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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Cartas do P.e Aldo 207


Asunción, 10 de outubro de 2011.

Caros amigos,
Nesta noite, fiquei mais tempo do que o normal olhando meus filhinhos doentes, particularmente Victor. Desde quando nasceu está na mesma caminha. Não fala, não vê, não escuta. Parece totalmente ausente da realidade. Depende do outro em tudo. Não tem caixa craniana e seus olhinhos, há tempos, estouraram. Só pode ser colocado em duas posições: deitado com a barriga para cima e, de vez em quando, delicadamente deitado sobre um dos dois lados. As escaras de decúbito, tratadas o tempo inteiro, junto com o gemidozinho que o acompanha, mostram o quadro físico que vemos dele. E no entanto, Victor é muito, infinitamente mais do que isso. É a evidência clamorosa da vibração do Ser. Eu o olho comovido, o acaricio porque ele existe. Existe! Que maravilhamento eu sinto em mim quando olho para o ser que vibra em cada detalhe do seu corpo martirizado! Victor existe, vive! Cada vez que me aproximo dele, fico impactado com a beleza de ser nada mais do que um fragmento de segundo: ele, como eu, é feito em cada momento. A sua beleza e a do ser, do seu ser quase enjaulado num corpo aparentemente deformado e que, no entanto, é templo do Espírito Santo. Ele, acredito, me conheça pelos meus beijos, pela ternura, mas sobretudo porque tanto eu como ele existimos e somos como “Tu que me fazes”. O valor da sua vida, como a do meu filho Aldo e de Mário, está no ser que posso contemplar e, imediatamente, reconhecer: eles, como eu, são relação com o infinito. Muitas vezes penso olhando para eles, assim “deformados” para o mundo – porque a cultura de hoje não consegue mais perceber o ser, aquilo que existe na sua profundidade. Tantos são os casais que, quando esperam um filho, mais do que ficarem comovidos até às lágrimas pelo fato de que ele exista, ficam é preocupados com o como ele é, como ele está, ou se é menino ou menina. Que besteira! Antes do ultrassom, há a comoção pelo ser. Aquela comoção que, seja lá qual for o resultado do ultrassom, cresce fazendo-nos vibrar porque o Mistério se manifestou. Que graça para mim, para vocês, o meu Victor, sacramento do ser que o cria em cada momento. É noite de sábado, mas não consigo me afastar de Victor, de Aldo e de Mário. Victor respira com dificuldade, fiz-lhe uma carícia e ele esticou seus pequenos punhos. Desde o seu nascimento parece ausente da realidade, no entanto ele está no coração da realdiade. A beleza destas criaturas está apenas no fato de que EXISTEM!
E existem porque um Outro, antes de formá-los assim no seio de suas mães, pronunciou seus nomes. Entendem, então, como é um milagre existir, que comoção suscita em mim o ser de cada um?
Olhando para eles só posso ficar grato por aquilo que me une a eles. O ser e o ser fato agora. Desejo a todos os que esperam um filho que tenham esta posição de adoração e de comoção e não a preocupação egoísta de como será, para que não aconteça que desfaça os nossos projetos que não têm nada que ver com o ser e, portanto, com o desígnio de Deus sobre cada um de nós. Pensem na diferença abissal que há entre olhar um doente, um leproso como o que está na capela do Santíssimo, com estes olhos fixos sobre o ser, e olhar os mesmos apenas em seu aspecto fenomênico! Sem esta posição, que sentido teria a vida e o nosso viver cotidiano?
Padre Aldo

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Cartas do P.e Aldo 204


Asunción, 6 de setembro de 2011.

Caros amigos,
Um fato ocorrido nas últimas semanas me colocou diante da contemporaneidade de Cristo e, portanto, se tornaram um grande possibilidade para fixar nos olhos, de maneira intensa, Jesus.
Eu já estava com as passagens aéreas no bolso para ir à Itália, quando, numa tarde, os médicos e o diretor da clínica chegaram no meu escritório e me disseram: “Padre Aldo, seu filho Aldo [meu filho adotivo, portador de gravíssimas deformações físicas] está muito doente e não temos certeza de que conseguirá sobreviver. Gostaríamos que ele permanecesse aqui na clínica e não fosse enviado a um hospital, onde acabaria sendo deixado morrendo, enquanto que nós queremos acompanhá-lo em sua morte”. Vi-me, uma vez mais, diante de uma decisão: estão me esperando no Meeting e, aqui, os médicos me dizem que meu filho está com os dias contados. O que fazer? Fico e atraso em alguns dias a partida, a fim de ver se ele melhora, ou desisto de ir ao Meeting? Uma escolha difícil porque estavam em jogo os últimos dias do meu filho. E um filho, especialmente quando é adotivo, é a sua mesma carne, ainda mais porque é fruto de uma gratuidade total. Alguns me disseram: como é que o senhor pode ir, deixando-o sozinho, ao invés de acompanhá-lo nas suas últimas horas? Eu sentia meu coração em pedaços, sentia em mim um sentimento que me dizia: você deve ficar. Porém, uma vez mais eu me perguntei: o que Cristo pede de mim, neste momento?
E dois juízos me ajudaram a tomar a decisão de ir. O primeiro: aquele filho me foi dado e se Cristo decidiu pedi-lo de volta, quem sou eu para não devolvê-lo? O segundo: a realidade me pede para estar presente no Meeting e em La Thuile, onde acontecerá a assembleia internacional. Ou seja, a realidade me chama a estar onde estão aqueles amigos que mais me lembram que “É o Senhor”, os amigos que mais me mostram o rosto de Jesus. E eu preciso disto porque, do contrário, não consigo enfrentar a vida todos os dias e nem mesmo o dia de meu filho, que, seja como for, não morrerá sozinho, mas na companhia dos meus amigos da clínica. E assim, peguei o avião com a grata surpresa de que me filho se recuperou. É impressionante ver como Deus me educa a ser livre, ou seja, a confiar no seu desígnio que, qualquer que seja, é sempre positivo, mesmo quando, no momento, parece ser injusto e você preferiria se rebelar. Dizer “Tu, meu Cristo” nunca é algo óbvio, mas se dá sempre dentro de um abandono seu, cheio de dor, cujo resultado é uma estranha letícia.
Os filhos não são algo que nos pertence, e só o são quando amamos o desígnio de Deus sobre eles, mesmo quando isso coincide com o fato de eles nos serem tirados. É assim que me acontece todos os dias. Assim como a cada vez a dor é sempre maior, porque quanto mais Cristo o agarra, tanto mais você se descobre vulnerável, tanto mais você sofre. Se antes de encontrar Jesus nem mesmo uma “pedrada na cabeça” movia o meu coração, agora que Cristo me tomou, basta um grão de areia para que eu sinta toda a dor que me circunda.
Amar, ou seja, deixar-se tomar por Cristo é sofrer e sofrer é amar. E quanto mais você é de Cristo, tanto mais você sofre; e tanto mais você sofre, quanto mais você busca Cristo. Ou, para dizer mais claramente, Cristo nos torna mais vulneráveis, mais sensíveis, mais atentos a cada detalhe.
Rezem por mim e por meus filhos.
Com afeto,
Padre Aldo

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Cartas do P.e Aldo 200

Asunción, 6 de julho de 2011.

Caros amigos,
É impressionante como a Presença do Mistério se impõe na minha vida, na medida em que olho e vivo a realidade como sinal! Não existe coisa, circunstância, fato que não seja a evidência da desproporção entre o meu nada e o Mistério que a realidade me revela continuamente. Viver suspensos na certeza de sermos queridos agora, agora que posso estar mal ou estar bem, estar emocionalmente no alto ou embaixo, ser simpático ou não. Ser querido por um Outro, assim como sou, e olhar com ironia para os meus limites. Dar-me conta e me surpreender, a cada dia, com o imprevisto que desfaz os meus projetos, as minhas programações, fazendo-me ver como é a realidade de fato e descobrir como a Providência Divina me faz vibrar pelo cêntuplo evidente em cada instante da vida. Um cêntuplo que não apenas é um a mais de vida, de humanidade, mas também é um a mais econômico e também de ação.
Hoje, por exemplo, chegaram-me dois emails: um de Barcelona, e outro de Reggio Emilia.
O primeiro me comunicava a feliz notícia de que Jordi (o arquiteto-chefe da “Sagrada Família” de Barcelona) e  Sotoo – que alguns dias faz, num fim de semana, havia se retirado para rezar, meditar, estudar o projeto, na belíssima Basílica de Nossa Senhora de Montserrat – terminaram tanto os cálculos estruturais, como odesejo do conjunto de imagens esculpidas em pedra e que estarão na fachada da nova clínica. Trata-se de comentar, na pedra, a frase de São Paulo aos Romanos: “A natureza mesma geme as dores de parto, esperando a ressurreição do Filho de Deus”. Assim, a nova clínica terá como base a Capela toda incrustada em madeira revestida com o “pão de ouro” do Santíssimo Sacramento e, no ponto mais alto, a imagem de Cristo saindo da terra, como num parto, traz consigo (“arrastra”: em espanhol é mais profundo) toda a realidade na plenitude da vida, no paraíso que será a realidade na sua perfeição máxima. Por isso, em breve o braço direito de Sotoo, Manolo, virá para dar início à obra.
Hoje, Francisco morreu de AIDS, um jovem abandonado por todos, mas que morreu entre os nossos braços. Tudo isto só é possível porque, quando o eu é agarrado pelo Mistério, gera uma cadeia de relações, como me escreve de modo comovente esta minha amiga de Reggio Emilia:
Caro Padre Aldo,
Quando as suas cartas nos chegam, fico me perguntando como é que chegam exatamente quando precisamos! Obrigada.
Assim, queríamos que você soubesse que, entre as tantas, aquela do “testamento da viúva” (de 27 de março de 2011) nos comoveu tanto que nos sentimos cobrados e organizamos uma venda extraordinária de “cappelletti” (você sabe, somos de Reggio Emilia, e aqui, eles são bem quistos!) feitos em casa. Apresentamos a proposta aos nossos amigos e algumas mulheres nos encontramos (de todas as idades!) para fazê-los. Aquilo que foi arrecado foi enviado para você nesses dias, num depósito de 500 euros.
Não é muito, uma gota no mar de necessidade, mas nasce de uma comoção depois de outro, porque foi assim aquilo que vimos brotar deste nosso pequeno “movimento”, nascido de forma impetuosa, porque ficamos tocados pela simplicidade da pertença daquela mulher que, tendo encontrado “a verdade da sua vida”, quis deixar tudo o que tinha.
Obrigada! Em anexo vão algumas fotos do nosso trabalho e, abraçando-o, pedimos-lhe que se lembre de nós na sua oração, junto de todos aqueles que trabalharam conosco.
Maura Bezzecchi
Maura Caprari
P.S.: Da próxima vez que vier à Itália, será nosso convidado para comer “cappelletti” conosco.
Como podem ver, não se trata de dotes particulares ou de capacidades, mas tão somente de deixar-se tomar pelo Mistério que, numa das leituras da semana passada, na Missa, dizia, através de Moisés, ao povo judeu: “Tu és a minha propriedade”, “eu me apaixonei por ti, por ti que és o menor de todos os povos”.
Amigos, espero que vocês vivam juntos este tempo, comovidos, rezando, como dizia a oração da coleta do último domingo, “Deus, que por meio da humilhação do Teu Filho, levantou a humanidade decaída, concedei-nos a VERDADEIRA ALEGRIA, para que, libertos da escravidão do pecado, possamos atingir a plenitude da felicidade” (em espanhol, “a felicidade sem fim”), como que dizendo de plenitude em plenitude.
Padre Aldo.

terça-feira, 28 de junho de 2011

De Galileu a Einstein, para alargar a razão


Entrevista com Paolo Musso, feita por Mario Gargantini

O cientificismo? Foram os filósofos que o inventaram. O racionalismo? Não é o nosso destino inevitável. Descartes? Um gigante da filosofia e da matemática, mas com a ciência moderna não tem nada que ver. A fé? Não apenas não é irracional, como o seu método tem muito de comum com o método científico. Pico Dela Mirandola, Pascal, Rosmini, Newman? Fiquem no sótão: a verdadeira alternativa para a modernidade é Galileu. São apenas algumas das teses, certamente “fortes” e destinadas a causar alguma discussão, contidas no último livro de Paolo Musso, La scienza e l’idea di ragione [A ciência e a ideia de razão, em tradução livre; ndt], que acabou de ser publicado pela  editora Mimesis, com um lisonjeiro prefácio de Evandro Agazzi: uma obra desafiadora que se propõe, como diz o subtítulo, a traçar um quadro crítico da evolução de “ciência, filosofia e religião, de Galileu aos buracos negros e além”. Conversamos sobre o livro com o seu autor, docente da Universidade da Insubria de Varese e da Universidade Católica Sedes Sapientiae de Lima (Peru).

A primeira coisa que impressiona no livro é a vastidão: não tanto como tamanho da obra, mas pela amplidão e, ao mesmo tempo, profundidade dos assuntos tratados.
Sem dúvida. Com efeito, trata-se de um empreendimento ambicioso, talvez até demais. De outro lado, numa época na qual a filosofia está se transformando cada vez mais em filologia, é preciso mesmo que alguém tenha a coragem (ou a inconsciência, se se preferir) de tentar grandes sínteses. Mas, o senhor disse bem quando se refere ao fato de que a amplidão não significa menor profundidade e, eu acrescentaria, ou precisão. Digo-o sem presunção, consciente de que o mérito não é meu, mas do verdadeiro exército de amigos que, frequentemente comum a disponibilidade extraordinária, me ajudou a ir a fundo das questões que, sozinho, nunca teria conseguido entender nem superficialmente. Hoje, o conhecimento científico está em tão rápida evolução que não é possível fazer filosofia da ciência de forma séria a não ser que seja através de um relacionamento constante com os cientistas no trabalho. Não se trata, porém, de um livro para especialistas: pelo contrário, foi pensado para permitir diversos níveis de leitura, desde o leitor comum, passando pelas pesquisas escolares ou monografias de final de curso, até chegar à pesquisa de nível universitário.

Quanto da sua atividade de ensino influiu sobre o texto?
Foi fundamental. Antes, gostaria de aproveitar para agradecer publicamente aos meus alunos de Varese e de Lima. Sem eles este livro nunca teria nascido. Não foi à toa que o dediquei a eles.

Quais são as principais ideias-chave?
Tudo partiu de uma constatação paradoxal e inegável: a visão de mundo que, hoje, é largamente dominante e que é chamada de “modernidade”, se mostra como filha da ciência, sempre vista como indissoluvelmente ligada ao racionalismo no plano filosófico e ao mecanicismo no plano físico; e visto que a ciência é, para nós, um horizonte intranscendível, a “modernidade” se mostra também como intranscendível, uma espécie de destino fatal a que seremos definitivamente entregues. O paradoxo está no fato que tudo isso não tem nada que ver com a ciência real, mas muito mais com aquela sua caricatura que é o cientificismo, nascido dos filósofos e que somente, depois, contagiou também os cientistas. Que, além do mais, quando estão trabalhando, não podem fazer menos do que ser anticientistas nos fatos: porque o autêntico método científico experimental, codificado de maneira insuperável por Galileu, baseia-se numa ideia de razão estruturalmente aberta para a realidade, para a experiência, para o imprevisto e para o mistério; enquanto que o cientificismo baseia-se numa ideia fechada de “razão-medida-de-todas-as-coisas”, que, se colocada em prática, destruiria em primeiro lugar a própria ciência. Por isto, grande parte do livro é dedicada a fornecer uma informação correta sobre como a ciência nasceu e se desenvolveu, superando gradualmente o mecanicismo das origens, através da análise de algumas das grandes etapas paradigmáticas (Galileu, Newton, a termodinâmica, a relatividade, a mecânica quântica, a cosmologia, o caos e a complexidade).

Uma das passagens cruciais é feita de um confronto entre Galileu e Descartes. Por quê?
Porque existe um mito muito difundido segundo o qual Descartes seria o verdadeiro cofundador da ciência moderna, ao lado (e, às vezes até, acima) de Galileu.

E porém?
Porém, isso não é verdade. Descartes nunca entendeu nada do método galileiano, que, pelo contrário, foi criticado abertamente, e durante toda a sua vida continuou fazendo ciência (ou melhor, pseudo-ciência) a priori, isto é, segundo o método dedutivo típico dos filósofos aristotélicos que, nas suas palavras, eram tão desprezados. A verdade é que Descartes foi o primeiro dos modernos na filosofia e na matemática, onde foi um verdadeiro gigante (a ponto de podermos dizer que, sem ele, nunca teria sido possível as geometrias não euclidianas), mas do ponto de vista das ciências naturais foi, pelo contrário, o último dos antigos.

Então, por que se criou este mito?
Foi uma ação intencional, desejada. E o motivo me parece evidente: tal mito, de fato, permite fazer circular injustamente como fatores constitutivos da ciência o racionalismo e o mecanicismo, que são cosubstanciais ao método cartesiano, mas que não têm nada que ver com o método galileiano.

Ou seja, Descartes não lhe é muito simpático...
Não é uma questão de simpatia. Certamente Descartes era insuportavelmente presunçoso, mas também Galileu o era. Da mesma forma, Descartes não foi certamente menos “crente sincero” do que ele, e do ponto de vista da coerência moral tinha mais pontos do que Galileu. Mas o que lhe faltava completamente (e que Galileu tinha no mais alto grau) era o sentido do mistério, ou seja, a capacidade de se maravilhar diante da realidade: que, como dizia Einstein, “é a semente de toda a arte e de toda verdadeira ciência”.

O outro grande protagonista do livro é exatamente Einstein.
Era suficientemente óbvio, dado o tema. Mas não era óbvia a descoberta que fiz do quão profundamente ele e Galileu eram ligados. Einstein tinha em casa os retratos de Newton, Faraday e Maxwell, mas se lermos atentamente os seus escritos vamos descobrir que o seu verdadeiro norte foi Galileu. Esta é também a explicação para muitos mal-entendidos: não é possível entender, de verdade, Galileu sem entender Einstein, mas são bem poucos os filósofos e os historiadores da ciência renascentista que conhecem a teoria da relatividade.

O senhor gosta muito de Galileu, e julga de forma muita negativa as teses de alguns dos mais importantes críticos da modernidade, como Del Noce, Guardini, De Lubac...
Não os julgo negativamente! Antes, as suas ideias, particularmente as de Del Noce, têm um papel central na minha análise. Aquilo que não me convence é a sua pars construens, porque é uma veleidade esperar opor a um gigante como Descartes pensadores certamente grandes mas que não estão à sua altura, e sobretudo que são irremediavelmente marcados pela sensibilidade moderna, como Pico Della Mirandola, Pascal, Rosmini ou mesmo Newman, de quem gosto muito.

Galileu, pelo contrário, tem certamante a physique du rôle... mas, ele também não tinha os seus defeitos?
Os seus defeitos não me interessam! O que deve interessar a todos é aquilo que nos deixou como herança: nada menos do que um novo (e formidável) modo de usar a razão. Que, se bem entendido, é o exato oposto do reducionismo. E que, ao mesmo tempo, representa um dos últimos pontos de resistência contra o relativismo e o irracionalismo que se têm difundido.

A propósito do relativismo, o senhor é muito severo também com a epistemologia contemporânea.
Em boa parte dela, se não em toda ela, há várias décadas, prevalece uma postura relativista e antirealista absurda que nega que a ciência possa conhecer o mundo assim como é verdadeiramente. Para sustentar isso, é preciso ou não conhecê-la ou fingir que não a conhece. É interessante notar que o relativismo cultural moderno se desenvolveu em grande parte exatamente a partir destas teses epistemológicas: mostrar sua insustentabilidade tem, portanto, implicações que vão muito além do âmbito científico.

Muitos autores católicos, porém, veem com favor esta epistemologia “fraca”, porque pensam que ajude a defender a fé das excessivas pretensões da ciência.
É só porque não a conhecem. Do contrário, entenderiam que não apenas a ciência não é inimiga da fé, como também, pelo contrário, é, pelo menos potencialmente, a sua melhor aliada, dado que é, de qualquer forma, o único setor da cultura que defende ainda a ideia segundo a qual a experiência pode conduzir à verdade, cuja negação apriorística e imotivada constitui, ao invés, o verdadeiro “dogma central” da modernidade. E, seja como for, como repete continuamente Bento XVI, a fé não se defende restringindo o alcance da razão, mas alargando-o, ou seja, abrindo a razão a um horizonte maior.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 28 de junho de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Cartas do P.e Aldo 198


Asunción, 21 de junho de 2011.

Caríssimos,
Eis a foto de recordação das 11 crianças da Casinha de Belém batizadas neste domingo. A maioria delas não tem ninguém, mas agora podem dizer “Pai” para o Mistério. Que responsabilidade, para mim e os amigos, nos foi presenteada com o batismo delas! Uma responsabilidade possível de viver apenas se o meu eu é definido, momento após momento, pela certeza “eu sou Tu que me fazes”. Desta certeza depende todo o caminho educativo e a sua maturidade.
Olho-os e vejo a grandeza e a beleza do Mistério que permitiu que nascessem em condições desumanas e violentas para, depois, retomá-los e levá-los para onde Sua Presença é evidente.
Olho-os e, comovido, penso naquilo que o profeta disse: “antes de te formares no ventre de tua mãe, pronunciei o teu nome”.
Que bonito: eu, como os meus pequenos, fomos pensados, desde sempre, por Deus! Que bonito: eu, como as minhas crianças, fomos chamados pelo nome, ou seja, somos Seus, pertencemos-Lhe desde sempre. Então, o modo com o qual fomos concebidos é secundário (não porque não seja importante... pelo contrário), porque a nossa identidade vem antes, vem da eternidade. Então, mesmo se concebido na violência, isto não define mais a minha personalidade. 
O aborto é terrível porque elimina um nome que Deus pronunciou desde sempre. Então, entendem porque as meninas grávidas são, para mim, tesouros, mesmo que tenham 12 anos de idade. Elas moram conosco, salvas daquelas diabólicas ONGs que fazem de tudo para que abortem.
Uma garotinha da favela, vítima do crack desde os 9 anos de idade, não queria a criança de que estava grávida e chegou aqui em condições indescritíveis. Deu à luz uma menina lindíssima (hoje, a mãe tem 15 anos) e, no início não a queria. Três meses se passaram e ela, a mãe, é outra pessoa, é uma verdadeira mulher, uma verdadeira mãe. Mesmo o seu aspecto físico mudou: está bonita, bem vestida, limpa, orgulhosa da sua feminilidade. Vê-la amamentando a sua menina é de uma ternura enorme.
Não mais o passado como “piranha” (é como são chamadas essas crianças), mas um início de consciência de ser fruto do SER, daquele “Tu que me fazes”. Mas, dentro de uma companhia de 24 horas por dia. Porém, é assim que o Mistério nos faz companhia. Lucilla, a filha do meu amigo Luigi Amiconi, dizia: “Tudo o que eu faço é dizer ‘sim’ a Liz (uma menina com gravíssimos problemas psíquicos, físicos e de mobilidade), e este ‘SIM’ mudou Liz e me mudou. E dizer ‘SIM’ quer dizer responder às suas necessidades, quer dizer estar sempre com ela. E este ‘SIM’ que digo a ela, eu o digo a todas as crianças. Mas, posso dizê-lo porque um outro o diz para mim”.
E é mesmo bonito ver esta garota de 12 anos, que parece ter a metade, e que não fala, é mesmo bonito vê-la feliz e fazendo de tudo para responder às provocações de Lucilla. E Lucilla que a olha, a olha para perceber o que quer, o que a realidade lhe pede para poder responder “SIM”. Educar é apenas dizer “SIM” à realidade.
Padre Aldo

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Cartas do P.e Aldo 194

Asunción, 27 de maio de 2011.

Caros amigos,
De volta da Itália, agradeço de coração a todas as pessoas que encontrei e, particularmente, os tantos, tantíssimos testemunhos da Ressurreição de Cristo, tanto de doentes como de pessoas em outras condições difíceis. De fato, como nos lembrava Carrón, citando São Paulo, “nenhum dom de Graça nos falta mais”.
A alegria de ver pessoas mudadas, seguindo Carrón, me enche o coração de esperança e de energia. Uma vez mais se confirmou que o problema não é ir para o Paraguai, para o Brasil ou para a África, mas seguir aquela companhia na qual Deus o colocou e na qual é evidente a experiência do carisma, com o mundo do coração.
Não há condição privilegiada, é a realidade nas circunstâncias na qual Deus nos colocou e nos coloca. Eu vim para o Paraguai porque Giussani me mandou, mas não para o mal do Paraguai ou da América Latina como tantos têm.
Uma pessoa que viva aí o carisma, seguindo Carrón, não sente saudade do Paraguai. Vi coisas do outro mundo e frequentemente me perguntei: mas, quantos veem isso? Vi os sinais da vitória de Cristo em todos os lugares por onde passei e uma pessoa estaria ali sempre, olhando para esses sinais, desejando pertencer àqueles lugares. De verdade, me senti em casa, porque se a pessoa olha para onde Carrón olha, identificando-se com a sua experiência, a vida floresce, as obras se tornam a presença dos “vivos” num mundo de mortos.
Obrigado de coração, porque vi um movimento de pessoas vivas que me marcaram. E quem vive assim aí na Itália, vive aqui comigo mesmo se nunca vier me ver. E vice-versa: ninguém escapa daquilo que não existe. Agradeço também àqueles que, com seu sacrifício, continuam ajudando a Providência, para poder terminar o hospital e a escola, particularmente às crianças das escolas que visitei.
Em nome dos meus doentes e de todos, agradeço a vocês de coração. Para mim, mendigar é mendigar Cristo, mendigar o Seu amor, porque o objetivo da vida é ser dada.
Rezamos por todos vocês, caros amigos e benfeitores que nos ajudam. Obrigado.
Padre Aldo

quarta-feira, 6 de abril de 2011

O equívoco sobre as competências faz mal aos professores e aos estudantes


Por Dario Nicoli

Continua a reflexão de Dario Nicoli sobre o tema das competências. O primeiro artigo foi publicado no IlSussidiario.net de 29 de março (e traduzido para o português por Paulo R. A. Pacheco; ndt). 

Este posicionamento só foi possível graças à consciência acerca das três dimensões fundamentais do saber:
- o saber possui uma dimensão lógico-cognitiva que pressupõe uma linguagem, um campo de referência e, além do mais, uma epistemologia que permite delinear os mapas conceituais e os esquemas cognitivo-operativos das disciplinas;
- o saber apresenta também uma dimensão afetiva e relacional que permanece escondida quando se reduz a inteligência a pura função de cálculo, memória e repetição. Todo âmbito disciplinar possui a capacidade de “sedução” no sentido que exprime um fascínio próprio capaz de atrair a pessoa e suscitar emoções. Assim, acontece uma mobilização da inteligência emocional, solicita-se ao estudante que se coloque em jogo, que cuide do objeto do seu estudo apreciando o caráter pessoal e social do saber, seja como procedimento seja como aspiração e necessidade;
- finalmente, o saber evidencia uma dimensão concreta: todo conhecimento está implicado na realidade que constitui seu ambiente, a partir do qual toma vida, dando nome às coisas e aos processos, tornando compreensível aquilo que acontece, contribuindo para formular hipóteses de solução e motivando a utilização dos instrumentos idôneos, fornecendo critérios apropriados para avaliar o percurso que se está percorrendo e sugerir melhorias. O caráter prático do saber está presente também na sua epistemologia: de fato, diz-se que um saber é abstrato no sentido de que foi “extraído” da realidade que representa o lugar no qual ele é necessariamente encorporado.
O poder da cultura e a “pessoa competente” – É exatamente devido a estas três características do saber – lógico-cognitiva, afetiva e relacional, concreta – que se podem pensar experiências de aprendizado não mais inertes, mas vitais, capazes de solicitar ainda mais a pessoa do estudante que, dessa forma, tem a ocasião de experimentar pessoalmente a cultura.
O jovem que se aproxima do saber é colocado, dessa forma, numa afeição que solicita a sua sensibilidade e suscita um vínculo e um desejo de aprender sobre; ao mesmo tempo, ele é levado a colher o valor daquilo que aprende, visto que, através dele, abre-se cada vez mais para a realidade, descobre a possibilidade de conhecê-la efetivamente e, portanto, se torna consciente das próprias capacidades e dos próprios talentos.
É preciso explicitar bem que a competência não é um objeto nem um fator que possa ser transferido do professor para o discente. Ela indica, em sentido próprio, a qualidade de uma pessoa, que é reconhecida quando esta se mostra capaz, com provas tangíveis e significativas, de mobilizar os próprios recursos – habilidades e conhecimentos – a fim de fazer frente, de modo adequado, às tarefas e aos problemas que lhe são confiados.
A competência não é assimilável nem a um conjunto de saberes, e nem mesmo a uma adaptação social, mas indica uma característica de natureza ético-moral da pessoa, uma disposição positiva diante do real. Competente é a pessoa autônoma e responsável que tem consciência dos próprios talentos e da própria vocação, possui um sentido positivo da existência, entra em relação de modo amigável com a realidade em todas as suas dimensões, de onde extrai os principais fatores em jogo, se insere de forma recíproca no tecido da vida social no qual age de modo significativo e eficaz.
As habilidades e os conhecimentos constituem a trama e, ao mesmo tempo, os ingredientes de uma ação formativa para tarefas e problemas que é capaz de solicitar o estudante no sentido da descoberta do valor do saber como fonte de afeição, útil, dotado de sentido.
Paola Mastrocola, no seu recente volume Togliamo il disturbo (Acabemos com o problema; ndt), na sua batalha antipedagógica, acha conveniente o expediente que tende a confundir a competência com a habilidade, reduzindo esta última a “exigência das empresas”. Na realidade, uma abordagem por competências permite que se fixe, de modo unívoco e comprometido para todos – professores, estudantes e famílias –, as metas necessárias para uma séria preparação do aluno: por exemplo, indicando nas evidências (ou desempenhos esperados) o correto domínio da língua ainda que apenas no perfil lexical, ortográfico e gramatical; além de, prevendo que o estudante saiba apresentar publicamente as obras literárias de autores tidos como indispensáveis, manifestando nisso não apenas preparação, mas também paixão e capacidade de convencimento junto dos seus companheiros. A abordagem por competências tem como meta, na realidade, “olhar para cima” e contrastar com a tendência à banalização do saber e ao desaparecimento de um real domínio pela palavra, mas o faz evitando posições restauradoras que não são credíveis porque não prestam contas com a realidade cultural e social do nosso tempo, que não é demonizada, mas compreendida, tomando dela o que tem de bom. Enquanto que o fechamento nas velhas escolas por pouco resulta numa operação, no longo prazo, pouco convincente exatamente naquele plano cultural que se declara, pelo contrário, desejoso de defender da enésima “nova barbárie”.
Nesta perspectiva, a escola pode, como afirma Jerome Bruner, cultivar as energias naturais que estimulam o aprendizado espontâneo ou “vontade de aprender”, aquelas que não dependem de uma recompensa externa, mas derivam de uma fonte intrínseca à pessoa, sendo inerente à feliz realização da atividade:
- a curiosidade: de fato, a mais singular característica humana é a atitude a ser aprendida;
- o desejo de competência, ou seja, o estímulo para enfrentar e resolver problemas, de forma que a competência se torna, por sua vez, um fator de motivação antes ainda de se tornar uma capacidade conseguida;
- a aspiração por emular um modelo proposto pelos professores entendidos como equipe, o que não significa necessariamente imitar o mestre, mas no fato de que ele se torne parte integrante do diálogo interno do estudante, uma pessoa de quem ele deseja o respeito, de quem quer fazer suas as qualidades;
- o compromisso consciente por se inserir no tecido da reciprocidade social, que representa o desejo intrínseco na natureza humana de responder aos outros e cooperar com ele tendo em vista um objetivo comum: há no vínculo social uma energia intrínseca para aprender, e não se trata de uma imitação, mas de uma dinâmica na qual se aprende reciprocamente.
A vontade de aprender é um motivo intrínseco, que encontra a sua fonte, a sua recompensa no exercício de si. Ela se torna um problema apenas em determinadas circunstâncias: como aquelas de uma escola na qual se impõe um programa, os estudantes são privados de toda iniciativa, a linha a ser seguida é rigidamente fixada. Portanto, não há um problema de aprendizado em si, mas de um método de ensino que impõe tarefas que não conseguem alavancar as energias naturais do aprendizado próprias do aluno.
O método para o aprendizado autêntico – O ensino não é uma sucessão de aulas e nem mesmo uma simples sequência de práticas operativas, mas é a organização e a animação de situações de aprendizado que se referem a situações reais na qual o sujeito é chamado a exercer papéis ativos, procedendo através deles na plena consciência e domínio também teórico dos saberes subjacentes.
Para trabalhar de modo consciente sobre as competências é necessário, portanto, coligar cada uma das competências a um conjunto delimitado de problemas e de tarefas; inventariar os recursos intelectivos (saberes, técnicas, saber-fazer, atitudes, competências mais específicas) colocados em ação pela competência considerada.
O discente se torna, dessa maneira, capaz de fazer uma experiência cultural que mobiliza suas capacidades e solicita suas boas potencialidades. O saber se mostra a ele como um objeto sensível, uma realidade ao mesmo tempo simbólica, prática e explicativa.
Isto comporta a escolha de ocasiões e de tarefas que consintam ao estudante fazer a descoberta pessoal do saber, reportar-se a ele com um espírito amigável e curioso, compartilhar com os outros esta experiência, adquirir um saber efetivamente pessoal.
É errado contrapor a didática por competências àquela por disciplinas; além do mais, a primeira, se bem entendida, contrasta a degeneração desta última que consiste na redução do trabalho do professor à transferência de uma certa quantidade de noções sem um vínculo buscado nem com os estudantes nem com a realidade, mas nem mesmo com os colegas. O ensino “empregadizado” se tornou uma rotina e, assim, a liberdade de ensino degenerou no automatismo.
O professor não se limita a transferir os conhecimentos, mas é um guia capaz de fazer perguntas, desenvolver estratégias para resolver problemas, levando o discente, assim, a compreensões mais profundas. Os “produtos” da atividade dos estudantes constituem as evidências de uma avaliação confiável, fundada em provas reais e adequadas.
O valor da didática por competências é definido pelas seguintes metas formativas: formar cidadãos conscientes, autônomos e responsáveis; reconhecer os aprendizados adquiridos; favorecer processos formativos eficazes e capazes de mobilizar as capacidades e os talentos dos jovens, tornando-os responsáveis pelo próprio caminho formativo; caracterizar de maneira europeia o sistema educativo italiano, tornando possível a mobilidade das pessoas no contexto comunitário; favorecer a continuidade entre formação, trabalho e vida social ao longo de todo o curso da vida; valorizar a cultura viva do território como recurso para o aprendizado; permitir uma corresponsabilidade educativa por parte das famílias e da comunidade territorial. (Fim da parte 2).

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 6 de abril de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

Os dois “inimigos” e o crime perfeito que assassinou a paixão dos estudantes


Por Dario Nicoli

O dilema da escola – A escola se encontra diante de um dilema de relevância histórica, que diz respeito à resposta que se deve dar à progressiva queda de motivação dos estudantes quanto aos estudos. De um lado existe a solução que vem prevalecendo e que pode ser definida como “cômoda”, e consiste no abaixar progressivamente as metas, reduzir a carga de trabalho, concordar as verificações, dar peso às condições psicossociais dos estudantes na hora de emitir juízo, conceder novas chances, aumentar as recuperações; de outro lado se percebe uma resposta de tipo “neo-rigorista”que aposta na circunscrição do papel da escola apenas à instrução, livrando-se de todas as “educações” que, nos últimos anos, foram acrescentadas aí, aumentar a importância e a gravidade da disciplina escolar, enfatizar a carga de trabalho dos estudantes, sustentar (ou, para dizer melhor, “armar”) o papel do docente com notas e sanções, estigmatizar lacunas e inobservâncias, selecionar.
Enquanto que a primeira estratégia tendencialmente transforma a escola numa espécie de serviço de animação cuja finalidade é cuidar dos problemas juvenis, a segunda acredita poder restabelecer o princípio de autoridade e de compromisso da forma como existiam no passado, ou seja, antes de 1968.
A bem dizer, ambas as respostas parecem inadequadas: a solução cômoda, com a intenção de “ir ao encontro dos jovens”, acaba por esvaziar a experiência escolar, transformando-a num tempo tedioso no qual nada acontece de interessante, reduzindo a cultura a formulazinhas e esquemas de valor ambíguo; a solução neo-rigorista, iludindo-se de poder desenterrar um tempo superado, só consegue fazer aumentar o mal-estar dos estudantes e sua aversão quanto aos estudos, aumentando a dispersão e a mudança para locais de estudo tidos como mais fáceis. Trata-se de uma alternativa entre duas visões, nenhuma das quais se revela, na prática, aceitável.
Elas apresentam um elemento comum decisivo: consideram indiscutível uma metodologia de ensino centrada na epistemologia das disciplinas, realizada segundo micro-sequências de horários divididas entre aula e exercícios, fundada em tarefas de tipo escolar não retiradas da realidade, com a finalidade não tanto de amadurecer a personalidade do estudante através da cultura, mas de dar notas. Ambas assumem como inevitável a “visão dos dois tempos”: primeiro, é preciso estudar, depois do diploma será possível aplicar na realidade aquilo que se apreendeu. Uma escola assim, cuja principal marca é a inércia, não é, de forma alguma, capaz de enfrentar os desafios do tempo presente e, particularmente, a irrupção no mundo juvenil da irrealidade, ou seja, da estética da aparência e do consumismo.
O desafio da hiperrealidade – A desmotivação dos jovens para o estudo não é sintoma de enfraquecimento das capacidades intelectivas de uma geração inteira, mas encontra sua explicação naquele “crime perfeito” de que Jean Baudrillard falou de modo convincente: a realidade teria sido substituída pelas representações fictícias que se mostram mais interessantes e envolventes do que os conteúdos dos estudos apresentados de modo inerte.
A hiperrealidade, feita de objetos, mídia, informação, espetáculo, ilusão, é feita de experiências intensas e envolventes, que povoam o mundo dos jovens e constituem um formidável competidor da escola. Esta realidade virtual solicita a imersão total, uma fingida participação em causas que, se fossem realmente enfrentadas, seriam beneméritas, uma espécie de relação imediata com tudo e com todos realizada através da anulação das distâncias dentro de um espaço que engloba tudo no instante.
Disso advém a impressão de uma juventude desmotivada para os estudos, amorfa diante das solicitações escolares, que tende a considerar o estudo como um desempenho dirigido apenas à aquisição da nota e do boletim. Diante do perigo de uma “selvageria” da juventude, resultado da ação da poderosa agência antieducativa constituída pelo mundo das mídias e dos consumos, com seu sedutor mito de uma vida fácil, leve, prazerosa e voluntariosa, faz-se urgente que a vida escolar adquira o valor de experiência cultural, através da qual os jovens possam ampliar a própria capacidade de visão da realidade, experimentar o gosto da descoberta e da conquista pessoal do saber.
De tal modo, experimentando a dimensão real própria da cultura, eles poderão se tornar conscientes dos valores da civilização a que pertencem, desejar as metas mais altas ligadas às próprias atitudes e potencialidades, adquirir uma disciplina que permita a eles perseguir essas atitudes e potenciais com convicção, superando as dificuldades que, necessariamente, se encontram nesse caminho, a ponto de se tornarem protagonistas da própria história pessoal e capazes de contribuir com a própria ação para o bem de todos.
Portanto, a teoria dos dois tempos se mostra fraca: a escola não pode se limitar a uma transferência de noções, mas deve, através do encontro com a cultura, habilitar os jovens a entrar de forma positiva no mundo real, fornecendo a eles pontos de referência, tornando-os conscientes de suas potencialidades, aproveitando as possibilidades de bem, de justiça, de beleza que insistem na realidade, ensinando a eles a conectar o presente com o passado e imaginar o futuro de modo razoável, agindo nele como verdadeiros caçadores e construtores de sentido.
Mas, para fazer isto, assim como ensina Edgar Morin, é preciso superar um sistema didático que aposta no isolamento dos objetos de seu ambiente, na separação das disciplinas, na disjunção dos problemas, mais do que na vinculação e na integração, através de uma abordagem que ajude os jovens a interconectar os conhecimentos separados, sair do local e do particular concebendo conjuntos, capaz de prolongar-se numa ética de solidariedade entre os homens. Assim sendo, será sustentada a atitude para organizar o conhecimento, o ensino da condição humana, o aprendizado da vida e da incerteza, a educação para a cidadania.
Da escola depositária do saber à maiêutica do real – Esta nova abordagem solicita que se passe da informação para a formação, encorajando uma postura ativa quanto ao conhecimento, mais do que uma postura passiva que recorre à mera autoridade. Impulsiona a reencontrar na realidade, de modo seletivo, o material sobre o qual dar sequência à obra da educação.
A União Europeia se faz porta-voz desta passagem, sobretudo quando solicita que se considere como “cultura” todo aprendizado, seja lá qual for o modo como é adquirido (formal, não formal, informal), e propõe que se dote cada cidadão com competências-chave que lhe permitam viver como protagonista na sociedade do conhecimento.
As conseqüências desta mudança consistem no envolvimento da comunidade na tarefa educativa e formativa, e na superação dos currículos formais para optar decisivamente por uma pedagogia do real. Para a Itália, trata-se, particularmente, de evitar cair numa espécie de autoritarismo vazio, para enfrentar a educação para a verdade e, ao mesmo tempo, a educação moral partindo de experiências que permitam uma descoberta pessoal e, portanto, uma relação vital com o saber.
Isto obriga a um modo de fazer experiência do saber que permita à pessoa mobilizar-se diante da realidade, a ponto de poder ser capaz de compreender, se orientar e agir. É preciso mobilizar a pessoa de modo ativo na sua relação com as tarefas-problema, de modo a estimular nela a autonomia, a iniciativa concreta, o definitivo desejo de aprender através do envolvimento pessoal. É isso que se entende por “competências” (Fim da parte 1).

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 29 de março de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Pequeno guia para ter vontade de estudar


Por Luigi Ballerini

Interesse é um lema, ou melhor, uma questão que aparece frequentemente nas páginas deste jornal, na seção Educação. Recentemente, inclusive, com os artigos de Foppa Pedretti e de Francesco Valenti, que trouxeram à tona este tema de novo.
É uma questão que me preocupa muito, não bastasse tão somente a frequência com a qual escuto das pessoas que vêm me procurar coisas como: não me interessa, na variante fornecida pelo jovem ou não lhe interessa na lamentação dos pais. Comumente também esta última ainda mais radical e preditivamente definitiva: não lhe interessa nada!
Eu seria tentado a discutir a variante do adulto, que tão frequentemente está viciada pela falta de reconhecimento da realidade objetiva: não existe jovem algum a quem, de verdade, nada interesse, a menos que já viva o grave arrastar-se em direção a um estado catatônico. O mais comum mesmo é que o problema está no fato que seus interesses são diferentes daqueles que escolhemos nós, daqueles que desejamos para ele. É uma questão que se refere ao jovem ideal que, como adultos, temos na cabeça, que nos torna incapazes de olhar para o jovem real e partir dele. Talvez partir exatamente daquele seu único interesse que nunca devemos desprezar ou desencorajar, a menos que não lhe acarrete danos, mas que, pelo contrário, deve ser estimado simplesmente pelo fato de existir.
Neste contexto, sou obrigado a enfrentar o tema segundo uma perspectiva mais ampla. Gostaria de observar como a questão do interesse é, em geral, tratada a partir de um erro geral, que envolve adultos e jovens. Antes, primeiro os mais velhos.
Todos vivemos em meio a uma estranha crença, segundo a qual o interesse se gera sozinho. Seria, de fato, algo de indefinido, uma espécie de frisson da alma que, nos exortando por dentro, nos tornaria capazes de vontade, empenho e dedicação no perseguir um dado fim ou seguir uma certa estrada. Há aqueles que pendem mais para o lado sentimental, acreditando que seja uma emoção ou um arrepio interno; e há quem penda para um lado mais racional, considerando-o uma espécie de pura decisão do eu.
O erro comum é pensar que antes exista (ou chegue) o interesse e, depois, segue-se (quase que mecanicamente) o empenho com o objeto, de forma que a matéria de estudo escolar é entendida tão somente como uma das possíveis aplicações, ainda que seja ela aquela sobre a qual se tem maior tendência de se fixar. O interesse, pelo contrário, não se autodetermina, não nasce por abiogênese ou por geração espontânea. O interesse é sempre suscitado, solicitado pelo real.
Disso nasce a reviravolta que nos permite ajudar os jovens: não é porque a história interessa que se começa a estudá-la, mas ela interessará na medida em que começar a estudá-la. Verificada a correspondência que ela tem com você, por exemplo na sua capacidade de se permitir conexões, na sua utilidade para compreender o presente, no suscitar ideias novas.
Mesmo aqui não há nada de automático. Restarão ainda seguramente coisas menos correspondentes, menos fascinantes, mas só serão assim na medida do juízo do sujeito, não na medida de um preconceito. Consideremos, todavia, que tanto mais um sujeito está bem, tanto mais é potencialmente interessado por tudo.
Por isto, diante de uma certa apatia de um jovem – da qual nunca devemos nos resignar, resolvendo-a como um mal necessário da idade, sem nos perguntarmos sobre as suas reais motivações – é preciso intervir, fornecendo um suplemento de energia: comece a trabalhar! Mesmo se aquilo que você tem que enfrentar lhe pareça imediatamente distante de você. Depois, me diga... O convite não é ao empenho por causa de uma obediência genérica ou por mera obrigação, mas para experimentar a existência ou não de um ganho, de um suplemento.
O conceito de interesse que, pessoalmente, me preocupa é muito próximo daquele que tenho como correntista bancário: aplico o que é meu, ou seja, invisto, para obter algo a mais. E alguns casos – e sabemos que vale também para alguns investimentos financeiros – mesmo não previsíveis ou não predetermináveis no início.
Somente há muito pouco tempo é que comecei a entender um dito que eu usava na sua conotação mais negativa: vem ni mim vontade de estudar. Recentemente, descobri que essa pode ser a esperança para um jovem saudável, porque acontece exatamente assim: a vontade de estudar (mas também a de trabalhar, a de amar, a de se empenhar socialmente, a de assistir a um filme), no início, salta sobre nós, chega de outra coisa, representa o convite que o real – com tudo o que o constitui – me faz. Não nasce in primis de dentro, do meu esforço coerente ou teimoso.
Depois, certamente, caberá a mim prosseguir, mas nesse caso, o meu interesse – do qual derivam o empenho e a dedicação – será a forma que assume o desejo do repetir-se de uma experiência satisfatória, uma experiência de ganho pessoal.
Então, dizer me interessa raramente é um dado de partida. É muito mais um acontecimento, no sentido de que acontece. E além do mais o é na medida em que é um convite, aos treze ou aos cinquenta anos de idade.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 15 de março de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Cartas do P.e Aldo 180

Asunción, 25 de fevereiro de 2011.

Caros amigos, este mês foi, para mim, uma sucessão de fatos que me provocaram muito e, ao mesmo tempo, me tornaram mais consciente da minha pertença a Cristo através daqueles rostos nos quais a evidência do Mistério é concreta, precisa e cheia de comoção. Amizade que, em cada momento, me grita “É o Senhor!”, como naquela alvorada, no lago de Tiberíades, quando Pedro acordando na barca e olhando para a margem do lago, não reconhecendo o Senhor que vinha em direção a ele, assustado pensou que era um fantasma, mas de repente o amigo João, que carregava nos olhos e no coração o encontro tido com Jesus naquele dia às margens do Jordão, reconhece quem era aquele “fantasma” e grita aos amigos da barca: “É o Senhor!”.
Foi suficiente que um deles reconhecesse que era Jesus para que Pedro, o homem do medo, frequentemente vítima das suas fantasias, se lançasse na água do lago para alcançar aquele homem, abraçá-lo, deixar-se abraçar e, naquele abraço, sentir toda a Sua ternura, aquela ternura que é a única que pode salvar o homem.
“É o Senhor!”. Não posso viver sem que alguém continuamente me recorde, desperte em mim esta consciência, para que as duras circunstâncias da vida não me sufoquem. Como seria possível, sem esta certeza de que “é o Senhor!”, olhar no rosto a dor das minhas crianças, dos meus doentes e também a minha dor? Porque cada lágrima, cada gemido são também meus.
Neste mês, estive quatro vezes no Brasil. Certamente, para alguns pode parecer exagerado. Mas, eu lembro bem que, quando a depressão me atormentava a vida – nos inícios de 1989 –, em poucos meses, eu havia feito 20 mil quilômetros procurando refúgio nos diversos santuários marianos do norte da Itália e nos pouquíssimos amigos que podiam me fazer companhia. A pessoa se move apenas na medida em que é atraída por uma beleza, e a beleza é sempre dramática, porque a beleza é a vida ou a realidade definida pelo encontro com Cristo. Antes, como agora, o que me move a fazer estas viagens é a minha necessidade de estar próximo de quem, afetiva e efetivamente, me chama a atenção, me remete a “é o Senhor!”.
É nesta óptica que nasce a preferência, aquela preferência que envolveu na mesma experiência também o P.e Paolino e outros amigos que vivem comigo. Uma preferência que se dilata sempre mais e que se reflete no abraço a toda criança, a todo ancião, a todo paciente terminal. É possível carregar consigo a dor dos outros apenas se a sua dor é compartilhada com alguém que lhe quer bem. e não porque isso seja capaz de substitui-lo no enfrentamento da própria dor, mas apenas porque lembra a você que “é o Senhor!”, porque, na medida em que você está próximo daquela dor, você é remetido à doce Presença de Jesus. Certamente não faltam dificuldades, mas na experiência de olhar a Jesus no próprio rosto tudo se torna bem, mesmo o cansaço de estar aqui, no aeroporto de São Paulo, esperando o avião que sempre se atrasa absurdamente, de forma que chegarei em casa apenas às 3 da manhã.
É exatamente graças a esta fadiga que, na certeza de que “é o Senhor!”, posso enviar a vocês estas linhas, a fim de lhes comunicar a alegria de estar junto dos amigos que me recordam constantemente a única coisa que me interessa: “É o Senhor!”.
Deus queira que todos possamos ter esta alegria nos nossos rostos, não importando onde nem como, mas que nos lembrem sempre: “É o Senhor!”. A pessoa se move apenas por isto. O problema não são os quilômetros ou os metros, mas a consciência de que apenas Cristo realiza, educa àquele desejo de vida que todos carregam dentro de si. Não vejo a hora de rever os meus filhos, para lhes dar esta certeza que também é um frescor afetivo cada vez maior.
Com afeto
P.e Aldo

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Quando um professor é credível?


Por Guido Gili

Um sociólogo contemporâneo, Norbert Elias, observou que existem três modos para conhecer a realidade, três formas principais de aprendizagem.
1. Antes de mais, nada, é possível conhecer por experiência direta, ou seja, quando somos testemunhas de um fenômeno ou de um evento e a nossa inteligência é interrogada acerca do que acontece. Portanto, conhecemos um fenômeno ou um evento vendo-o e “vivendo-o” diretamente, participando dele diretamente. O conhecimento imediato no mundo da vida cotidiana, mas também o conhecimento científico – através da observação experimental ou da pesquisa de campo – constituem modalidades diversas desta primeira forma de conhecimento e de aprendizagem.
2. Também é possível conhecer a prender através da observação e da imitação do comportamento de um outro. Isto acontece, por exemplo, no caso do conhecimento prático: por muito tempo a aprendizagem de um profissão aconteceu através desta modalidade e isso vale, em muitos aspectos, ainda hoje. É possível aprender vendo um outro em ação. Também quando se trata da aprendizagem de valores – e sobre isto voltarei depois – que, originalmente, acontece através da observação e da imitação de um outro.
3. Finalmente, é possível conhecer e aprender através dos símbolos, ou seja, através de um relato, uma descrição, uma narração da realidade feita por alguém que se serve de algum tipo de linguagem: a linguagem verbal ou escrita, a linguagem matemática ou das imagens visíveis. Grande parte do nosso conhecimento, hoje, se forma desta maneira: através do testemunho ou do relato, ou seja, através da mediação de um outro.

Desta premissa emerge que grande parte do nosso conhecimento do mundo, mas também do nosso eu, envolve a presença de uma outra pessoa, de um outro sujeito; passa através da presença e da ação de um outro que eu olho, escuto, de quem aprendo.
Se, necessariamente, o conhecimento implica sempre a nossa experiência e o nosso juízo, ao mesmo tempo esta experiência e este juízo são solicitados, estimulados, provocados pela presença, pelas palavras, pelos gestos, comportamentos de outros, sobretudo daqueles que o psicólogo social George Herbert Mead definia como outros importantes ou outros significativos, isto é, aqueles que são figuras relevantes na nossa vida, com os quais sempre nos confrontamos interiormente mesmo na sua ausência.
Mesmo no conhecimento por experiência direta não nos aproximamos de fenômenos como se fôssemos tabulae rasae, mas sempre nos aproximamos com uma pré-compreensão, uma hipótese, uma ideia daquele fenômeno que obtemos da experiência do mundo precedente que os encontros com os outros, sobretudo os outros importantes, plasmaram
Se, portanto, o nosso conhecimento da realidade envolve sempre, de modo direto ou indireto, a presença de um outro, então se torna absolutamente central o tema da credibilidade e da confiança. A credibilidade do comunicador, daquele que fala ou age, e a confiança do destinário, daquele que observa, escuta e aprende, são a pedra angular de toda relação cognoscitiva, comunicativa e educativa.
Esta conferência se concentrará, por isso, sobre o tema da credibilidade em geral e da credibilidade (e da responsabilidade) do professor em particular, porque a essência do trabalho do professor é ponte, veículo e sustento do conhecimento e da experiência de seus alunos.

1. A credibilidade é uma relação
O que é a credibilidade? Quem é credível? A estas perguntas muitos responderiam imediatamente: “é credível quem é honesto, coerente, sincero, confiável”. É a resposta que deu mesmo Aristóteles, que, na Retórica, observava que acreditamos mais facilmente nas pessoas honestas, sobretudo naquelas questões que não comportam certeza, mas opinião. A credibilidade é considerada, portanto, uma qualidade pessoal, uma característica moral da pessoa.
Todavia, se refletirmos melhor, a credibilidade não é apenas uma característica pessoal: é algo que é reconhecido por outros. Mesmo se, evidentemente, não pode prescindir das qualidades pessoais – que são o seu fundamento –, a credibilidade é uma relação, um relacionamento. De fato, dizemos: “eu reconheço que você é credível, eu acredito em você, eu lhe dou minha confiança”. Frequentemente, quem é credível para alguém não o é para outros, não do mesmo modo, na mesma medida ou pelas mesmas razões. A credibilidade é sempre algo que “acontece” na relação, algo que se joga na relação. É sempre um desafio e uma aposta. Certamente, a credibilidade é fundada sobre a reputação adquirida, ou seja, sobre a credibilidade experimentada, construída, consolidada no tempo através de muitas confirmações, mas deve ser reconstruída e reconquistada todas as vezes. É isso que se experimenta cada vez que se entra numa nova sala de aula, ou que se encontram novos jovens. A boa ou a má fama que nos precede (esperamos que boa!) não é suficiente, porque a partida da nossa credibilidade e da sua confiança se joga naquele momento, é um relacionamento que começa a se construir naquele momento.
Há também outro aspecto sobre o qual se deve lançar luz. Em toda relação comunicativa, as pessoas se atribuem reciprocamente uma maior ou menor credibilidade. Contudo, atribuir ao outro alguma credibilidade constitui, como Hans Georg Gadamer observou, o acordo sobre o qual se rege toda relação comunicativa e, no fim das contas, toda relação humana. Sempre antecipamos ao outro alguma forma de credibilidade, de confiabilidade. Mesmo a incompreensão, o desentendimento (não querido) ou o engano (querido) são necessariamente precedidos por uma antecipação de credibilidade, de confiança, ou seja, do pressuposto da sensatez e da verdade daquilo que o outro afirma. Em todo relacionamento com um outro há, portanto, uma abertura de crédito. De outra forma, nem mesmo nos voltaríamos ao outro, nem mesmo o olharíamos, não começaríamos nem mesmo a falar com ele.
Neste ponto, é preciso dar um novo passo e nos perguntarmos: em que medida reconhecemos alguém como credível? Quais são as “raízes” ou as “causas” da credibilidade, as razões para que alguém diga para um outro: “sim, eu reconheço que você é credível, escuto o que você diz, confio em você, lhe sigo”? Existem, essencialmente, três grandes raízes ou três grandes causas da credibilidade.
A primeira é constituída pelo conhecimento e pela competência. E a credibilidade de que goza “aquele que sabe”, que dispõe de um saber confiável, que tem sólidos fundamentos. As duas formas principais desta primeira raiz da credibilidade são a credibilidade da testemunha de boa fé e a credibilidade do especialista. Na sociedade moderna, a figura por excelência do especialista é a do cientista, ou seja, daquele que se jacta de e “produz” um conhecimento metodologicamente fundado, mas a credibilidade fundada sobre o conhecimento/competência é também aquele do professor como especialista de uma determinada disciplina, do médico na medida em que é capaz de cuidar segundo os ditâmes da ciência médica, ou do jornalista quando realiza o seu trabalho de testemunha direta dos eventos segundo as regras da acuidade, a completude, da verificabilidade da informação. Em síntese, é a credibilidade da pessoa que “sabe o que diz” e assume a responsabilidade pelo que diz.
A segunda raiz da credibilidade é a coerência entre os valores que se afirmam e a conduta concreta de vida. Essa, portanto, não diz respeito, em geral, às concepções daquilo que é bom, justo, estimável, desejável, mas como tais concepções se tornam princípio e critério do comportamento. Neste sentido, eu considerarei mais credível aquelas pessoas que encarnam, ou seja, me mostram de maneira evidente no seu modo de ser e de agir os valores que professam, mesmo quando isso implica “custos” em termos de sucesso ou aprovação social.
A terceira raiz da credibilidade é constituída pelo vínculo e pela afetividade. É aquela forma de credibilidade que nos leva a dizer: “eu acredito em você, me confio porque quero o seu bem (e penso que você também queira o meu)”. É a credibilidade que se fundamenta na percepção de um vínculo positivo e que é fonte de bem-estar, como acontece, por exemplo, no relacionamento entre mãe e filho, sobretudo nos primeiros anos de vida. Sem dúvida, a mãe dispõe de conhecimentos e competências que a criança reconhece e segue (a primeira raiz); representa e encarna aqueles valores, ou seja, aqueles modos de ser e de agir que impulsionam a criança à imitação (a segunda raiz), mas é essencialmente o vínculo, o afeto profundo da criança pela mãe que o impulsiona a acreditar nela, a ter confiança nela. Também faz referência a esta raiz o relacionamento de amizade e, em geral, o fato de tendermos a compreender como mais credíveis aqueles que nos são “simpáticos”, ou seja, aqueles por quem sentimos uma imediata atração ou correspondência, do que aqueles que nos são antipáticos e por quem nutrimos sentimentos negativos.
Neste ponto, é possível enfrentar a questão da credibilidade do professor.
O professor está no centro de um sistema de relações com uma pluralidade de sujeitos que exprimem diversas expectativas quanto a ele, às vezes até mesmo contrastantes: as expectativas dos jovens, dos pais, dos colegas, dos diretores, do Ministério, da mídia, da sociedade em geral. Cada um desses sujeitos propõe diversas expectativas de credibildiade quanto ao que respeita ao professor. Nenhuma dessas expectativas ficará sem atenção; porém, mesmo não esquecendo os outros interlocutores, esta reflexão se concentrará na relação entre o professor e os jovens, visto que eles são os destinatários da relação educativa, os principais interlocutores do trabalho cotidiano do professor. Porque a escola existe para eles.
Tentarei, portanto, examinar as três raízes da credibilidade do professor no relacionamento com os estudantes, na interação cotidiana, no trabalho cotidiano em sala de aula.

2. A competência disciplinar e didática
A primeira raiz da credibilidade, como dissemos, é o conhecimento e a competência. Qual é, portanto, a competência do professor, de quais fatores ou dimensões é constituída? Quatro dimensões emergem como particularmente relevantes.
1. Antes de mais nada, o professor é um especialista de uma disciplina ou de um conjunto de disciplinas, e o seu papel é transmitir o conhecimento dos conteúdos destas disciplinas. Portanto, o primeiro aspecto é uma competência disciplinar. Tal competência se associal imediatamente à ideia de um bom professor. Ela pode ser mais ou menos especializada a depender do grau escolar, do tipo de escola e de disciplina ensinada, e não se refere apenas à dimensão teórica, mas também inclui habilidades e capacidades práticas, por exemplo em disciplinas técnico-práticas e de laboratório.
2. O segundo aspecto diz respeito à capacidade de ensinar, ou seja, aquele conjunto de competências didáticas e metodológicas que permitem transmitir do modo mais eficaz e envolvente possível estes conteúdos disciplinares e culturais. Às vezes, ouvimos dizer: “ele é competente, sabe bem a sua matéria, mas não sabe ensinar”. Por isso, ensinar não é simplesmente conhecer bem os conteúdos, mas saber transmiti-los de modo eficaz, interessante, fascinante. E, portanto, é preciso esforçar-se (e se empenhar) para imaginar as melhores modalidades para ensinar de modo didaticamente eficaz, mesmo que através de uma formação continuada.
3. A terceira dimensão da competência é a competência comunicativa. Aspecto essencial da competência comunicativa é a capacidade de identificar as modalidades comunicativas mais eficazes, ou seja, que melhor respondam, de um lado, ao escopo de quem comunica, de outro, à situação concreta da interação na qual ele age, ou seja, com aqueles estudantes, num contexto determinado, naquela escola, naquela cidade. Os estudantes são os destinatários designados pelo professor. A sua comunicação deve, portanto, ser construída, concebida para aqueles estudantes, levando em consideração sua situação, não referida a um modelo ideal/abstrato de estudante que existe apenas na sua representação.
4. A quarta dimensão da competência é a que, com as palavras de outro sociólogo contemporâneo, Erving Goffman, podemos definir como competência ou habilidade “dramatúrgica”. Uma característica essencial do trabalho do professor é agir constantemente sobre uma ribalta, diante de um público. Estar expostos contantemente ao olhar dos outros – mesmo quando se trate de crianças ou de adolescentes –, um olhar que, de alguma forma, contém uma expectativa e um juízo, implica inevitavelmente uma fadiga e exige uma atenção, um “cuidado” e uma “auto-disciplina expressiva”. Esta fadiga tem também outro componente fundamental: o ter que sustentar e apoiar a fadiga de outros, da criança e sobretudo do adolescente que está enfrentando o processo de construção de uma identidade própria. 
Por isto, é essencial para o professor saber “manter o cenário”. Nem todos têm as mesmas qualidades e capacidades: há quem é mais extrovertido, mais seguro de si, mais simpático, mas isto é também um problema com o qual todos devem prestar contas. A habilidade dramatúrgica do professor se especifica em dois aspectos: o “dinamismo” e o “imediatismo”. O dinamismo é essencialmente a energia e a participação emotiva que o professor investe na sua representação, a sua capacidade de controlar e animar o ambiente e o clima relacional da sala de aula; o imediatismo é a disponibilidade para “encurtar as distâncias” com os estudantes. Todas as pesquisas sobre a credibilidade (do professor) percebida (pelos estudantes) sublinham a importância que estes aspectos assumem para a motivação dos estudantes e para os processos de atenção, compreensão e memorização.
Todos estes conhecimentos e competências nos quais se exprime a “capacidade de ensinar” não estão, porém, simplesmente a serviço da aquisição de conteúdos disciplinares compreendidos como um conjuntos de informações, mas estão a serviço da capacidade de pensar e julgar. O objetivo é a educação ao uso da razão. A razão é a faculdade de juízo, a capacidade de juízo. Educar significa fazer emergir, cultivar nos jovens a capacidade de juízo.
1. Julgar significa buscar, descobrir, fazer emergir: a) os nexos, as relações, as ligações entre as coisas, os fenômenos, os eventos; b) os significados do agir humano e das relações humanas e o relacionamento entre os significados e os sinais, ou seja, as formas sensíveis, perceptíveis que os expressam; c) os relacionamentos de prioridade, as hierarquias de relevância, as distinções/relações entre aquilo que é primário e secundário, essencial e contingente, o que vale mais ou menos para a vida humana do ponto de vista ontológico e ético.
A faculdade/capacidade de julgar diz respeito tanto aos fenômenos físicos e naturais, como aos fenômenos humanos e culturais, que solicitam, cada um, um método adequado de conhecimento. Se considero, por exemplo, o homem e as relações humanos, deverei encontrar um método adequado ao objto que pretendo conhecer. Assim, o sentido da ação humana e social pode ser adequadamente compreendido apenas na medida em que se refere à intencionalidade, às motivações e às exigências daquele que age e não pode ser apenas referido a causas e condicionamentos externos ou a mecanismos e pulsões internas (mesmo que existam), porque isso não seria adequado ao objeto e ao objetivo cognoscitivo a que se destina (ou seja, produziriam uma explicação reducionista). 
2. A segunda dimensão da razão é a capacidade de colher o nexo, a relação entre a atividade do conhecimento e a vida daquele que conhece. Isso se expressa na pergunta: o que aquilo que “acontece” no mundo implica, para mim, em termos de conhecimento, decisão e ação sobre a realidade ?
Para o professor, trata-se de colher e mostrar o relacionamento entre um saber disciplinar particular e a realidade ou, em outras palavras, a sua utilidade. Frequentemente, ouve-se dizer que as disciplinas devem ser divertidas para facilitar a aprendizagem. Que sejam divertidos é um aspecto apenas secundário: o elemento essencial é que sejam interessantes. Mas, o que interessa? Interessa aquilo de que se colhe o nexo com a experiência, que permite entender mais a própria vida e a própria experiência.
A falta de inteligência coincide, neste caso, com o risco da abstração, no sentido literal do termo, do estar fora, não dentro da realidade. Os estudantes dizem frequentemente: “mas, isto serve para quê?”, “por que tenho que estudar isso?”, que é como estar dizendo “não entendo o nexo”. É preciso, então, perguntar-se como tornar interessante a própria disciplina, ou seja, como torná-la conectada à realidade, quer se trate de matemática, de física, de biologia, de literatura, de filosofia ou de história da arte, de contabilidade ou estatística.
3. Educar a razão significa também colher e mostrar a conexão entre os saberes, as formas de conhecimento, ou seja, entre as disciplinas (é o famoso conceito de interdisciplinaridade). Por quê ?
Antes de mais nada, todo fenômeno, todo evento, todo aspecto da realidade que observamos tem uma articulação interna, uma complexidade, que nenhuma disciplina exaure ou pode compreender inteiramente. Portanto, nenhuma disciplina basta a si mesma, mas tem necessidade de estar integrada a outras, ou seja, a outras pespectivas que permitem compreender a realidade de que se ocupa. Ainda uma vez, isso se torna mais evidente quando estudamos o agir e as relações humanas.
Em segundo lugar, um olhar interdisciplinar responde às exigências da razão, porque todos os saberes e as disciplinas são, de certo modo, “ciências do homem”, isto é, têm como finalidade conseguir um conhecimento e um controle do ambiente no qual o homem vive e conseguir também dirigir a ação humana. Numa palavra, servem para que o homem entenda a realidade (a começar da própria “realidade interna”) e aja com inteligência sobre a realidade.
Finalmente, como nos mostraram a psicologia e as ciências da mente, a interdisciplinaridade se justifica com o fato de que a inteligência é uma faculdade que inclui muitas capacidades, atitudes e competências não redutíveis simplesmente às formas lógicas e verbais. Pensemos, por exemplo, na teoria de Sternberg que distingue entre uma inteligência mais abstrata (ou “analítica”), uma inteligência prática (ou aplicada, fundamental na vida cotidiana) e uma forma de inteligência criativa (que consiste na capacidade de identificar caminhos novos e soluções originais). Ou, mais recentemente, a teoria das “inteligências múltiplas” de Gardner, que identifica uma inteligência linguística, lógico-matemática, espacial, musical, corpóreo-cinestésica, intrapessoal e interpessoal. São, como diz Gardner, diversas frames of mind, formas de organização da mente e do conhecimento do mundo, mas também diversas formas de expressividade e de “excelência” pessoal, que visões muito monolíticas e unitárias tenderiam a descuidar (e isto, evidentemente, não é apenas um problema cognoscitivo, mas de definições socialmente determinantes dos saberes “dominantes” que exprimem e revelam relacionamentos e hierarquias sociais: por exemplo, na nova cultura empresarial que inspirou a reforma universitária, a prioridade é dada sobretudo aos saberes rentáveis, que produzem dinheiro e patentes para as empresas).
4. Educar a razão significa abri-la aos grandes temas e às grandes perguntas. Aqui, o risco a ser combatido é o fechamento – e o sufocamento – em âmbitos de conhecimento setoriais. O especialismo, antes de ser uma prática, é uma postura mental (restrita). Nas sociedades do passado o ser sábio ou erudito se voltava para todo o conhecimento humano e coincidia com um  ideal de perfeição moral (o ideal da “sabedoria”). Com o desenvolvimento da ciência moderna, cada vez mais a competência foi se restringindo e se especializando. Mas, o conhecimento, mesmo que se desenvolva em percursos cada vez mais especializados, como é solicitado pelo desenvolvimento da ciência moderna e da crescente complexidade social, contém sempre tensão para a totalidade. Não é preciso recordar Platão e Aristóteles que diziam que a filosofia como pergunta sobre o sentido da realidade – mas isso vale para todas as formas de saber humano – nasce do maravilhamento. Sem esta abertura, constituída de maravilhamento e curiosidade, não existe verdadeira pesquisa, nem verdadeiro conhecimento.
5. Finalmente, um último aspecto da educação da razão. Existem muitas coisas no céu e na terra do que a nossa capacidade de conhecer pode imaginar ou sonhar, nos lembra Hamlet de Shakespeare. A razão é, por isso, também abertura àquilo que ela não pode conter, que a ultrapassa. Deste ponto de vista, como emerge das reflexões de muitos grandes cientistas, a humildade não é apenas uma postura moral, mas é uma estrutura da razão. A última pergunta da razão, que não pode exaurir, diz respeito ao nexo total que une os eventos do mundo, a nossa vida e a “consistência” última de todas as coisas. Por isto, João Paulo II, Bento XVI e padre Giussani enfatizaram tanto o fato de que a fé e a razão não são contrárias uma à outra, que a fé como hipótese de sentido sobre a realidade – a abertura ao Mistério – é conclusão e realização da razão.
Sobre este ponto gostaria de concluir com uma última observação. Adestrar, cultivar, alimentar, educar a razão como capacidade de juízo é essencial, porque tem que ver diretamente com a liberdade pessoal.
A liberdade apresenta dois aspectos profundamente ligados: a) é a autonomia de juízo, ou seja, a capacidade de dirigir por si mesmo a própria vida, a responsabilidade das próprias escolhas e da própria ação. Portanto, a capacidade de pensar ou agir não seguindo ou sofrendo as pressões ambientais, a opinião da maioria, os modos de comportamento ou as modas culturais dominantes. b) Na busca pessoal pelo verdadeiro, a capacidade autônoma de juízo está sempre intimamente ligada à capacidade de escuta, isto é, à capacidade de reconhecer o verdadeiro (e o bem), lá onde ele se mostra através das palavras e dos comportamentos dos outros com os quais estamos em relação.
Finalmente, cultivar a capaciade de juízo assume também o sentido de um desafio e de uma tarefa cultural cada vez mais decisivos no nosso tempo. A maior disponibilidade de recursos informativos que a mídia e as novas tecnologias da informação e da comunicação nos colocam à disposição pedem ao mesmo tempo uma maior e mais elevada capacidade no saber se orientar entre as fontes, confrontar as mensagens e selecionar aquilo que é interessante e relevante. Ou seja, exige uma maior e mais consciente capacidade de juízo.

3. Os valores na ação educativa
A segunda raiz da credibilidade, como dissemos no inicio, tem que ver com os valores. Na ação do professor, eles se desenvolvem em duas direções: 1) os valores no próprio trabalho; 2) os valores que guiam o relacionamento com os jovens.
Creio que estes valores podem ser resumidos em uma única palavra: a justiça. Portanto, uma justiça (e uma moralidade) no próprio trablaho e uma justiça (e uma moralidade) na relação com os estudantes. Estes dois aspectos, como é fácil intuir, estão entrelaçados, mas, para maior clareza, é melhor examiná-los distintamente.
3.1. A justiça no próprio trabalho 
Dois psiquiatras, Benasayag e Schmit, escreveram recentemente um livro a partir de sua experiência profissional cotididiana, cujo título é bastante significativo: A época das paixões tristes. Eles mostram que o nosso tempo é caracterizado pela passagem de um sentimento do futuro como promessa e espera para um sentimento difuso do futuro como ameaça. Há um fechamento no presente (mesmo que seja um presente que se percebe como insatisfatório) e a implosão do desejo do futuro, que é temido mais do que esperado, desejado, preparado. Isso se manifesta também nas posturas e nas concepções que guiam a atividade na escola. Exatamente em referência a este aspecto, os autores observam que “o desejo é simplesmente o fundamento mesmo da aprendizagem”. Neste termo estão sintetizados os conceitos de motivação, curiosidade, interesse, participação emotiva que, como muitos estudos sobre o funcionamento da mente já explicaram muito bem, estão na base da aprendizagem, da compreensão e da memorização. O significado fundante do desejo vale em ambos os lados da relação. Vale do lado de quem quer/deve aprender, porque sem desejo de aprender não se aprende nada, se aprende de modo apenas superficial e sem raízes. Mas vale também do lado de quem quer/deve ensinar. Sem desejo não se ensina nada, a pessoa se torna apenas uma “máquina faladora”.
Aquilo que caracteriza um verdadeiro relacionamento educativo é a paixão e o desejo de quem educa, visto que na paixão e na dedicação que ele coloca na sua ação educativa está a raiz da persuasão de sua ação, a possibilidade de suscitar o desejo do mais jovem. O desejo, a paixão de quem educa envolve, contagia, transmite-se também para quem é educado.
No que consiste, portanto, a justiça ou a moralidade na relação com o próprio trabalho? O professor deve ser sério no trabalho que faz, deve levar a sério o trabalho que faz.
Um recente ensaio do sociólogo Richard Sennett, dedicado ao homem artesão, exprime exatamente esta ideia. Os saberes técnicos, que nascem da interação de mente e mão, de ideação e habilidade, de ciência e técnica, de arte e mister, não contêm somente coisas a saber e saber fazer, mas implicam uma postura cultural, um relacionamento com o próprio trabalho que solicita cuidado e dedicação. Este aspecto vale não apenas para os trabalhos manuais que formam e plasmam criativamente as coisas, mas vale, com ainda maior razão, para o delicadíssimo trabalho dirigido à formação do material mais precioso: o ser humano mesmo.
O que significa, então, este trabalho “bem feito”? Uma primeira implicação é a necessidade de atualizar-se. O professor é um criador de consciência, não um puro repetidor. Transmitir conhecimentos significa também sempre produzri, reelaborar, recriar. Isto não só porque toda as disciplinas – da linguística à história, das disciplinas científicas às artísticas – evoluem, veem continuamente novas descobertas e aquisições, novas metodologias. Mas porque é constitutivo, é próprio de uma profissão intelectual, como a de um professor, manter viva uma curiosidade.
Uma segundo implicação é que não se deve improvisar. A improvisação faz perder credibilidade. São apreciáveis os docentes que preparam apontamentos ou que utilizam também os novos instrumentos audiovisuais ou informáticos para “ajudar” o próprio trabalho e manter a atenção. Não que estes instrumentos bastem por si sós para tornar interessante um argumento, mas certamente sustentam a preocupação didática e revelam uma postura. São meios úteis para um fim, mas o que conta é o fim.
3.2. A justiça na relação com os alunos
Aqui encontramos um aspecto problemático da profissão do professor, ou seja aquele que os sociólogos chamam “conflito intra-papel”, ou seja, o conflito entre duas solicitações e expectativas opostas em relação ao agir do professor.
De um lado, se pede ao professor que trate a todos os jovens segundo um critério universalizante, sem particularidades e preferências. Porém, há também outro aspecto. A educação não é um exercício burocrático, de empregados, no qual se aplicam exclusivamente critérios universalizantes, próprios de todas as burocracias, que tratam a todos – pelo menos em princípio – do mesmo modo. Cada estudante tem sua biografia, uma história, exigências e potencialidades particulares. O professor deve, por isso, ser capaz de mediar o critério universalizante – ou seja, a justiça abstrata – com a atenção ao percurso de cada jovem e às suas exigências específicas. Nestes termos (relativos às diversas situações e condições de partida, escolares e extra-escolares), é interpretado também o problema do rendimento escolar e da avaliação dos alunos.
O problema da justiça e da injustiça mostra uma pluralidade de dimensões. Existem três dimensões principais da justiça. Há, antes de mais nada, uma justiça distributiva, que consiste no receber a justa compensação por aquilo que se dá: se o estudante se comprometeu com o estudo, cometeu dois erros e esperava um oito, vai se sentir tratado injustamente se receber uma nota inferior, ou então se, com uma tarefa igual à sua, o companheiro recebe nota superior. Há pois uma justiça de procedimentos, ou seja, garantir a todos os mesmos procedimentos de ação: por exemplo, sob este aspecto, agirá injustamente o professor que consentir que alguns estudantes falem apenas se forem interpelados, enquanto que a outros permite intervirem mais livremente. Há, enfim, uma justiça relacional: o professor pode ser impecável na sala de aula em relação aos processos de avaliação e nos procedimentos, mas parecerá “injusto” se, durante o recreio, para para conversar apenas com o grupinho dos seus alunos preferidos. 
A percepção que o estudante tira acerca da equidade do tratamento da parte do professor tem importantes consequências sobre a sua motivação e o seu comportamento: sentir-se tratados injustamente ou perceber que não é recompensado justamente pelo próprio empenho pode produzir uma resposta agressiva, de escapatória ou de nivelamento por baixo (se recebo pouco, fico com vontade de dar pouco).
3.3. Dinâmicas da injustiça
Uma reflexão sobre a justiça no próprio trabalho e no relacionamento com os jovens deve ser aprofundada até ao ponto de identificar algumas posturas mais gerais, formas mais gerais de injustiça, que podem corroer, por dentro, toda real responsabilidade educativa.
A falta de empenho
Com a expressão falta de empenho não me refiro principalmente à postura originária de quem escolheu este mister como um trabalho qualquer, não pelo seu significado intrínseco (aquilo que, antes, se chamava “vocação”), mas apenas por gratificações externas como o salário, uma certa segurança econômica ou consideração social e que, portanto, é pouco identificado ou cínico desde o princípio.
Aqui, pretendo falar da falta de empenho que sucede pouco depois de um certo número de anos em quem, originalmente, havia começado cheio de entusiasmo e de confiaça e que poderia ser identificado por um estado ou um sentimento de depressão (que, entre outras coisas, é um risco típico das profissões de cuidado).
A depressão é o contrário do desejo e é o que mata o desejo. Um dos traços fundamentais da depressão, como explicam os psiquiatras, é que, para a pessoa deprimida, “tudo já é conhecido”, nada a interessa, a enche de curiosidade ou a move profundamente. Já sabe como vai acabar. Por isso, o tempo (também aquele passado na escola) se torna uma condenação, um peso.
Esta depressão que pode acontecer no tempo está ligada a dois aspectos:
- o peso esmagador da rotina. Este aspecto depende da ideia da transmissão do saber como um fato repetitivo, que não implica uma criatividade, ou seja, o se dar conta de que a dimensão burocrática toma a frente da dimensão intelectual. Tornam-se, assim, puros repetidores, “máquinas faladoras”. Repetem-se as mesmas aulas, dizem-se sempre as mesmas coisas. Sabe-se já de tudo sobre como os estudantes respoderão ou se comportarão. Nada mais surpreende.
- a desilusão pela vanidade dos próprios esforços. É o peso das “pressões laterais” que nunca são completamente contraladas e que proveem, por exemplo, do ambiente familiar dos jovens, do grupo de pares e do ambiente midiático no qual todos estamos imersos. Assim, se percebe que a própria ação e o próprio empenho são relativizados, contrastados e, frequentemente, tornados vãos por todas estas outras pressões e influências. E este esforço, no fim, esgota, esvazia de energias.
Lógicas sistêmicas e responsabilidade pessoal
Vivemos num tempo em que muitos comportamentos sociais parecem determinados unicamente pelas lógicas dos sistemas nos quais estamos inseridos. Um sociólogo alemão, Niklas Luhmann, muito citado pela direita e pela esquerda, observou que todos os sistemas sociais funcionam a partir de mecanismos automáticos, rotineiros e autorreferenciais. Para o funcionamento destes sistemas (econômico, político, de saúde, da educação) é preciso que todo agente individual, na medida em que detentor de um papel, desempenhe a sua tarefa segundo um padrão médio de eficiência e confiabilidade. A intecionalidade, a motivação, a decisão ou a paixão individual são fatores secundários e não-influentes. Nesta perspectiva, os diversos sujeitos individuais são perfeitamente substituíveis e intercambiáveis, e aquilo que uma pessoa faz hoje outro o fará amanhã mais ou menos do mesmo modo. Luhmann chamou o combustível deste mecanismo que se autorreproduz de “confiança sistêmica”.
Ao nível das ações individuais, de consciência subjetiva, quais são as implicações e as consequências deste modo de pensar e de agir? A principal consequência é a ideia difusa de que aquilo que conta são as “lógicas” do sistema das quais não é possível se subtrair, às quais se está necessariamente submetido. O que, em suma, não é uma questão de responsabilidade pessoal.
Assim, por exemplo, frequentemente se ouve dizer que os professores não conseguem ensinar bem porque as normas escolares, a falta de recursos, os vínculos burocráticos não lhes permitem fazê-lo. Ouvem-se jornalistas e profissionais da mídia dizendo que eles devem aplicar critérios de construção dos conteúdos que respondam às leis da concorrência e da massificação das escutas, e que isto explicaria a banalização e a baixa qualidade daquilo que vemos e escutamos todos os dias. E o mesmo fazem os empresários quando assumem jovens por breves períodos de tempo, sustentando que mais do que isso não podem fazer. Em suma, é a ideia de que a escolha e a decisão do sujeito humano conte pouco diante das lógicas sistêmicas nas quais é obrigado a agir.
Na realidade, não é assim ou não é sempre assim. Ao lado da credibilidade do papel, ou seja, da credibilidade ligada ao fato de absorver um certo papel segundo regras e tarefas estabelecidas por um contexto institucional “externo”, está sempre em jogo uma credibilidade no papel, ou seja, o modo no qual o professor – mesmo que com todos os condicionamentos presentes no ambiente em que age – vive pessoalmente aquele papel, o interpreta, imprime nele a sua humanidade e a sua personalidade.
A manipulação
Esta terceira forma de injustiça tem origem na simpatia, ou sejal, naquela maior preferência ou sintonia humana que experimentamos por certas pessoas em relação a outras. Nisso pode estar escondida uma armadilha, da qual é preciso estarmos conscientes. Os psicólogos sociais nos advertem que a simpatia se endereça mais facilmente para aqueles que se nos assemelham, quem é mais semelhante a nós no aspceto, nas opiniões, nos interesses, no modo de viver. Esta alavanca, e esta armadilha, é também muito eficaz porque, geralmente, tende-se a desvalorizar o efeito da semelhança sobre a simpatia que se experimenta pelos outros. E é duplamente perigosa. De um lado, porque torna incapazes de distância crítica na relação com os alunos, enquanto que esta distância é necessária, na medida em que um professor muito envolvido perde a capacidade de avaliar com lucidez a situação dos estudantes. É, porém, também perigosa do lado do jovem que se sente impulsionado a se assemelhar ao professor, às suas ideias ou aos seus modos de se comportar, sem ser convencido, de modo hipócrita. Ou seja, os jovens são obrigados, mais ou menos conscientemente, a colocar em ação estratégias de congraçamento, oportunistas ou de conluio, na tentativa de tornarem-se semelhantes ou parecerem semelhantes e bem aceitos pelo professor, a fim de tirar disso vantagem da mais favorável postura que isso possa produzir.

4. A raiz afetiva da educação
A raiz afetiva, talvez a mais determinante na relação educativa, se expressa em duas dimensões fundamentais: reconhecimento e reciprocidade.
4.1. A exigência de reconhecimento
Não é preciso recorrer à filosofia, à psicologia ou à sociologia – que, certamente, nos oferecem muitas confirmações – para que reconheçamos que cada um de nós percebe em si uma necessidade fundamental de reconhecimento, que os outros lhe digam “tu”, que o reconheçam como um “tu” – trata-se de uma evidência elementar.
A exigência de reconhecimento do próprio “eu” por parte de um “tu”, é a necessidade de não ser um a mais, mas de ser olhado, considerado, estimado pelos outros. É uma necessidade do homem de todos os tempos, mas hoje se torna, talvez, mais aguda e dramática, visto vivermos numa sociedade de massa, burocratizada, onde facilmente somos concebidos como indivíduos genéricos, sem qualidades.
O psicólogo Ronald Laing, retomando uma ideia de William James, observou de forma muito aguda que não há condição pior do que aquela do homem que é absolutamente livre num mundo no qual ninguém se dá conta dele. É perfeitamente livre num vazio de relações. Somente um figurante no fundo da cena.
Esta necessidade de reconhecimento se expressa ativamente na necessidade de sermos protagonistas, de um protagonismo positivo. Tal necessidade é mais forte, mais intensa, mais atormentadora na adolescência e na juventude, ou seja, na fase da conquista e da afirmação da própria identidade.
É uma necessidade tão intensa que não raramente se expressa nos jovens de forma patológica e aberrante, por exemplo numa busca exasperada de visibilidade, de exibicionismo, de identidades espetacularizadas cujos modelos de referência e os espaços de expressão são bem explorados pela rede e a mídia.
Trata-se do sucesso de uma cultura narcísica à qual corresponde toda uma indústria da identidade construída e artificial, um verdadeiro e particular marketing da autoexibição. Os episódios, frequentemente relatados pelas crônicas cotidianas, de adolescentes que se filmam com seus telefones celulares em situações desviantes e, depois, divulgam no YouTube, são expressões aberrantes desta cultura do aparecer e da identidade espetacularizada.
Mas, mesmo no meio dessas formas aberrantes há uma pergunta verdadeira, radical, que também os nossos jovens nos dirigem continuamente: o pedido de que alguém os olhe, os olhe de verdade, se dê conta deles.
Portanto, a terceira raiz fundamental da credibilidade é aquela qualidade da relação interpessoal entre professor e aluno pela qual o jovem é levado a pensar: “você (professor) é credível não apenas porque é competente, sabe ensinar, é apaixonado por aquilo que faz, tem uma simpatia ou uma sintonia, mas você é credível sobretudo porque me olha, me escuta. Porque você se deixa interrogar pela minha presença”. Tantas vezes os estudantes intervêm durante as aulas não porque tenha uma pergunta particular sobre conteúdos, mas quase com se dissessem: “estou aqui, olhe para mim, leve-me em consideração”. Ou outras vezes perturbam, são irritantes ou agressivos por esta mesma razão. É como se dissessem: “olhe para mim, se ocupe de mim”.
4.2. A reciprocidade da relação educativa
Outra modalidade, profundamente vinculada à primeira, na qual se expressa a dimensão afetiva da credibilidade é a reciprocidade da relação educativa. No De Magistro, Santo Agostinho afirma que a reciprocidade é aquela condição na qual quem educa e quem é educado estão dentro de um processo, de uma relação que compreende a ambos, na qual ambos crescem, se tornam mais si mesmos.
Sobre o tema da reciprocidade, é preciso focalizar dois aspectos.
A relação entre pares. Geralmente, quando se fala de educação, faz-se referência a uma relação vertical entre quem educa e quem é educado. Em termos macro-sociológicos, fala-se de transmissão de saberes, valores, modos de comportamento, de uma geração para outra. Em termos micro-sociológicos, ou seja, das relações interpessoais, fala-se de um relacionamento entre quem “transmite”, ou seja,o educador, o mais velho, o mais entendido, o mais instruído, o mais sábio, em suma, aquele que é dotado de mais recursos, e o educando, ou seja, aquele que recebe e acolhe aquilo que o outro transmite. É isso que uma antropóloga francesa, Françoise Héritier, definiu como o relacionamento construtivo entre “anterioridade” e “autoridade”.
Não se considera, porém, suficientemente, um  outro aspecto, isto é, a dimensão horizontal da educação, a educação entre os pares.
Gostaria de dar três exemplos para esclarecer este aspecto. O primeiro é o relacionamento conjugal entre marido e mulher. No casal, afetivo e conjugal, a educação é recíproca, um ajuda o outro a se tornar “adulto”, a crescer na própria humanidade, a se tornar responsável, a acolher-se e a acolher o outro mesmo com todos os seus limites. Por isso, é no relacionamento de educação recíproca entre pais que está a chave da capacidade e da responsabilidade educativa na relação com os filhos.
Segundo exemplo: a amizade. A amizade nasce do reconhecimento de uma sintonia e de uma simpatia por um outro, de uma imediata correspondência humana e não de um interesse instrumental. É um relacionamento entre pares que se baseia numa credibilidade afetiva, a percepção de que o outro me queira bem ou, mais exatamente, queira o meu bem.
Na “conversa amigável”, cada um pode descobrir mais a si mesmo, conhecer mais a si mesmo através do outro, mas desde que exista uma qualidade da conversa e da relação que os amigos construam. É importante que o estar juntos – e isto vale também para as redes sociais – seja alimentado por um desejo de autenticidade e de pleno envolvimento com os outros e com a realidade e não seja uma bate-papo vazio, uma repetição de palavras e gestos banais, alienantes ou degradantes, até à saturação e ao tédio ou até à busca de transgressões e emoções fortes.
Terceiro exemplo, central para o nosso tema: os colegas de trabalho. A empresa, a repartição pública, o escritório ou a escola são sempre comunidades de pessoas, antes de serem realidades organizativas. O trabalho comum, a cooperação no trabalho é educativa, no sentido de que se aprende um do outro, se buscam soluções juntos, cada um melhora a própria capacidade graças ao outro, graças ao conselho, ao estímulo e à ajuda do outro. Deste ponto de vista, a cooperação (ou ainda mais, a amizade) entre professores, o confronto entre eles, é um guia e uma ajuda também para o relacionamento que cada um deles tem como seus próprios alunos. A comunidade dos professores é uma condição essencial do clima educativo de uma escola, mas também da eficácia da ação educativa de cada um deles.
A relação complementar. Mesmo onde a relação educativa tem um caráter vertical, assimétrico e complementar (ou seja, entre o mais antigo e o mais jovem, o mais entendido e o menos entendido, como no caso do relacionamento professor-aluno), ela sempre deve conter, de alguma forma, um elemento intrínseco de reciprocidade, da qual é importante que se tornem conscientes, cada vez mais conscientes.
De fato, o ideal de personalidades maduras, realizadas, que move a educação não poder ser um esquema que o pai impõe ao filho, o mestre ao aluno, o amigo mais velho ao mais jovem, o trabalhador especialista ao aprendiz, segundo a própria imagem e o próprio projeto, mas tal ideal deve crescer e desenvolver-se na relação. Não é uma “definição” que alguém aplica a outro alguém, que alguém “derrama” sobre outro alguém, mas é uma construção comum que envolve ambos os sujeitos do relacionamento educativo, mesmo na distinção de papéis e de responsabilidades. 
Na educação (do outro) sempre há também uma dimensão de autoeducação, de educação de si. Na educação do outro sempre há, de fato, uma pergunta dirigida a si, um desafio que implica em primeiro lugar uma mudança de si.
Isso fica evidente quando um filho nasce. Nós o fazemos crescer e o educamos, mas a relação cotidiana com ele também nos muda a nós, educa também a nós. Não apenas no sentido de que se acrescenta um novo papel (o de mãe ou de pai) ao nossos papéis sociais, mas também porque muda a nossa psicologia e o nosso sentido de responsabilidade na relação com aquela pessoa singular e, ao mesmo tempo, muda – e alarga – o horizonte da experiência mais geral, o nosso lugar no mundo, diria Max Scheler.
Isto vale em geral para todos relacionamento educativo. O pai, o professor, o mestre, o trabalhador mais velho, todos influenciam, formam, educam o jovem, o aluno, mas, por sua vez, também é influenciado por ele, é modificado por ele. E deve aceitar isto como um desafio positivo.
Romano Guardini expressou de forma bastante eficaz o sentido desta reciprocidade. Num breve ensaio intitulado exatamente A credibilidade do educador, observa que “a mais potente ‘forma de educação’ consiste no fato de que eu mesmo [isto é, eu educador], em primeira pessoa, me impulsiono para frente e tenho trabalho para crescer. [...] Está exatamente aqui o ponto decisivo. É exatamente o fato de que eu luto para me melhorar que dá credibilidade à minha prontidão pedagógica para com o outro”.

5. Conclusão: a comparação pessoal e a pergunta sobre si
É credível quem pede seriedade e rigor a si mesmo, antes de o fazer aos estudantes. É credível quem é justo, ou seja, capaz de corresponder à sua necessidade de serem sustentados e valorizados.
Para a educação são úteis palavras e sinais, mas o sinal mais evidente é a pessoa daquele que ensina. O discurso, por si só, nunca é suficientemente persuasivo. As palavras, mesmo as mais sinceras, sozinhas não bastam. O que é verdadeiramente persuasivo é o exemplo. Por isso, a educação não pode ser separada do exemplo, se realiza principalmente através do exemplo e da comparação pessoal. O exemplo não é imposição, porque solicita uma adesão livre. O exemplo não obriga, mas interroga e provoca. Hoje, esta palavra não é amada, porque é vista como moralista [mas esta – como diria Theodor Adorno – é uma das “máscaras da mentira” do nosso tempo]. Se, de fato, refletirmos um pouco será fácil notar que a gênese dos valores em nós sempre tem a natureza de um confronto, de uma comparação pessoal. Aprendemos os valores que contam na nossa vida, agora e antes, num encontro com personalidades humanas, nós os aprendemos vendo-os encarnados, exemplificados em pessoas que amamos e admiramos, primeiro os nossos pais, os nossos professores, os nossos amigos. Depois, naturalmente, crescendo, aprendemos a sobrepor estes valores a um juízo, os experimentamos, verificamos, comparamos com as tantas situações concretas da nossa vida, ou seja, os aceitamos e reelaboramos criticamente.
A educação é uma ação presente, um compromisso e uma responsabilidade do hoje, que afunda as suas raízes no passado (a tradição ou a anterioridade de que falava Héritier), mas olha para o futuro, se projeta no futuro, é uma promessa que se realiza no futuro. A educação é sempre uma aposta e um riso: a aposta de que as premissas colocadas no relacionamento educativo possam amadurecer segundo um desenvolvimento positivo; o risco ligado ao fato de que isso se realizará num tempo e com a concorrência de circunstâncias não inteiramente previsíveis ou calculáveis, em primeiro lugar a liberdade, a adesão livre daquele que é educado.
Por isso, o relacionamento educativo, mais do que qualquer outro relacionamento humano, é fundado sobre a credibilidade do educador e sobre a confiança de quem é educado. É fundamental que aquele que é educado, olhando para modelos pessoais convincentes, creia que um tal modelo de humanidade se realizará também nele, que aquilo que aprender hoje lhe será útil amanhã, que aquilo que intui agora apenas como valor e sentido, amanhã o convencerá segundo uma adesão madura e consciente.
Se exemplo e reciprocidade são condições essenciais para educar, eles remetem a uma outra questão. Quem educa o educador? Quais são os lugares, as relações, os âmbitos nos quais o educar pode “melhorar-se” para dar credibilidade à sua prontidão educativa pelo outro? Quais são os lugares que o ajudam a “impulsionar-se para frente” e a “crescer” como dizia Guardini?
Este é um problema central, porque, hoje, os adultos são frequentemente confusos quanto aos modelos a serem oferecidos aos mais jovens. Ou então, teorizam a própria falta de empenho ou impotência, falando da exigência de deixar os jovens livres para fazerem as próprias experiências sem muitas indicações ou pressões. Por isso, a pergunta que deve ser colocada no centro do desafio educativo é: quais são os lugares que os adultos têm à disposição para realizar este percurso educativo sobre si mesmos, para se colocarem perguntas que realmente contam?
Eu os chamaria lugares de amizade, de escuta e de reconhecimento, nos quais podem educar a si mesmos, chamar a própria atenção para “olhar mais além”. Podem ser comunidades, associações, lugares de compromisso social, civil ou político. Também a Igreja, como companhia semper reformanda de homens movidos pelo desejo de imitação de Cristo, é um desses lugares, para quem crê é “o” lugar, onde se aprende a estar diante da própria humanidade e das suas perguntas e exigências fundamentais. Onde, desejando ser educados, aprendem a ser educadores.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 24 de fevereiro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.