas, seguindo Carrón, me enche o coração de esperança e de energia. Uma vez mais se confirmou que o problema não é ir para o Paraguai, para o Brasil ou para a África, mas seguir aquela companhia na qual Deus o colocou e na qual é evidente a experiência do carisma, com o mundo do coração.
Não há condição privilegiada, é a realidade nas circunstâncias na qual Deus nos colocou e nos coloca. Eu vim para o Paraguai porque Giussani me mandou, mas não para o mal do Paraguai ou da América Latina como tantos têm.
Uma pessoa que viva aí o carisma, seguindo Carrón, não sente saudade do Paraguai. Vi coisas do outro mundo e frequentemente me perguntei: mas, quantos veem isso? Vi os sinais da vitória de Cristo em todos os lugares por onde passei e uma pessoa estaria ali sempre, olhando para esses sinais, desejando pertencer àqueles lugares. De verdade, me senti em casa, porque se a pessoa olha para onde Carrón olha, identificando-se com a sua experiência, a vida floresce, as obras se tornam a presença dos “vivos” num mundo de mortos.
Obrigado de coração, porque vi um movimento de pessoas vivas que me marcaram. E quem vive assim aí na Itália, vive aqui comigo mesmo se nunca vier me ver. E vice-versa: ninguém escapa daquilo que não existe. Agradeço também àqueles que, com seu sacrifício, continuam ajudando a Providência, para poder terminar o hospital e a escola, particularmente às crianças das escolas que visitei.
Em nome dos meus doentes e de todos, agradeço a vocês de coração. Para mim, mendigar é mendigar Cristo, mendigar o Seu amor, porque o objetivo da vida é ser dada.
Rezamos por todos vocês, caros amigos e benfeitores que nos ajudam. Obrigado.
Padre Aldo

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Cartas do P.e Aldo 192

Asunción, 1 de maio de 2011.

Caros amigos,
Os apóstolos encheram-se de alegria ao verem Jesus. A alegria, a letícia cristã, portanto, consiste tão somente em ver, em tocar Jesus. Por isso, a nossa falta de alegria nunca se deve à dor, qualquer que seja essa dor, ou às circunstâncias adversas. Também os Evangelhos destes dias nos falaram da falta de letícia dos Apóstolos, uma falta que se devia ao fato de que eles O tinham confundido com um fantasma, com uma imaginação; e o fantasma, a imaginação – que é a negação da realidade – gera apenas medo, angústia, depressão. No fundo, a depressão é a vida sem a realidade e determinada pelos fantasmas, pelas fantasias. Por isto, numa aparição, Jesus disse: “Olhem, sou Eu... um fantasma não tem carne nem osso”, e mostrou suas chagas e comeu com eles. Assim, naquela manhã, no Lago de Tiberíades, Jesus ressuscitado apareceu uma vez mais e os apóstolos se assustaram, pensando que estavam vendo um fantasma. Como é terrível a fantasia, o não ver a realidade. Porém, João, o amigo predileto de Jesus, interveio prontamente e disse: “É o Senhor”. Pedro, como que despertado da sua letargia, ao ouvir “É o Senhor”, se jogou no mar e, nadando, chegou à margem e abraçou Jesus.
Nestes dias, toquei a beleza destes fatos. Vivi momentos duros, nos quais o medo entrou em mim e, com Paolino, nos demos conta de uma necessidade de correr para São Paulo, para encontrar os amigos Marcos, Cleuza, Julián, para que, como João, nos dissessem: “É o Senhor”. Deixamos a paróquia na noite de Páscoa e, como aqueles dois de Emaús, corremos para São Paulo e vimos o Senhor, de forma que, no dia seguinte, voltamos para casa com o coração cheio de letícia.
Os fatos acontecidos tinham sido muito dolorosos: Milagres, uma de nossas filhas da Casinha de Belém, morrera com apenas um ano de idade e me fora entregue nos braços pelo pessoal do hospital público envolta em trapos; a dor de seus irmãozinhos ao verem-na morta (leiam em Tempi o texto no qual relato estes fatos); a morte de um de meus primeiros colegiais, que, há um tempo, era hóspede da nossa clínica e carregava nas costas uma vida de drogas, álcool e rua; a morte de Maria Vitória, com 22 anos de idade, uma garota tão bonita consumida pelo câncer e que tinha uma filha de dois anos; a chegada na nova casa de acolhida para meninas violentadas e grávidas: primeiro (não digo os nomes verídicos) Maria, uma garotinha de 15 anos de idade, que morava numa favela e que parece ter 12 anos, e teve uma filhinha linda, mesmo que, desde os 9 anos de idade, consuma todo tipo de droga, mesmo que, durante a gravidez, tenha consumido tanto crack - a menina é um milagre do Senhor -; Josefina, de 17 anos, uma vida cheia de violência e que deu à luz uma prematura que acabou de completar um mês de vida; Larissa, 15 anos, uma vida de sofrimentos, está grávida de sete meses; Maria, uma menina de 12 anos, está no oitavo mês. Estes são apenas alguns dos acontecimentos. Agora vocês entendem o motivo da urgência de ver os amigos, ou seja, aqueles que nos indicam com clareza que “É o Senhor”. E é esta certeza, neste mar de dor, que torna cheio de letícia o coração, porque, com amigos assim, não existe momento em que não se possa se alegrar ao ver o Senhor ressuscitado.
A alegria é um lugar, não uma emoção ou um sentimento. A alegria é um lugar onde está presente, evidente, o carisma. Não basta que seja um lugar, mas é necessário que esteja presente o carisma. Por isto, tantas companhias não nos dizem nada, porque não vivem aquela pertença ao carisma, não seguem Carrón, não olham para onde ele olha, não se deixam provocar pela experiência que ele vive, pela liberdade que ele nos testemunha. E estas companhias não somente não nos ajudam como também nos causam apenas danos, como é muito frequentemente documentado, mesmo em quem pretende ajudar uma obra.
Sem esta posição que nos define, seremos tristes, vítimas dos nossos fantasmas que, depois, se tornarão pretensões sobre tudo; verdadeiramente, a letícia é um lugar no qual está presente, vibrante, o carisma. E é, de fato, comovente ver que a companhia de Marcos, Cleuza, Julián de La Morena, Bracco é a vitória de Cristo hoje; de forma que mesmo as obras caminham na gratuidade e nos permitem viver sempre mais com clareza aquilo que deriva dEle. Amigos, somente assim é possível estar diante da morte com o coração cheio de letícia, mesmo quando é um filho seu, como Milagres, que lhe é tirado; somente assim é possível permanecer diante destas meninas mães, fruto da violência, com gratuidade, respeito, discrição, amando-as, porque é possível ver nelas a paixão e a ressurreição de Cristo.
Com afeto,
Padre Aldo

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Cartas do P.e Aldo 185



Asunción, 31 de março de 2011.

Caros amigos,
O caminho para a santidade é a letícia. Aquela Letícia que convive mesmo com um câncer, com uma doença terminal e que tem a sua única origem em “Tu, meu Cristo”.
Olhem a beleza de Alma e de Carol, duas garotas de 17 anos internadas na nossa clínica. Doentes de câncer, encontraram Jesus. Deste Encontro a alegria de viver que se torna trabalho.
Amigos, não é possível duvidar da vitória de Cristo quando olhamos para estes rostos, conscientes do câncer que têm. Meu Deus, como é verdade aquilo que Carrón nos diz quando fala da contemporaneidade de Cristo!
Padre Aldo

quinta-feira, 24 de março de 2011

Cartas do P.e Aldo 182





Asunción, 21 de março de 2011.

Caríssimos amigos,
ei-la, olhem para ela, é Mariana, nascida no dia 15 de março daquela minha filha, que ainda é uma criança de 15 anos. Um mês se passou desde que a Providência abriu e inaugurou aquela nova obra de misericórdia, para acolher as meninas, as adolescentes violentadas e grávidas. Mariana é o primeiro fruto desta misericórdia que atua continuamente. Ela, como eu, não é o fruto dos seus antecedentes, mas daquele “Tu que me fazes”. Estou, estamos comovidos por ver como Deus tem piedade da órfã, da viúva, do estrangeiro, como diz a Sagrada Escritura. Olhando para elas, não posso não ficar comovido por ver como tantas mães tão jovens foram salvas pela ternura de Deus que venceu a brutalidade, o cinismo de quem queria que elas abortassem.
Cristo vence sempre e, por isto, vence a vida. O primeiro problema não é a batalha pela vida, mas o anúncio de Cristo, para que você se apaixone por Cristo. Mesmo para vocês, que estavam preocupados justamente com a lei que se discute no parlamento, obedientes às indicações dos bispos, é assim: nunca se esqueçam de que o verdadeiro problema está apenas na nossa paixão por Cristo. Somos chamados, como São Paulo, a anunciar “apertis verbis” Cristo, porque o mundo tem necessidade apenas disso. Eu experimentei isso falando, em Bolonha, para a Confindustria. Também eles voltaram para casa tocados por terem escutado um asno que conhece tão pouco de teologia, mas que foi tomado por Cristo.
Mariana nasceu porque sua mãe encontrou alguém que a olha como Jesus olhou para Zaqueu e para a mulher adúltera ou para a samaritana.
Ver a alegria de Padre Paolino porque Mariana nasceu, quando eu estava na Itália, é mesmo comovente, porque vejo que tenho um amigo capaz de amor, capaz de olhar como Giussani me olhou, como Carrón nos olha, como Marcos, Cleuza e tantos outros nos olham.
Rezem para que Mariana seja feliz.
Com afeto,
Padre Aldo

terça-feira, 22 de março de 2011

Cartas do P.e Aldo 181

Asunción, 19 de março de 2011.

Caros amigos,
estes dias têm sido, para mim, uma graça particular. Estive na Itália para encontrar os amigos que estão ajudando a Providência Divina a concluir os trabalhos da nova clínica para que, no dia 25 de março, possamos celebrar, com uma Santa Missa, o fim dos trabalhos de construção. Gostaria de ter me encontrado com alguns de vocês que nos acompanham, mas a impossibilidade se fez oração em Fátima, aonde tive a alegria e a graça de ir. Nunca havia estado ali e, finalmente, Nossa Senhora me quis consigo.
Foi bonito ver como, também na Itália, está acontecendo aquilo que estamos vivendo na América Latina, entre aqueles que seguem e olham concretamente para a experiência de fé que Julián Carrón vive. Foi como me encontrar com Giussani vivo, vibrante, apaixonado pelo homem, exatamente como, no dia 25 de março de 1989, ele me abraçou assim como eu estava reduzido. Verdadeiramente, olhar para onde Carrón olha é poder dizer em cada instante: “Tu, meu Cristo”.
Tive a graça de participar fisicamente da Escola de Comunidade no dia 9 de março, no Sacro Cuore. Foi uma experiência inesquecível ver como ele nos faz trabalhar, escutar aqueles testemunhos, naquela noite, frutos verdadeiros de uma experiência, daquele trabalho que ele nos provoca a fazer. Tivemos uma graça única, que não apenas elimina toda distância entre nós, seja física ou geográfica, mas nos enche de letícia, aquela letícia que transpiram dos meus doentes terminais antes de morrerem ou dos meus filhinhos. Sim, porque também eles dependem de como eu sigo Carrón, de como eu vivo o carisma, de como Cristo é contemporâneo.
Vi, na Itália, um monte de pessoas se encontrando, estando juntas não mais definidas pelo perímetro geográfico, mas por pessoas e lugares nos quais Cristo é claramente visível, nos quais o coração encontra aquela objetiva correspondência de que tem necessidade. Experimentei na carne o que significa que os jovens ainda têm aquele coração que tinham quanto parti, há 22 anos. Experimentei na carne que mais do que de emergência educativa, temos que falar de emergência educadores, ou seja, de homens adultos em cujos rostos brilhe a luminosidade do destino. Encontrei-me com crianças, adolescentes, jovens e me senti submerso por perguntas, as mesmas de 22 anos atrás, de 38 anos atrás. Encontrei operários, jovens empresários e os empresários da Confindustria de Bolonha. A maioria não apenas não era de CL, como também freqüentemente nem mesmo era católica, como é o caso de Gabrielle Nissin, o amigo judeu que escreveu o livro La bontà insensata (A bondade insensata; ndt), e em todos eu encontrei uma fome e uma sede de Cristo expressas de formas muito diferentes umas das outras. No encontro com os jovens empresários da Confindustria de Bolonha e no jornalista da RAI3 que fazia as perguntas, o preconceito do início se tornou, no fim, surpresa, alegria, amizade. Dei-me conta de que somente se estamos apaixonados por Cristo, somente se seguimos Carrón com inteligência e afeto, fazendo experiência de Cristo, nos tornamos fascinantes e interessantes para todos. Encontrei homens cansados das mediações, reativos aos discursos, ou pessoas que tinham medo de dizer Cristo, de mostrar que pertencem e desejosos de ver, de encontrar homens que, com a vida e com as palavras, falam daquilo que vivem, ou seja, homens com a certeza da fé, com o olhar fixo sobre aquele “Tu” que domina tudo.
Até mesmo os especialistas das mentes humanas que encontrei se rendem diante desta evidência, reconhecendo que a psicologia não é capaz de responder ao coração do eu, mas apenas aquele “Tu que me fazes”. 
Obrigado, e que a Quaresma seja, de verdade, um tempo de descoberta de que a misericórdia é o amor na sua origem.
Padre Aldo

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Carta do P.e Carrón

Milão, 31 de janeiro de 2011.

Queridos amigos,
imagino a comoção e o entusiasmo com que cada um de vocês – como sucedeu comigo – acolheu o anúncio da Beatificação de João Paulo II, fixada por Bento XVI para o próximo dia 1° de maio, festa da Divina Misericórdia. E também nós, com o Papa, exclamámos: "Estamos felizes!" (Angelus de 16 de janeiro de 2011).
Unimo-nos à alegria de toda a Igreja no agradecimento a Deus pelo bem que foi a sua pessoa, com o seu testemunho e a sua paixão missionária. Qual de nós não recebeu tanto da sua vida? Quantos reencontraram a alegria de ser cristãos, vendo a sua paixão por Cristo, o tipo de humanidade que nascia da sua fé, o seu entusiasmo contagiante! Nele reconhecemos imediatamente um homem – com um temperamento e um modo investidos pela fé – em cujos discursos e gestos se evidenciava o método escolhido por Deus para Se comunicar: um encontro humano que torna a fé fascinante e persuasiva.
Todos nós estamos bem cientes da importância do seu pontificado para a vida da Igreja e da humanidade. Num momento particularmente difícil de novo propôs diante de todos, com uma audácia que só pode ter Deus como origem, o que significa ser cristão hoje, oferecendo a todos as razões da fé e promovendo incansavelmente as sementes de renovação do corpo eclesial postas em prática pelo Concílio Vaticano II, sem ceder a nenhuma das interpretações parciais que pretendiam reduzir o seu alcance num sentido ou  em outro. O seu contributo para a paz no mundo e para a convivência entre os homens mostra a que ponto é decisiva para o bem comum uma fé integralmente vivida em todas as suas dimensões.
Sabemos como, desde o início do pontificado, eram estreitos os laços de João Paulo II, Padre Giussani e CL, fundados numa consonância do olhar de fé a toda a realidade, na paixão por Cristo “centro do cosmos e da história” (Redemptor hominis). Ele nos ofereceu um ensinamento precioso para compreender e aprofundar o nosso carisma nas diversas e múltiplas ocasiões em que falou a todos os movimentos, por ele designados como “primavera do Espírito”, na medida em que na Igreja a dimensão carismática é “coessencial” à institucional. Dirigiu-se também diretamente a nós várias vezes, até às comovedoras cartas endereçadas a Padre Giussani nos últimos anos de suas vidas, unidas também pela provação da doença.
No discurso pelo trigésimo aniversário do movimento, em 1984, disse-nos: “Jesus, o Cristo, Aquele no qual tudo é feito e consiste, é, pois, o princípio interpretativo do homem e da sua história. Afirmar humildemente, mas também com tenacidade, Cristo princípio e motivo inspirador do viver e do agir, da consciência e da ação, significa aderir a Ele, para tornar adequadamente presente a Sua vitória no mundo. Agir para que o conteúdo da fé se torne inteligência e pedagogia da vida é tarefa cotidiana do crente, que deve ser realizada em todas as situações e ambientes nos quais somos chamados a viver. Está nisto a riqueza da vossa participação na vida eclesial: um método de educação à fé, a fim de que incida na vida do homem e da história. [...] A experiência cristã compreendida e vivida desse modo gera uma presença que põe em todas as circunstâncias humanas a Igreja como lugar onde o acontecimento de Cristo [...] vive como horizonte pleno de verdade para o homem. Nós cremos em Cristo, morto e ressuscitado, em Cristo presente aqui e agora, o único que pode mudar e muda, transfigurando-os, o homem e o mundo” (Roma, 29 de setembro de 1984). São palavras de uma atualidade impressionante!
Com uma paternidade surpreendente e única, João Paulo II abraçou a nossa jovem história reconhecendo canonicamente a Fraternidade de Comunhão e Libertação, os Memores Domini, a Fraternidade Sacerdotal dos Missionários de São Carlos Borromeu, as Irmãs da Caridade da Assunção, como frutos diversos nascidos do carisma de Padre Giussani para o bem de toda a Igreja. O próprio Papa nos fez compreender a dimensão de tal gesto: “Quando um movimento é reconhecido pela Igreja, este se torna instrumento privilegiado para uma pessoal e sempre renovada adesão ao mistério de Cristo” (Castelgandolfo, 12 de setembro de 1985).
Por isso, se alguém tem uma enorme dívida de reconhecimento com João Paulo II, somos precisamente nós.
E não podemos encontrar um meio mais adequado de mostrar este nosso reconhecimento a não ser continuando a seguir a sua exortação cheia de autoridade: “Não permitais jamais que na vossa participação se aloje o verme do costume, da ‘rotina’, da velhice! Renovai continuamente a descoberta do carisma que vos fascinou e ele vos levará de forma mais potente a vos tornardes servidores daquela única potestade que é Cristo Senhor! (Castelgandolfo, 12 de setembro de 1985).
Por estas razões participaremos todos do encontro do próximo dia 1° de maio. Portanto, os Exercícios Espirituais da Fraternidade, que tínhamos programado de 29 de abril a 1° de maio, terminarão na noite de sábado, 30 de abril, de maneira que, com todos os outros amigos do Movimento – os colegiais, os universitários e os adultos não presentes em Rímini – dirijamo-nos em peregrinação a Roma para nos unirmos ao Papa e à Igreja no agradecimento a Deus, que nos concedeu uma tão autêntica testemunha de Cristo.
Desejamos estar junto de Bento XVI, que na sua clarividência decidiu indicar ao mundo inteiro o beato João Paulo II como exemplo do que pode fazer Cristo de um homem que se deixa tomar por Ele.
Pedindo a Padre Giussani e ao novo beato João Paulo II que, do Céu acompanhem, a nossa fidelidade a Pedro – amparo seguro para a nossa vida de fé −, e a Nossa Senhora que realize em cada um de nós o desejo de santidade para a qual existe a nossa Fraternidade, saúdo-vos de todo o coração.
Padre Julián Carrón

* Texto revisado por Paulo R. A. Pacheco.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Cartas do P.e Aldo 177

Asunción, 15 de janeiro de 2011.

Caros amigos,
Nestas semanas, estou com o pensamento fixo sobre dois fatos que encontramos no Evangelho: o nascimento e a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo na cruz e o olhar de Jesus a Zaqueu.
1. O nascimento e a morte de Nosso Senhor: os primeiros que foram encontrá-Lo em Belém eram pastores. Normalmente, quando pensamos nos pastores, temos deles uma imagem bucólica ou romântica. Mas, não acredito que esta imagem corresponda à realidade. Eram beduínos, deslocavam-se continuamente, vivem dias cheios, roubavam, assaltavam... uma vida certamente desordenada, vida de pecadores. Penso neles assim, porque me recordo dos pastores da minha terra, que eram “bandidos”, não tinham moradia fixa e tantas vezes nem tinham uma família. Deslocavam-se da montanha ao mar segundo as estações. Causavam danos em todos os lugares por onde passavam, roubando... concretamente, era uma vida desordenada, e a blasfêmia era a sua linguagem normal. Viviam com suas ovelhas, cavalos, jumentos e cães, se tornando, às vezes, como eles. Não quero pensar no filme dos irmãos Taviani – “Padre padrone” (Pai chefe; ndt) –, mas acredito que eles faziam parte, de alguma maneira, daquela categoria... em suma... eram pecadores. Como aqueles dois que estavam ao lado de Jesus, na cruz. Amigos! Tudo isso é desconcertante! No início, como no fim, Jesus se encontra entre pecadores, assim como durante a sua vida. E isto me enche de comoção, porque ressalta o fato que Jesus veio para nós, pobres filhos de Eva, veio graças à nossa pobre e frágil humanidade. Por isso, é espontâneo para mim me perguntar: aquilo que Carrón nos diz sobre a nossa humanidade como caminho para Cristo é o ponto sobre o qual trabalhamos seriamente? Penso nisso porque, sem uma grande simpatia pela nossa humanidade assim como ela é, o que quererá dizer que Cristo é contemporâneo? Para mim, o encontro com Cristo coincidiu e coincide com uma afeição grande pela minha humanidade: a alegria de ser homem, a liberdade de olhar com ironia os meus pecados, os meus limites. Não é mais o pecado, o limite, a me definirem, mas aquele olhar, assim como, para os pastores, uma vez que O viram, assim como para aquele ladrão, uma vez que, sobre a cruz, virou a cabeça e fixou Aquele Homem. Graças àquele Olhar, roubou dEle o paraíso. Um verdadeiro “ladrão” até ao fim! A simpatia pela nossa humanidade, semelhante àquela dos pastores ou dos dois ladrões na cruz com Jesus, cresceu ou permaneceu escondida num canto do nosso eu? Fico comovido por sentir-me abraçado por aquele menino, da mesma maneira que os pastores, ou aqueles dois bandidos, um dos quais entrou no paraíso no último instante da sua vida, quando reconheceu em Jesus o Filho de Deus. Amigos, será que nos damos conta de que Cristo precisa do nosso limite, do nosso temperamento?
Nestes dias, recebi na clínica, pela terceira vez, um rapaz doente de câncer. Um rapaz que vive na rua, com uma experiência terrível de amizades, tentativas de homicídio, de furtos, droga etc. Tem um câncer que parece uma pedra aguda na cabeça e outro na parte direita do pescoço que parece uma bola. Tantas vezes o recebemos e cuidamos dele, tantas vezes escapou, deixando-me o coração partido. Foi muitas vezes para a cadeia. Agora, voltou porque não dá mais conta, está acabado. Tem 18 anos. Ontem, me pediu a confissão. Foi, de fato, um reacontecer daquilo que aconteceu aos pastores ou aos dois na cruz, ou melhor, àquele que pediu perdão. Eu o olhava nos olhos pretos e lúcidos, enquanto pedia perdão. “Eu te absolvo...” e toda a sua história de miséria se tornou, de uma só vez, uma história de graça.
Amigos, pudéssemos nos deixar abraçar por aquele menino ou por aquele Homem que veio, vive e se faz presente todos os dias para nos dizer “amei-te de amor eterno, tendo piedade do teu nada”! Nestes dias, o calor chegou a 42º e, no entanto, mesmo isso é graça e me permite dizer, mesmo se todo molhado de suor e com a respiração ofegante, “Tu, oh meu Cristo”. E assim, tudo se torna uma graça, uma vibração apaixonada pela ternura de Jesus, que me faz olhar para os meus filhos tão belos com uma ternura única, um pouco como aquela de Jesus. Olhando-os, acho-os de uma beleza indescritível, sorridentes, vivos, certos daquele “eu sou Tu que me fazes”, ainda que tendo vivido violências terríveis, como as crianças que Herodes assassinou tentando eliminar também a Jesus.
2. O olhar de Zaqueu: impressiona-me e me conforta ver como Carrón nos provoca continuamente com este fato... e quanto mais assimilo aquele olhar, tanto mais sinto vibrar dentro de mim aquilo que Zaqueu experimentou no momento em que Jesus o chamou pelo nome. Aquele instante ficou pregado na minha mente, aquele átimo no qual se encontraram o olhar de Zaqueu e do Mestre. Tentem pensar, em meio aos problemas de todos os dias, no significado do sentir-se olhados, fixados daquele modo! Tudo se desfaz, se ilumina. Não desaparecem os problemas, os estados de ânimo, as doenças, a depressão, mas tudo se torna outra coisa, porque aquele olhar muda tudo, abraça tudo, domina tudo.
Florêncio é um rapaz de 20 anos, sozinho no mundo, foi recolhido por uma mulher com problemas psiquiátricos. Um drama dentro de outro drama. Miséria, fome, abandono. E, finalmente, um câncer “comeu” o rosto do rapaz, que, hoje, está terrivelmente desfigurado. A “mãe”, internada diversas vezes no manicômio. Conseguimos tirá-la deste lager e levá-la para junto do filho. Dia e noite, ela o assiste com uma amabilidade tão grande que nós, “sãos”, se não vibrássemos como Zaqueu por Jesus, não conseguiríamos entender, ou melhor, não seríamos nem mesmo capazes de nos dar conta. Olhando para aquele rapaz moribundo que, de vez em quando, retoma a consciência por um pouco, lhe pergunto “como está, Florêncio?”, e ele, levantando levemente o polegar da mão, me faz entender: “bem”. Outro dia, pensávamos que estivesse para morrer e a mãe me disse: “Padre, prefiro levá-lo para casa comigo vivo, porque se ele morrer aqui, eu não terei dinheiro para levá-lo até à casa, porque o traslado é muito caro (são 300 km daqui)”. Olho-a com ternura e lhe digo: “Estela, não se preocupe... a Providência cuidará de tudo”. E se tranquilizou. Algumas horas depois, passei perto dela e vi, com surpresa, que Florêncio estava sentado na cama e com uma canetinha estava desenhando uma figura feminina. Olho para o desenho e olho para ele comovido... da sua boca saía uma líquido podre... mas que ternura! Ele é literalmente consumido pelo câncer, todo inchado, com a carne já em decomposição, e no entanto com o olhar que me diz que a vida é bela! Eu o entendo, o invejo, porque ele é assim porque encontrou, alguns meses atrás, quando chegou aqui em condições desesperadas, o mesmo olhar que Zaqueu experimentou diante do olhar do Senhor. Não se pode explicar de outra forma como um rapaz naquelas condições, nos poucos momentos de lucidez e de consciência, diante da minha pergunta sobre como está, me responda OK levantando o polegar e me fixando com o seu olhar. O que posso fazer, além de beijá-lo e, ajoelhando-me diante dele, deixar-me olhar como Zaqueu por Jesus, presente em Florêncio, consciente de estar diante da morte. Porque ele sente o cheiro da sua pobre carne que só espera a ressurreição para se recompor, gloriosa e bela!
Amigos, quando Carrón nos lembra, em seu artigo de Natal, que Cristo está presente hoje, para mim, para vocês, instnate depois de instante, não posso não pensar no hino “Iesus dulcis memoria”. De verdade, é mesmo bonito viver com quem nos chama a atenção e nos remente em cada momento à doçura de Jesus.
Padre Aldo
P.S.: aos tão numerosos emails que vocês me enviam, responderei nos próximos dias, quando estarei, por alguns dias, no Brasil com meus amigos. Estar com eles é, para mim, repousar, na doce memória de Jesus.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Cartas do P.e Aldo 175

Asunción, 06 de janeiro de 2011.

De fato, o homem é apenas relação com o Infinito e, desta certeza, nasce aquele dinamismo incansável da vida que é a gratuidade.
Que graça chegar ao fim de um dia cujo calor úmido dos trópicos parece apagar toda energia e se encontrar com o coração fresco pela paixão por Cristo, que se torna paixão pelo homem.
Nesta noite, estive na Casinha de Belém, como tento fazer todos os dias, e Rose, a menina de três anos que tão logo me ouve corre para entre os meus braços, quis – sim ou sim – mesmo que já tarde, vir comigo para casa. Assim, enquanto escrevo, ela está sentada diante de mim com um sorvetinho e fala olhando para as fotografias dos seus irmãozinhos da Casinha. E pensar que quando chegou nós acreditássemos que ela morreria, visto o tanto que havia sofrido. Hoje, ela é como todas as crianças: alegre e brinca. Vejo nela a evidência daquele Mistério que me faz e, consequentemente, faz também ela. Sempre mais experimento que somente vivendo com a certeza do “eu sou Tu que me fazes” é que é possível salvar tudo e todos. Como explicar de outra forma que estes meus filhos, com todas as violências sofridas e os problemas conseqüentes, sejam felizes?
O homem, tanto a criança violentada quanto o violentador, quanto cada um de nós, tem necessidade de encontrar homens definidos pelo Mistério. Somente assim nasce a gratuidade. Aquela gratuidade que vi em ação, nesses dias, quando a doutora especialista em AIDS, Cristina, me chamou, enquanto cuidava do corpo de um doente de AIDS já apodrecido em várias partes e cheio de vermes. Eu estava assustado, enquanto que ela, com as pinças, arrancava daquele corpo apodrecido, um por um, aquelas misérias. A um certo ponto, perguntei-lhe: como você consegue resistir, Cristina? E ela: “Padre, estou tirando os vermes do corpo de Jesus”.
Um minuto depois, o doente, aquele pobre homem que também tem uma psoríase terrível, conseguiu dizer: “Eu sou Jesus”. Veio-me em mente a pergunta de Jesus a Marta, diante do cadáver mal-cheiroso de Lázaro – como o deste meu filho: “Crês isto?”. “Sim, Senhor, eu creio.” E assim consegui até mesmo jantar, não obstante a minha cabeça estivesse fixa sobre aquilo que eu tinha visto.
Amigos, esta é a contemporaneidade de Jesus de que fala Carrón na sua intervenção natalícia.
Estes dias têm sido muito difíceis. O calor me nocauteia. O meu corpo está sempre úmido. A tensão nervosa que isso me cria é enorme, assim como a irritabilidade; e no entanto não é o Alprazolan que me torna sereno e calmo, mas o repetir contínuo “eu sou TU que me fazes”, “Senhor, te ofereço”, “Tu, meu Cristo”. Amigos, vocês entendem como tudo é possibilidade para dizer “Tu, meu Cristo”? Assim, o lamento deixa lugar para a oferta. Mas, sozinho é impossível. Por isto, no fim do ano, peguei o avião e passei três dias com os amigos Marcos, Cleuza, Bracco e Julián de La Morena. Eu precisava urgentemente ver os amigos, aqueles rostos com os quais a familiaridade com Cristo é mais evidente. Não fizemos nada de especial. Ficamos juntos como Jesus com os seus amigos, retomando aquilo que Carrón nos disse no Natal, e a partir disso julgando a nossa vida. Mandei o resultado desse diálogo para “Tempi”, porque desejo que todos, mesmo quem não conhece a nossa experiência, possam perceber que o cristianismo é uma amizade e entendam o que quer dizer que os cristãos sejam os amigos de Jesus.
Amigos, de verdade, tenho o coração queimando por Cristo, e este fogo me torna criativo, atento, para responder a toda provocação da realidade. Exatamente como, nesse momento em que devo levar Rose para dormir com as outras crianças, mesmo que ela não esteja cansada e esteja mexendo em tudo no meu escritório. Olho para ela que está virando de ponta cabeça tudo, o aparelho de fax e o CD player. É isto que passa, para mim, com Jesus: basta estar com Ele, porque, depois, é Ele quem faz, que leva adiante a obra.
Um abraço no Senhor a todos.
Com afeto
Padre Aldo

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Cartas do P.e Aldo 173



Asunción, 23 de dezembro de 2010.

Caros amigos,
Jesus levou consigo, para o céu, a minha pequena Liz de 5 anos de idade. Estava conosco na clínica há três meses, por causa de um câncer na cabeça. Morreu ontem, deixando-nos a todos com o coração em pedaços e cheio de perguntas: “Padre, nesta manhã tive medo de não dar mais conta de ver tanta dor”, me disse a secretária da Clínica. E teria razão se Cristo não estivesse aqui, agora. Sem aquela criança que o Natal nos repropõe como um Fato vivo, contemporâneo, será que valeria a pena viver?
Pessoalmente, não conseguiria viver um minuto a mais rodeado por tanto dor como o sou, pelos mil “por ques” da mãe de Liz, uma mulher que me fez lembrar a mãe da pequena Cecília, que morreu de cólera, no romance de Manzoni. Quanto anos se passaram desde a leitura daquele capítulo, e no entanto ainda hoje me comove, como um sinal profético daquilo para o que eu seria chamado a viver todos os dias. Vocês entendem agora por que não posso ficar um segundo sequer sem gritar “Tu, ó meu Cristo”? Ou sem fazer de vocês partícipes daquilo que me acontece, para que, juntos, aprendamos aquilo que Carrón nos testemunha? Ontem, quando Liz morreu, pensei imediatamente nele, nas últimas Escolas de Comunidade sobre o sacrifício, sobre o valor que tem e no que consiste. Só assim me torno sempre mais consciente do fato de que é desumano, insuportável viver, respirar um segundo que seja sem que ele seja tudo para nós, sem que também para nós seja vibrante aquilo que São Paulo diz – “para mim, viver é Cristo e morrer é um ganho”. Quando, ontem, eu estava ao lado do leito de Liz, agonizante, os olhos semicerrados, as respiração difícil, a mãe de pé com uma lágrima nos olhos, quase paralisada pela dor, eu não conseguia, beijando Liz, não sentir presente o Mistério que estava para levar para si, no Paraíso, a pequena. Ela morreu como Jesus: por mim, por meus pecados e os de todos nós. O meu sacrifício é a estima de Jesus que, por mim, por vocês, desceu do céu  e se fez uma criança e, depois, morreu e ressuscitou por mim e por vocês.
É desconcertante, comovente, dar-se conta de que Jesus, antes da minha pequena Liz, fez o mesmo percurso humano. Nós a vestimos como um anjo, com uma coroa na cabecinha, como se fosse um pequena rainha. Sim, porque ela é uma rainha, como todos nós que fomos batizados. E, depois, a colocamos num caixão branco – a caixinha onde os seus ossos esperarão a ressurreição final.
Hoje, enquanto Liz era sepultada, fizemos um presépio vivo: o Menino Jesus foi um dos bebês da Casinha de Belém, de apenas três meses de vida. Depois, as outras crianças representando as ovelhinhas; os doentes, os ancião representando os pastores e os reis magos; e também alguns de nós que vivemos com eles. Cada um fez a sua parte. Foi, neste mar de dor, uma explosão de vida e de alegria. De fato, aqui, reina a vida, porque aquele “Tu, ó meu Cristo” é a única razão daquilo que existe e vive aqui. Amigos, que os nossos olhos, nestes dias e sempre, dentro de toda situação, mesmo a mais negra, estejam exclusivamente fixos em Jesus, para que possamos viver comovidos em cada instante da vida.
Amigos, mas o que pode haver de mais belo do que dizer “Tu, ó meu Cristo”?
Padre Aldo

domingo, 26 de dezembro de 2010

No mistério da encarnação, o homem e a história: o prodígio que todos esperamos

Por Julián Carrón

“Toda a minha vida foi também atravessada pelo sentimento de que o cristianismo traz alegria, dá dimensão. Por fim, também seria impossível suportar a vida como alguém que é sempre do contra.” (Luz do Mundo, p. 21). Estas palavras de Bento XVI lançam-nos um desafio: o que significa ser cristãos hoje? Continuar a crer simplesmente por tradição, devoção ou costume, fechando-se na própria concha, não está à altura do desafio. Da mesma forma, reagir com força e ir contra para recuperar o terreno perdido é insuficiente. O Papa chega a dizer que é “insuportável”. Um e outro caminho – retirar-se do mundo ou ser do contra – não são capazes, no fundo, de suscitar interesse pelo cristianismo, porque nenhum dos dois respeita aquilo que sempre será o cânone do anúncio cristão: o Evangelho. Jesus colocou-se no mundo com uma capacidade de atração que fascinou os homens do seu tempo. Como diz Péguy. “Ele não perdeu os seus anos gemendo e interpelando a maldade dos tempos. Ele cortou fundo... Fazendo o cristianismo”. Cristo introduziu na história uma presença humana tão fascinante que quem que se deparava com ela tinha de levá-la em consideração. Para recusá-la ou aceitá-la. A ninguém deixou indiferente.
Hoje estamos todos diante de uma “crise do humano”, que se atesta como cansaço e desinteresse pela realidade e que envolve todos os âmbitos que dizem respeito à vida das pessoas. É uma desgraça para todos, com efeito, que as pessoas não se ponham em jogo com a sua razão e a sua liberdade. E exatamente neste momento a Igreja tem diante de si uma aventura fascinante, a mesma das origens: testemunhar que existe algo capaz de despertar e suscitar um interesse verdadeiro. “Também o meu coração espera, / olhando para a luz e para a vida, / outro prodígio da primavera”. Todos nós, como o poeta Antonio Machado, esperamos o milagre da primavera no qual possamos ver realizar-se a nossa vida. E se alguém disser, ainda com o poeta, que é um sonho, por que o esperamos? Porque essa espera nos constitui no íntimo, como escreve Bento XVI: “Vimos como o homem anseia por uma alegria infinita, deseja o prazer até ao extremo, quer o infinito” (Luz do Mundo, p. 68). Mas o homem pode decair, o mundo pode procurar arrancar esse desejo do infinito minimizando-o; pode até zombar dele oferecendo algo que atrai por certo tempo, mas que não dura, e no fim nos deixa só mais insatisfeitos e mais céticos. Ora, a prova da veracidade daquilo que fascina e desperta um interesse é que deve durar. Mas mesmo as coisas mais bonitas – vê-se isso quando se ama uma pessoa ou quando se inicia um novo trabalho – acabam. O problema da vida, então, é se existe alguma coisa que dure.
O cristianismo tem a pretensão – porque a sua origem não é humana, embora possa ser vista nos rostos dos homens que o encontraram – de ser portador da única resposta capaz de durar no tempo e na eternidade. Porém, um cristianismo reduzido não é capaz de oferecer isso. Sabemos por experiência que existe um modo abstrato de falar da fé que não suscita a mínima curiosidade. Se o cristianismo não for respeitado na sua natureza, tal como se apresentou na história, não poderá lançar raízes no coração. O cristianismo é sempre colocado à prova perante o desejo do coração, e não se pode libertar disso: foi o próprio Cristo que se submeteu a esta prova. O aspecto fascinante é que Deus, despojando-se do Seu poder, fez-se homem para respeitar a dignidade e a liberdade de cada um. Encarnando, é como se tivesse dito ao homem: “Observa um pouco se, vivendo em contato comigo, encontras algo interessante que torne a tua vida mais plena, maior, mais feliz. Aquilo que não és capaz de obter com teus esforços, podes obter se me seguires”. Foi assim desde o início. Quando os dois primeiros discípulos perguntam: “Onde moras?”, Ele responde: “ Vinde e vede”. A sua simplicidade é desarmante. Deus confia-se ao juízo dos primeiros dois que O encontram. O homem não pode evitar comparar continuamente aquilo que acontece com as suas exigências fundamentais.
Qualquer um poderia argumentar que no tempo de Jesus viam-se os milagres, mas que hoje já não é tempo de prodígios. Não é assim, pois essa experiência continua a ter lugar, como no primeiro dia: quando encontras pessoas que despertam em ti um interesse e uma atração tais que te obrigam a fazer contas com o que te aconteceu. Como disse o Papa, “Deus não Se impõe, [...] A sua presença é um encontro que chega ao que há de mais íntimo e profundo no homem,” (Luz do Mundo, p. 166-167).
Há alguns anos um amigo meu foi estudar árabe no Cairo. Conheceu um professor muçulmano. O encontro podia ter-se desenvolvido conforme os estereótipos de um e de outro. Mas aconteceu algo inesperado: eles ficaram amigos. O muçulmano perguntou ao meu amigo por que era cristão, e este o convidou para vir à Itália, onde conheceu o Meeting de Rímini. Arrastado pelo encontro com uma realidade humana diversa, quis realizar o Meeting do Cairo, envolvendo muitos jovens egípcios, muçulmanos e cristãos.
Recentemente, em Moscou, conheci pessoas que até há pouco tempo nada tinham que ver com a fé. Descobriram-na encontrando cristãos que despertaram nelas a curiosidade. Algumas eram batizadas na Igreja ortodoxa e interessaram-se pelo cristianismo – coisa que nunca tinham feito antes – graças a amigos que o viviam com intensidade e plenitude. Não são histórias do passado, mas algo que acontece agora, no presente. Na sua recente visita à Espanha, Bento XVI convidou a um diálogo entre laicidade e fé. E como fez isso? Indicando uma presença, uma testemunha, Gaudí, que com a Sagrada Família “foi capaz de criar [...] um espaço de beleza, de fé e de esperança, que leva o homem ao encontro com Aquele que é a Verdade e a própria Beleza”. O Papa desafiou a todos tornando contemporâneo o olhar de Cristo e indicando a experiência nova que Ele introduz na vida: qualquer um pode interessar-se por ela ou rejeitá-la. Quando Bento XVI nos chama à conversão está dizendo-nos que, para dar testemunho de Cristo, para sermos “transparência de Cristo para o mundo”, precisamos percorrer um caminho até descobrir a pertinência da fé com as exigências da nossa vida. Não sei se algum católico pode sentir-se excluído do chamamento do Papa. Eu não.

* Texto extraído do site oficial de Comunhão e Libertação, do dia 23 de dezembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Cartas do P.e Aldo 169

Asunción, 28 de novembro de 2010.

Caros amigos,
gostaria de comunicar a vocês alguns fatos que aconteceram e que testemunham com Cristo está presente na minha vida e, por isso, tudo é positivo, mesmo a dor que, de uma desgraça, se torna graça, como nos lembra a Escola de Comunidade.
1. Ontem (sexta-feira), tivemos a surpresa da visita de Marcos e Cleuza. Uma visita relâmpago, que foi, para eles, uma aventura única: 7 horas de viagem de avião para chegar aqui e 4 horas para voltar. Nunca aconteceu algo assim. Somente uma grande amizade, fruto da familiaridade com Cristo, permite este olhar entre nós. Marcos, ontem, tinha uma reunião importante na Assembléia Legislativa, mesmo porque lhe estão fazendo propostas interessantes. Mas, preferiu vir para festejar o aniversário de Padre Paolinio e encontrar os amigos da fundação, responsáveis pelas obras. O encontro foi muito bonito, as experiências contadas foram como um vibrar do eu diante de Cristo. A genialidade de Cleuza nos lembrou o que Carrón nos dizia comentando o Monologo di Giuda (Monólogo de Judas, canção de Claudio Chieffo; ndt) em La Thuile: “Judas era um apóstolo, eu não sou um apóstolo; Judas fazia parte dos grupinho de amigos de Jesus, e eu também faço parte dos amigos de Jesus, como Judas, como Pedro. Porém, Judas participava daquela amizade, mas diferentemente de Pedro e de mim, não pertencia àquela amizade. Uma coisa é participar, outra coisa é pertencer. Judas traiu Jesus, mas também Pedro, assim como também eu. Porém, uma coisa foi a traição de Judas, outra a de Pedro e a minha. Judas, diante do seu pecado, sendo apenas participante daquela amizade, e não pertencente, se suicidou. Pedro, porém, que pertencia àquela amizade, reconheceu o seu pecado e se deixou abraçar por aquele olhar. Assim é para mim e para Marcos. Nós não viemos porque participamos do que acontece aqui, desta obra, mas porque pertencemos a esta obra. Uma pessoa pode até fazer milagres, mas se a sua natureza não for a do Pai, tudo morrerá. O filho pródigo voltou não porque quisesse participar do banquete, ou porque estava cansado da miséria, mas porque, no meio de toda as misérias, ele pertencia ao Pai, era da sua mesma natureza. O nosso problema é apenas um: participamos ou pertencemos? Seguimos Carrón ou olhamos para onde Carrón olha? Uma coisa é participar do movimento, participar daquilo que Carrón nos diz, outra coisa é pertencer ao movimento, pertencer ao olhar com o qual Carrón nos guia e olha para a realidade. Eu venho aqui, do Brasil, porque decidi pertencer àquilo que vi, como Pedro. Eu venho do Brasil porque pertenço a vocês. Assim, vocês trabalham aqui porque pertencem a esta obra. E o sinal desta pertença é a alegria com a qual vocês trabalham e é o que marca a diferença com quem não pertence”
2. Tão logo chegaram, celebramos a missa para eles na clínica. Alguns doentes terminais, incapazes de se moverem, participaram também. Grande foi a surpresa quando um doente de câncer, com a parte direita do rosto toda vendada, porque literalmente estava “comida” pelo câncer, e o outro lado todo inchado, tomou o violão e, com uma alegria nos olhos que nos comover a todos, acompanhou os cantos. Cleuza, a um certo momento, disse: “como pode um doente naquelas condições, nas vésperas da morte, tocar com tanto ímpeto o violão? A resposta é apenas uma: porque, nele, é clara, é evidente a pertença ao Mistério... e era visível como ele estava identificado com Cristo eucarístico. Ele tocava assim e naquelas condições, porque olhava para Cristo, pertencia a Cristo. Desafio a qualquer prêmio Nobel de oncologia a dar a este doente aquilo que somente Cristo pode dar. Nenhum prêmio Nobel pode dar um doente terminal a força, naquelas condições, de tocar o violão. Quem lhe dá a força é apenas Cristo, que passa através de vocês, que estão próximos e veem nele Cristo. Eu venho de São Paulo porque preciso ver como também a vida que está morrendo refloresce na pertença. Não venho aqui para ver as pessoas morrendo e nem mesmo para ver o hospital, porque tudo isto posso ver também em São Paulo, mas para ver os milagres da pertença a Cristo, porque não é uma coisa deste mundo ver um moribundo tocando violão. Venho aqui para que a certeza que hoje me acompanha seja a certeza que me acompanhe também amanhã. Não me basta o passaporte para hoje, eu o quero também para amanhã. E sem vocês não tenho esta garantia. O passaporte para o amanhã eu não tenho, mas esta pertença o tem. Então, o problema é não ter uma reserva na pertença, reserva que é o caruncho que destrói tudo. Quanto mais pertenço, tanto mais cai a reserva. A outra face da reserva é a pretensão. Por que prevalece a pretensão? Porque nos esquecemos do destino do outro. Por este motivo, não estamos juntos para fazer obras, mas para que floresça o nosso eu e as pessoas conheçam a Cristo, encontrem a Cristo. E se o ponto não está claro, a obra já está morta. Quando alguém tem este olhar é livre. Não é definido pelos resultados, pelos êxitos. Pensem, por exemplo, nos pais: que respiro começam a viver quanto aos filhos, sobre os quais temos tantas pretensões. Eu posso abraçar, sustentá-los, mas não me posso substituir a eles, ao drama deles. O violeiro que escutamos é uma evidência. Eu não posso tirar-lhe o câncer, não me posso substituir a ele, o drama é todo seu, não posso fazer com que a proximidade da morte se afaste. Posso sim abraçá-lo, amá-lo, mas o drama é entre ele e Cristo, e se vê bem como a sua liberdade, que se deixa abraçar por Cristo, lhe permite até mesmo de ‘tirar sarro’ do câncer, aproveitando plenamente daquilo que está tocando”
Amigos, vocês entendem por que somos amigos e por que não conhecemos distância, e como mesmo os “problemas” provocados pelas companhias aéreas não nos distraem?
Para terminar e assim começar bem o Advento, um último fato que mostra como nada impede que a realidade, a doença, seja um dom. Outro dia, a doutora Cristina, infectologista, me descreveu as condições de um paciente de AIDS, encontrado num lixão. Ele é uma ferida só. Os vermes saem de uma orelha apodrecida e também dos genitais. Chamou-me para perto dele para que eu me desse conta de onde pode chegar a miséria humana e também do que seria do homem se não fosse de Cristo. Vi como ela, com tanto amor, com uma pequena pinça, tirava os vermes um a um – e isso todos os dias – e fiquei abalado e comovido. Perguntei-lhe: “Mas, Cristina... como consegue?”. E ela: “Mas, padre, é Jesus... este homem cheio de feridas é Jesus; e, por isso, faço este trabalho com alegria”. Fiquei sem palavras, maravilhado, comovido, enquanto ela, com as pinças, acompanhada por outra jovem médica e uma enfermeira, continuavam, com o sorriso nos lábios, a tirar aqueles vermes de cabeça preta e corpo branco.
Vocês entendem o que quer dizer “contemporaneidade de Cristo”? Se Cristo fosse um “ontem”, uma pessoa não seria capaz de estar diante de um homem que traz no corpo os sinais do apodrecimento.
Rezem por mim e por meus amigos sãos e doentes.
Padre Aldo

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

21 de novembro: Oração pelos cristãos no Iraque

Comunhão e Libertação adere ao apelo dos Bispos italianos para rezar, no domingo, 21 de novembro, pelos cristãos do Iraque, “que sofrem a difícil provação do testemunho cruento da fé” (Comunicado final da Assembleia da Conferência Episcopal Italiana, 11 de novembro de 2010).

O Movimento Comunhão e Libertação convida a todos os seus membros a participar das missas segundo as intenções de Bento XVI, que, no dia seguinte ao gravíssimo atentado na catedral sírio-católica de Bagdá, que causou dezenas de mortos e feridos, disse: “Rezo pelas vítimas desta absurda violência, que é ainda mais cruel na medida em que atingiu pessoas indefesas, recolhidas na casa de Deus, que é casa de amor e de reconciliação. Exprimo, além do mais, a minha afetuosa proximidade à comunidade cristã, novamente atingida, e encorajo a todos pastores e fiéis a serem fortes e firmes na esperança. Diante dos brutais episódios de violência que vêm mutilando as populações do Oriente Médio, gostaria finalmente de renovar o meu sincero apelo pela paz, que é dom de Deus, mas também é o resultado dos esforços dos homens de boa vontade, das instituições nacionais e internacionais. Que todos unem suas forças para que tenha fim toda violência!” (Angelus, 1º de novembro de 2010).
Dirigindo-se a todos os membros de Comunhão e Libertação, Padre Julián Carrón disse que “a participação nas missas dominicais segundo as intenções do Papa e dos Bispos é um gesto de comunhão real e de caridade, para que sintamos como nossos amigos os cristãos do Iraque, ainda que não os conheçamos diretamente”.
Como disse Dom Giussani, “se o sacrifício é aceitar as circunstâncias da vida, da forma como acontecem – porque nos tornam correspondentes, participantes da morte de Cristo – então o sacrifício se torna o ponto-chae de toda a vida [...], mas é também o ponto-chave para entender toda a história do homem. Toda a história do homem depende daquele homem morto na cruz, e eu posso influir sobre a história do homem (posso influir sobre as pessoas que vivem no Japão, agora; sobre as pessoas que estão em perigo no mar, agora; posso intervir para ajudar a dor das mulheres que perdem os filhos, agora, neste momento) se aceito o sacrifício que este momento me impõe” (GIUSSANI, L. É possível viver assim? São Paulo: Companhia Ilimitada, 2008, p. 324). 
Por esta razão, Carrón acrescentou, “se um gesto de oração pode influir sobre a mudança das pessoas no Japão, pode mudar algo também no Iraque. O sacrifício que fazemos pelos cristãos iraquianos e a oração desse domingo sejam um gesto com o qual invocamos, imploramos a Deus a proteção para eles”.

Comunhão e Libertação
Milão, 18 de novembro de 2010

Cartas do P.e Aldo 168





Asunción, 17 de novembro de 2010.

Caros amigos,
olhem para as minhas crianças no dia da sua Primeira Comunhão, no domingo dia 7 de novembro. São belas, muito belas, agora que, finalmente, Jesus entrou em seus corações, se tornando uma única realidade com Jesus.
A semente da graça batismal está se tornando uma árvore.
A história delas é conhecida de vocês. A violência marcou a sua concepção, o seu nascimento... os abusos sexuais. Traumas terríveis, suficientes para destruir uma vida. No entanto, o encontro conosco, o encontro com rostos definidos pelo “eu sou Tu que me fazes”, pela certeza de “amei-te com amor eterno, tendo piedade do teu nada”, não apenas lhe deu a vida outra vez, a alegria de viver, como também lhes deu a liberdade de perdoar aqueles que os colocaram no mundo e abusaram deles.
“Padre, não queremos ver e nem mesmo voltar para casa onde sofremos tanto; perdoamos nossa ‘mãe’ e o concubino que nos fez tanto mal”. Amigos, no dia em que me disseram esta frase, senti toda a potência daquilo que Carrón continuamente nos repete: “O homem não é e nunca será fruto do seus antecedente, por mais feios que sejam, porque ele é relação com o Mistério”. Porém, esta certeza, na qual consiste toda a proposta educativa de Giussani, pode chegar até a nós, aos meus filhos, somente na medida em que é a consistituição consciente do meu eu, somente na medida em que a minha familiaridade com Cristo é vibrante em mim, somente na medida em que acolho, a cada instante, aquilo que Giussani chama o “monstro” do sacrifício como condição para que a minha liberdade coincida com o “Tu, meu Cristo”. Como vocês podem ver, não se trata de medicar as feridas, por mais horríveis que sejam, mas se trata de permitir que Cristo tome posse do próprio eu. A batalha é dura, como diz a Escola de Comunidade sobre o sacrifício, mas o êxito é uma plenitude de vida, aquela plenitude que vocês podem ver no rosto das minhas crianças.
Amigos, tudo é importante e bom. Mas, sem Cristo, tudo é inútil, todo esforço é destinado a falhar!
Somente “eu sou Tu que me fazes” como consciência comovida de si sara a totalidade do humano. Deus e Nossa Senhora nos deem a alegria de vibrar ao pronunciar esta certeza, pelo menos da mesma forma como vibramos por causa de um amor repentino que esperamos chegar, da mesma forma que São Paulo, quando diz: “para mim, viver é Cristo”.
Ciao,
Padre Aldo

domingo, 17 de outubro de 2010

Cartas do P.e Aldo 166

Asunción, 16 de outubro de 2010.

Caros amigos,
“Padre, sou feliz de estar aqui, neste hospital. Desde que cheguei e vi tanta beleza – flores, jardins, plantas, ordem, limpeza – e, particularmente, tanto amor, me senti como se estivesse no paraíso. Mesmo o câncer assumiu um rosto diferente”. Foi o que Josefina me disse antes de morrer, esta noite.
A clínica está sempre cheia. Moribundos sozinhos, da rua, que chegam para receber um gesto de amor puro que encontra nos sacramentos o coração e, depois, partem para o Paraíso. Frequentemente, damos o batismo sub conditio, porque não sabemos nada sobre eles, apenas algo muito bonito que Carrón nos repete sempre: “amei-te de um amor eterno, tendo piedade do teu nada...” ou, como disse Giussani na Escola de Comunidade, “comovo-me porque tu me odeias”.
Olho para aquele meu filho, de quem sou também o padrinho, batizado no domingo passado, sempre sub conditio (significa que pode ser dado mesmo a quem já foi batizado), mongoloide, encontrado na rua, doente de AIDS porque foi abusado sexualmente, e não posso não me comover pensando, hoje, em como rezamos nas laudes (como eu gostaria que vocês, meus amigos, rezassem o livro das horas todos os dias, como quando estavam em GS [Gioventù Studentesca, equivalente, na Itália, aos Colegiais de Comunhão e Libertação; ndt], para descobrirem aquilo que, há 17 anos, intuíamos mas não se tinha feito carne ainda): “Pode uma mãe abandonar seu filho? Não se comover pelo filho do seu ventre? Bem, mesmo se se esquecesse, Eu não te esquecerei nunca”. Amigos, pobres de nós se introduzíssemos uma suspeita que fosse de que, na nossa vida, não seja assim, quaisquer que sejam as circunstâncias! Imaginem que desespero seria a nossa vida se esta certeza não fosse granítica como conteúdo do eu, quando um dia adoecéssemos de câncer ou quando a depressão nos pegasse!! Amigos, o pecado mais grave é a suspeita, a dúvida, quase como se Deus fosse capaz de nos enganar quando nos diz “amei-te de um amor eterno, tendo piedade do teu nada”.
Quantos momentos dramáticos aconteceram nestas semanas... cheguei mesmo a ficar com raiva (porém, há muito tempo, a minha raiva com Deus é cheia de ternura) dEle, mas não há nada que possa fazer nascer a suspeita de que tudo o que me aconteceu não seja uma ternura de Deus. Se eu não sofresse, não viveria aquela familiaridade com Ele que torna a vida tão bela e que me permite transmitir aos meus filhos a alegria do perdão.
Uma noite dessas, as minhas filhas da Casinha de Belém, as adolescentes, vieram até ao meu escritório para conversar comigo, confiando-me seus problemas (é um fato normal, mas sempre novo). Entre as tantas coisas que disseram, algumas me tocaram e foi quando elas, abusadas sexualmente pelo companheiro da “mãe” e com o consenso da mesma, me disseram: “papai, não queremos mais viver com a mamãe por causa daquilo que ela nos fez, porém nós a perdoamos”. E uma me disse: “eu queria vê-la, mas sei que ela não quer saber nada de mim”. “Por isso, precisamos que o senhor e Diana, a mamãe de fato, fiquem conosco quando temos tempo livre na escola, porque somos uma família”.
Numa outra noite, tentei ensinar para Noelia (de 5 anos) como se dobram as roupas. Eu a olhava e ela, muito empenhada, de vez em quando me olhava para ver se eu estava ou não de acordo. Que ternura! Porém, se Jesus não estivesse vivo, aqui, eu não seria capaz disso, eu ficaria impaciente. É a contemporaneidade de Cristo que permite às crianças que perdoem, e permite a mim ensinar como se dobram as roupas. Esta contemporaneidade é aquilo que deu a liberdade cheia de amor a César e Lorena que, tão logo se casaram, alguns meses atrás, decidiram vir viver com os homens na primeira Casinha de Belém. Já na primeira noite de casados, se viram com o quarto dos 11 meninos assustados, que se tornaram seus filhos, ao lado do seu quarto. Agora, Lorena está grávida e a felicidade para todos é ainda maior. Os filhos que eram de uma violência sem precedentes – eles estariam todos na rua, semeando violência –, hoje estão mudados e são muito bonitos. Mesmo Gabriel, para quem demos e se deu o meu sobrenome, que viveu apenas violência (fugia de todas as casas por onde passou, jogava pedras em vidros de carros, era respondão e tinha um cinismo terrível), agora é o melhor da sua sala.
Amigos, é o milagre da gratuidade, assim como nos descreve Giussani na Escola de Comunidade. Os meus educadores são todos pessoas que têm apenas a quinta série e, alguns, terminaram o ensino médio, e todos são os protagonistas deste milagre... mas, por quê? Porque, a cada dia, nos lembramos da nossa origem, que é a mesma das crianças: “eu sou Tu que me fazes”, ou “quem és Tu, ó Cristo, que me amaste de um amor eterno, tendo piedade do meu nada?”.
Amigos, a vida é uma grande aventura.
Com afeto
Padre Aldo

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Cartas do P.e Aldo 165

Asunción, 5 de outubro de 2010.

Caros amigos,
estou voltando para casa no último dos 3 voos que ligam São Paulo a Asunción, com o meu inseparável companheiro de aventura. Já passa da meia-noite e estamos a 10 mil metro de altura, sobrevoando o Mato Grosso. Tenho o coração comovido por aquilo que vivi nas últimas 24 horas.
Chegamos em São Paulo no domingo à noite. Os amigos Marcos e Cleuza estavam nos esperando no aeroporto e tinham acabado de saber da vitória de Marcos nas eleições. No domingo, em todo o Brasil, houve votação para eleger o novo presidente, os governadores, deputados e senadores. Pergunto-me: quem, entre os políticos do mundo, no momento que, na TV, estão dando os resultados das eleições, deixam o seu posto de comando para ir pegar e receber amigos que chegam, no aeroporto, e, além do mais, dois pobres padres? Não acontece nem mesmo nas congregações religiosas. Lembro-me de que, há alguns anos atrás, um amigo missionário me contava que tinha recebido uma carta de um dos seus superiores da congregação, carta enviada a todos os membros espalhados pelo mundo, dizendo que, chegando a Fiumicino (o aeroporto de Roma), pegassem um táxi para ir para a sede, visto que não havia religiosos disponíveis para um gesto de boa educação. A caridade é muito mais do que isso...
Terrível, quando falta o humano! O que vocês querem, amigos, o humano ou está presente ou não está! E em Marcos e Cleuza, o humano simplesmente está presente. Por isso, são livres até mesmo do êxito nas eleições, de um resultado político eleitoral, que provocaria tanto afã nos candidatos, na espera dos resultados. Imaginem o abraço que recebe em pleno aeroporto. Isto é o humano, e é aquilo que levou Marcos à vitória, quando, nesses meses, junto com Cleuza e os seus colaboradores, passaram de casa em casa cumprimentando os potenciais eleitores, com o mesmo abraço que recebemos no aeroporto. Com a mesma efusão e intensidade.
Experimentamos a mesma coisa quando chegamos à Associação dos Trabalhadores Sem-Terra. O grupo de coordenadores (uns cinquenta) da campanha eleitoral, que estavam em torno da TV, acompanhando o resultado, quando se deu conta da nossa presença, saltou em pé para nos cumprimentar. Em seguida, Cleuza preparou a mesa e jantamos: tortellini e um grelhado. Uma festa onde os protagonistas eram aqueles que formavam aquele grupo de pecadores, gente pobre, muitos dos quais não terminou nem mesmo o ensino fundamental. O lugar era um galpão. Nada parecido com uma sede ou um hotel, como alguns pensariam. Mas, a Presença de Cristo podia ser tocada com as mãos!
No dia seguinte, ou seja, ontem, segunda-feira, dia 4, festa de São Francisco – de quem os Zerbini são muito devotos –, fomos todos para o Santuário de Aparecida. Éramos cerca de quarenta pessoas, num velho ônibus. Depois de duas horas, chegamos neste enorme Santuário que acolhe a pequena imagem de Nossa Senhora (com uns 30 cm de altura) que foi recolhida por pescadores, alguns séculos atrás, num rio. Este Santuário foi decorado com a genialidade do nosso amigo Cláudio Pastro (vocês se lembram dos seus quadros? Aqueles, nos quais os personagens aparecem sempre vestidos de modo vivo e têm aqueles olhões grandes, grandes?).
Celebramos a missa... porque foi dali que se deu partida, em julho, para a campanha eleitoral, depois de três dias de caminhada... e voltamos ao mesmo lugar para agradecer o sucesso. Durante todo o dia, chegavam cumprimentos para Marcos. Ao meio-dia, almoçamos numa churrascaria e foi uma festa. Às 17h, começamos a reunião da fraternidade. O tema foi a introdução de Carrón ao livro de D. Gius – “L’io rinasce da un incontro”. Como sempre, foi uma novidade. Cada intervenção foi um pedaço de vida, foi a manifestação de um eu comovido diante da realidade e não aprisionado por ela. A cada vez aparece, com mais clareza, entre nós, a certeza de que o cristianismo é apenas uma amizade carregada de humanidade e definida pelo Mistério. Demo-nos conta de que o individualismo é uma tentação contínua. Não é possível pertencer a Cristo sem pertencer à Sua carne, hoje, sem um relacionamento arrebatador entre nós que julga tudo. Não ficamos analisando a votação de ontem, falamos de como o eu foi protagonista do que aconteceu. Marcos não falava de estratégias futuras, de alianças etc.; simplesmente saboreava conosco a ocasião que vivemos para anunciar a Cristo.
Um dia longo, mas tão curto e bonito como são todos os dias quando a consciência de “amei-te como amor eterno, tendo piedade do teu nada” constitui cada instante.
Com afeto
Padre Aldo e Padre Paolino