segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Quando um professor é credível?


Por Guido Gili

Um sociólogo contemporâneo, Norbert Elias, observou que existem três modos para conhecer a realidade, três formas principais de aprendizagem.
1. Antes de mais, nada, é possível conhecer por experiência direta, ou seja, quando somos testemunhas de um fenômeno ou de um evento e a nossa inteligência é interrogada acerca do que acontece. Portanto, conhecemos um fenômeno ou um evento vendo-o e “vivendo-o” diretamente, participando dele diretamente. O conhecimento imediato no mundo da vida cotidiana, mas também o conhecimento científico – através da observação experimental ou da pesquisa de campo – constituem modalidades diversas desta primeira forma de conhecimento e de aprendizagem.
2. Também é possível conhecer a prender através da observação e da imitação do comportamento de um outro. Isto acontece, por exemplo, no caso do conhecimento prático: por muito tempo a aprendizagem de um profissão aconteceu através desta modalidade e isso vale, em muitos aspectos, ainda hoje. É possível aprender vendo um outro em ação. Também quando se trata da aprendizagem de valores – e sobre isto voltarei depois – que, originalmente, acontece através da observação e da imitação de um outro.
3. Finalmente, é possível conhecer e aprender através dos símbolos, ou seja, através de um relato, uma descrição, uma narração da realidade feita por alguém que se serve de algum tipo de linguagem: a linguagem verbal ou escrita, a linguagem matemática ou das imagens visíveis. Grande parte do nosso conhecimento, hoje, se forma desta maneira: através do testemunho ou do relato, ou seja, através da mediação de um outro.

Desta premissa emerge que grande parte do nosso conhecimento do mundo, mas também do nosso eu, envolve a presença de uma outra pessoa, de um outro sujeito; passa através da presença e da ação de um outro que eu olho, escuto, de quem aprendo.
Se, necessariamente, o conhecimento implica sempre a nossa experiência e o nosso juízo, ao mesmo tempo esta experiência e este juízo são solicitados, estimulados, provocados pela presença, pelas palavras, pelos gestos, comportamentos de outros, sobretudo daqueles que o psicólogo social George Herbert Mead definia como outros importantes ou outros significativos, isto é, aqueles que são figuras relevantes na nossa vida, com os quais sempre nos confrontamos interiormente mesmo na sua ausência.
Mesmo no conhecimento por experiência direta não nos aproximamos de fenômenos como se fôssemos tabulae rasae, mas sempre nos aproximamos com uma pré-compreensão, uma hipótese, uma ideia daquele fenômeno que obtemos da experiência do mundo precedente que os encontros com os outros, sobretudo os outros importantes, plasmaram
Se, portanto, o nosso conhecimento da realidade envolve sempre, de modo direto ou indireto, a presença de um outro, então se torna absolutamente central o tema da credibilidade e da confiança. A credibilidade do comunicador, daquele que fala ou age, e a confiança do destinário, daquele que observa, escuta e aprende, são a pedra angular de toda relação cognoscitiva, comunicativa e educativa.
Esta conferência se concentrará, por isso, sobre o tema da credibilidade em geral e da credibilidade (e da responsabilidade) do professor em particular, porque a essência do trabalho do professor é ponte, veículo e sustento do conhecimento e da experiência de seus alunos.

1. A credibilidade é uma relação
O que é a credibilidade? Quem é credível? A estas perguntas muitos responderiam imediatamente: “é credível quem é honesto, coerente, sincero, confiável”. É a resposta que deu mesmo Aristóteles, que, na Retórica, observava que acreditamos mais facilmente nas pessoas honestas, sobretudo naquelas questões que não comportam certeza, mas opinião. A credibilidade é considerada, portanto, uma qualidade pessoal, uma característica moral da pessoa.
Todavia, se refletirmos melhor, a credibilidade não é apenas uma característica pessoal: é algo que é reconhecido por outros. Mesmo se, evidentemente, não pode prescindir das qualidades pessoais – que são o seu fundamento –, a credibilidade é uma relação, um relacionamento. De fato, dizemos: “eu reconheço que você é credível, eu acredito em você, eu lhe dou minha confiança”. Frequentemente, quem é credível para alguém não o é para outros, não do mesmo modo, na mesma medida ou pelas mesmas razões. A credibilidade é sempre algo que “acontece” na relação, algo que se joga na relação. É sempre um desafio e uma aposta. Certamente, a credibilidade é fundada sobre a reputação adquirida, ou seja, sobre a credibilidade experimentada, construída, consolidada no tempo através de muitas confirmações, mas deve ser reconstruída e reconquistada todas as vezes. É isso que se experimenta cada vez que se entra numa nova sala de aula, ou que se encontram novos jovens. A boa ou a má fama que nos precede (esperamos que boa!) não é suficiente, porque a partida da nossa credibilidade e da sua confiança se joga naquele momento, é um relacionamento que começa a se construir naquele momento.
Há também outro aspecto sobre o qual se deve lançar luz. Em toda relação comunicativa, as pessoas se atribuem reciprocamente uma maior ou menor credibilidade. Contudo, atribuir ao outro alguma credibilidade constitui, como Hans Georg Gadamer observou, o acordo sobre o qual se rege toda relação comunicativa e, no fim das contas, toda relação humana. Sempre antecipamos ao outro alguma forma de credibilidade, de confiabilidade. Mesmo a incompreensão, o desentendimento (não querido) ou o engano (querido) são necessariamente precedidos por uma antecipação de credibilidade, de confiança, ou seja, do pressuposto da sensatez e da verdade daquilo que o outro afirma. Em todo relacionamento com um outro há, portanto, uma abertura de crédito. De outra forma, nem mesmo nos voltaríamos ao outro, nem mesmo o olharíamos, não começaríamos nem mesmo a falar com ele.
Neste ponto, é preciso dar um novo passo e nos perguntarmos: em que medida reconhecemos alguém como credível? Quais são as “raízes” ou as “causas” da credibilidade, as razões para que alguém diga para um outro: “sim, eu reconheço que você é credível, escuto o que você diz, confio em você, lhe sigo”? Existem, essencialmente, três grandes raízes ou três grandes causas da credibilidade.
A primeira é constituída pelo conhecimento e pela competência. E a credibilidade de que goza “aquele que sabe”, que dispõe de um saber confiável, que tem sólidos fundamentos. As duas formas principais desta primeira raiz da credibilidade são a credibilidade da testemunha de boa fé e a credibilidade do especialista. Na sociedade moderna, a figura por excelência do especialista é a do cientista, ou seja, daquele que se jacta de e “produz” um conhecimento metodologicamente fundado, mas a credibilidade fundada sobre o conhecimento/competência é também aquele do professor como especialista de uma determinada disciplina, do médico na medida em que é capaz de cuidar segundo os ditâmes da ciência médica, ou do jornalista quando realiza o seu trabalho de testemunha direta dos eventos segundo as regras da acuidade, a completude, da verificabilidade da informação. Em síntese, é a credibilidade da pessoa que “sabe o que diz” e assume a responsabilidade pelo que diz.
A segunda raiz da credibilidade é a coerência entre os valores que se afirmam e a conduta concreta de vida. Essa, portanto, não diz respeito, em geral, às concepções daquilo que é bom, justo, estimável, desejável, mas como tais concepções se tornam princípio e critério do comportamento. Neste sentido, eu considerarei mais credível aquelas pessoas que encarnam, ou seja, me mostram de maneira evidente no seu modo de ser e de agir os valores que professam, mesmo quando isso implica “custos” em termos de sucesso ou aprovação social.
A terceira raiz da credibilidade é constituída pelo vínculo e pela afetividade. É aquela forma de credibilidade que nos leva a dizer: “eu acredito em você, me confio porque quero o seu bem (e penso que você também queira o meu)”. É a credibilidade que se fundamenta na percepção de um vínculo positivo e que é fonte de bem-estar, como acontece, por exemplo, no relacionamento entre mãe e filho, sobretudo nos primeiros anos de vida. Sem dúvida, a mãe dispõe de conhecimentos e competências que a criança reconhece e segue (a primeira raiz); representa e encarna aqueles valores, ou seja, aqueles modos de ser e de agir que impulsionam a criança à imitação (a segunda raiz), mas é essencialmente o vínculo, o afeto profundo da criança pela mãe que o impulsiona a acreditar nela, a ter confiança nela. Também faz referência a esta raiz o relacionamento de amizade e, em geral, o fato de tendermos a compreender como mais credíveis aqueles que nos são “simpáticos”, ou seja, aqueles por quem sentimos uma imediata atração ou correspondência, do que aqueles que nos são antipáticos e por quem nutrimos sentimentos negativos.
Neste ponto, é possível enfrentar a questão da credibilidade do professor.
O professor está no centro de um sistema de relações com uma pluralidade de sujeitos que exprimem diversas expectativas quanto a ele, às vezes até mesmo contrastantes: as expectativas dos jovens, dos pais, dos colegas, dos diretores, do Ministério, da mídia, da sociedade em geral. Cada um desses sujeitos propõe diversas expectativas de credibildiade quanto ao que respeita ao professor. Nenhuma dessas expectativas ficará sem atenção; porém, mesmo não esquecendo os outros interlocutores, esta reflexão se concentrará na relação entre o professor e os jovens, visto que eles são os destinatários da relação educativa, os principais interlocutores do trabalho cotidiano do professor. Porque a escola existe para eles.
Tentarei, portanto, examinar as três raízes da credibilidade do professor no relacionamento com os estudantes, na interação cotidiana, no trabalho cotidiano em sala de aula.

2. A competência disciplinar e didática
A primeira raiz da credibilidade, como dissemos, é o conhecimento e a competência. Qual é, portanto, a competência do professor, de quais fatores ou dimensões é constituída? Quatro dimensões emergem como particularmente relevantes.
1. Antes de mais nada, o professor é um especialista de uma disciplina ou de um conjunto de disciplinas, e o seu papel é transmitir o conhecimento dos conteúdos destas disciplinas. Portanto, o primeiro aspecto é uma competência disciplinar. Tal competência se associal imediatamente à ideia de um bom professor. Ela pode ser mais ou menos especializada a depender do grau escolar, do tipo de escola e de disciplina ensinada, e não se refere apenas à dimensão teórica, mas também inclui habilidades e capacidades práticas, por exemplo em disciplinas técnico-práticas e de laboratório.
2. O segundo aspecto diz respeito à capacidade de ensinar, ou seja, aquele conjunto de competências didáticas e metodológicas que permitem transmitir do modo mais eficaz e envolvente possível estes conteúdos disciplinares e culturais. Às vezes, ouvimos dizer: “ele é competente, sabe bem a sua matéria, mas não sabe ensinar”. Por isso, ensinar não é simplesmente conhecer bem os conteúdos, mas saber transmiti-los de modo eficaz, interessante, fascinante. E, portanto, é preciso esforçar-se (e se empenhar) para imaginar as melhores modalidades para ensinar de modo didaticamente eficaz, mesmo que através de uma formação continuada.
3. A terceira dimensão da competência é a competência comunicativa. Aspecto essencial da competência comunicativa é a capacidade de identificar as modalidades comunicativas mais eficazes, ou seja, que melhor respondam, de um lado, ao escopo de quem comunica, de outro, à situação concreta da interação na qual ele age, ou seja, com aqueles estudantes, num contexto determinado, naquela escola, naquela cidade. Os estudantes são os destinatários designados pelo professor. A sua comunicação deve, portanto, ser construída, concebida para aqueles estudantes, levando em consideração sua situação, não referida a um modelo ideal/abstrato de estudante que existe apenas na sua representação.
4. A quarta dimensão da competência é a que, com as palavras de outro sociólogo contemporâneo, Erving Goffman, podemos definir como competência ou habilidade “dramatúrgica”. Uma característica essencial do trabalho do professor é agir constantemente sobre uma ribalta, diante de um público. Estar expostos contantemente ao olhar dos outros – mesmo quando se trate de crianças ou de adolescentes –, um olhar que, de alguma forma, contém uma expectativa e um juízo, implica inevitavelmente uma fadiga e exige uma atenção, um “cuidado” e uma “auto-disciplina expressiva”. Esta fadiga tem também outro componente fundamental: o ter que sustentar e apoiar a fadiga de outros, da criança e sobretudo do adolescente que está enfrentando o processo de construção de uma identidade própria. 
Por isto, é essencial para o professor saber “manter o cenário”. Nem todos têm as mesmas qualidades e capacidades: há quem é mais extrovertido, mais seguro de si, mais simpático, mas isto é também um problema com o qual todos devem prestar contas. A habilidade dramatúrgica do professor se especifica em dois aspectos: o “dinamismo” e o “imediatismo”. O dinamismo é essencialmente a energia e a participação emotiva que o professor investe na sua representação, a sua capacidade de controlar e animar o ambiente e o clima relacional da sala de aula; o imediatismo é a disponibilidade para “encurtar as distâncias” com os estudantes. Todas as pesquisas sobre a credibilidade (do professor) percebida (pelos estudantes) sublinham a importância que estes aspectos assumem para a motivação dos estudantes e para os processos de atenção, compreensão e memorização.
Todos estes conhecimentos e competências nos quais se exprime a “capacidade de ensinar” não estão, porém, simplesmente a serviço da aquisição de conteúdos disciplinares compreendidos como um conjuntos de informações, mas estão a serviço da capacidade de pensar e julgar. O objetivo é a educação ao uso da razão. A razão é a faculdade de juízo, a capacidade de juízo. Educar significa fazer emergir, cultivar nos jovens a capacidade de juízo.
1. Julgar significa buscar, descobrir, fazer emergir: a) os nexos, as relações, as ligações entre as coisas, os fenômenos, os eventos; b) os significados do agir humano e das relações humanas e o relacionamento entre os significados e os sinais, ou seja, as formas sensíveis, perceptíveis que os expressam; c) os relacionamentos de prioridade, as hierarquias de relevância, as distinções/relações entre aquilo que é primário e secundário, essencial e contingente, o que vale mais ou menos para a vida humana do ponto de vista ontológico e ético.
A faculdade/capacidade de julgar diz respeito tanto aos fenômenos físicos e naturais, como aos fenômenos humanos e culturais, que solicitam, cada um, um método adequado de conhecimento. Se considero, por exemplo, o homem e as relações humanos, deverei encontrar um método adequado ao objto que pretendo conhecer. Assim, o sentido da ação humana e social pode ser adequadamente compreendido apenas na medida em que se refere à intencionalidade, às motivações e às exigências daquele que age e não pode ser apenas referido a causas e condicionamentos externos ou a mecanismos e pulsões internas (mesmo que existam), porque isso não seria adequado ao objeto e ao objetivo cognoscitivo a que se destina (ou seja, produziriam uma explicação reducionista). 
2. A segunda dimensão da razão é a capacidade de colher o nexo, a relação entre a atividade do conhecimento e a vida daquele que conhece. Isso se expressa na pergunta: o que aquilo que “acontece” no mundo implica, para mim, em termos de conhecimento, decisão e ação sobre a realidade ?
Para o professor, trata-se de colher e mostrar o relacionamento entre um saber disciplinar particular e a realidade ou, em outras palavras, a sua utilidade. Frequentemente, ouve-se dizer que as disciplinas devem ser divertidas para facilitar a aprendizagem. Que sejam divertidos é um aspecto apenas secundário: o elemento essencial é que sejam interessantes. Mas, o que interessa? Interessa aquilo de que se colhe o nexo com a experiência, que permite entender mais a própria vida e a própria experiência.
A falta de inteligência coincide, neste caso, com o risco da abstração, no sentido literal do termo, do estar fora, não dentro da realidade. Os estudantes dizem frequentemente: “mas, isto serve para quê?”, “por que tenho que estudar isso?”, que é como estar dizendo “não entendo o nexo”. É preciso, então, perguntar-se como tornar interessante a própria disciplina, ou seja, como torná-la conectada à realidade, quer se trate de matemática, de física, de biologia, de literatura, de filosofia ou de história da arte, de contabilidade ou estatística.
3. Educar a razão significa também colher e mostrar a conexão entre os saberes, as formas de conhecimento, ou seja, entre as disciplinas (é o famoso conceito de interdisciplinaridade). Por quê ?
Antes de mais nada, todo fenômeno, todo evento, todo aspecto da realidade que observamos tem uma articulação interna, uma complexidade, que nenhuma disciplina exaure ou pode compreender inteiramente. Portanto, nenhuma disciplina basta a si mesma, mas tem necessidade de estar integrada a outras, ou seja, a outras pespectivas que permitem compreender a realidade de que se ocupa. Ainda uma vez, isso se torna mais evidente quando estudamos o agir e as relações humanas.
Em segundo lugar, um olhar interdisciplinar responde às exigências da razão, porque todos os saberes e as disciplinas são, de certo modo, “ciências do homem”, isto é, têm como finalidade conseguir um conhecimento e um controle do ambiente no qual o homem vive e conseguir também dirigir a ação humana. Numa palavra, servem para que o homem entenda a realidade (a começar da própria “realidade interna”) e aja com inteligência sobre a realidade.
Finalmente, como nos mostraram a psicologia e as ciências da mente, a interdisciplinaridade se justifica com o fato de que a inteligência é uma faculdade que inclui muitas capacidades, atitudes e competências não redutíveis simplesmente às formas lógicas e verbais. Pensemos, por exemplo, na teoria de Sternberg que distingue entre uma inteligência mais abstrata (ou “analítica”), uma inteligência prática (ou aplicada, fundamental na vida cotidiana) e uma forma de inteligência criativa (que consiste na capacidade de identificar caminhos novos e soluções originais). Ou, mais recentemente, a teoria das “inteligências múltiplas” de Gardner, que identifica uma inteligência linguística, lógico-matemática, espacial, musical, corpóreo-cinestésica, intrapessoal e interpessoal. São, como diz Gardner, diversas frames of mind, formas de organização da mente e do conhecimento do mundo, mas também diversas formas de expressividade e de “excelência” pessoal, que visões muito monolíticas e unitárias tenderiam a descuidar (e isto, evidentemente, não é apenas um problema cognoscitivo, mas de definições socialmente determinantes dos saberes “dominantes” que exprimem e revelam relacionamentos e hierarquias sociais: por exemplo, na nova cultura empresarial que inspirou a reforma universitária, a prioridade é dada sobretudo aos saberes rentáveis, que produzem dinheiro e patentes para as empresas).
4. Educar a razão significa abri-la aos grandes temas e às grandes perguntas. Aqui, o risco a ser combatido é o fechamento – e o sufocamento – em âmbitos de conhecimento setoriais. O especialismo, antes de ser uma prática, é uma postura mental (restrita). Nas sociedades do passado o ser sábio ou erudito se voltava para todo o conhecimento humano e coincidia com um  ideal de perfeição moral (o ideal da “sabedoria”). Com o desenvolvimento da ciência moderna, cada vez mais a competência foi se restringindo e se especializando. Mas, o conhecimento, mesmo que se desenvolva em percursos cada vez mais especializados, como é solicitado pelo desenvolvimento da ciência moderna e da crescente complexidade social, contém sempre tensão para a totalidade. Não é preciso recordar Platão e Aristóteles que diziam que a filosofia como pergunta sobre o sentido da realidade – mas isso vale para todas as formas de saber humano – nasce do maravilhamento. Sem esta abertura, constituída de maravilhamento e curiosidade, não existe verdadeira pesquisa, nem verdadeiro conhecimento.
5. Finalmente, um último aspecto da educação da razão. Existem muitas coisas no céu e na terra do que a nossa capacidade de conhecer pode imaginar ou sonhar, nos lembra Hamlet de Shakespeare. A razão é, por isso, também abertura àquilo que ela não pode conter, que a ultrapassa. Deste ponto de vista, como emerge das reflexões de muitos grandes cientistas, a humildade não é apenas uma postura moral, mas é uma estrutura da razão. A última pergunta da razão, que não pode exaurir, diz respeito ao nexo total que une os eventos do mundo, a nossa vida e a “consistência” última de todas as coisas. Por isto, João Paulo II, Bento XVI e padre Giussani enfatizaram tanto o fato de que a fé e a razão não são contrárias uma à outra, que a fé como hipótese de sentido sobre a realidade – a abertura ao Mistério – é conclusão e realização da razão.
Sobre este ponto gostaria de concluir com uma última observação. Adestrar, cultivar, alimentar, educar a razão como capacidade de juízo é essencial, porque tem que ver diretamente com a liberdade pessoal.
A liberdade apresenta dois aspectos profundamente ligados: a) é a autonomia de juízo, ou seja, a capacidade de dirigir por si mesmo a própria vida, a responsabilidade das próprias escolhas e da própria ação. Portanto, a capacidade de pensar ou agir não seguindo ou sofrendo as pressões ambientais, a opinião da maioria, os modos de comportamento ou as modas culturais dominantes. b) Na busca pessoal pelo verdadeiro, a capacidade autônoma de juízo está sempre intimamente ligada à capacidade de escuta, isto é, à capacidade de reconhecer o verdadeiro (e o bem), lá onde ele se mostra através das palavras e dos comportamentos dos outros com os quais estamos em relação.
Finalmente, cultivar a capaciade de juízo assume também o sentido de um desafio e de uma tarefa cultural cada vez mais decisivos no nosso tempo. A maior disponibilidade de recursos informativos que a mídia e as novas tecnologias da informação e da comunicação nos colocam à disposição pedem ao mesmo tempo uma maior e mais elevada capacidade no saber se orientar entre as fontes, confrontar as mensagens e selecionar aquilo que é interessante e relevante. Ou seja, exige uma maior e mais consciente capacidade de juízo.

3. Os valores na ação educativa
A segunda raiz da credibilidade, como dissemos no inicio, tem que ver com os valores. Na ação do professor, eles se desenvolvem em duas direções: 1) os valores no próprio trabalho; 2) os valores que guiam o relacionamento com os jovens.
Creio que estes valores podem ser resumidos em uma única palavra: a justiça. Portanto, uma justiça (e uma moralidade) no próprio trablaho e uma justiça (e uma moralidade) na relação com os estudantes. Estes dois aspectos, como é fácil intuir, estão entrelaçados, mas, para maior clareza, é melhor examiná-los distintamente.
3.1. A justiça no próprio trabalho 
Dois psiquiatras, Benasayag e Schmit, escreveram recentemente um livro a partir de sua experiência profissional cotididiana, cujo título é bastante significativo: A época das paixões tristes. Eles mostram que o nosso tempo é caracterizado pela passagem de um sentimento do futuro como promessa e espera para um sentimento difuso do futuro como ameaça. Há um fechamento no presente (mesmo que seja um presente que se percebe como insatisfatório) e a implosão do desejo do futuro, que é temido mais do que esperado, desejado, preparado. Isso se manifesta também nas posturas e nas concepções que guiam a atividade na escola. Exatamente em referência a este aspecto, os autores observam que “o desejo é simplesmente o fundamento mesmo da aprendizagem”. Neste termo estão sintetizados os conceitos de motivação, curiosidade, interesse, participação emotiva que, como muitos estudos sobre o funcionamento da mente já explicaram muito bem, estão na base da aprendizagem, da compreensão e da memorização. O significado fundante do desejo vale em ambos os lados da relação. Vale do lado de quem quer/deve aprender, porque sem desejo de aprender não se aprende nada, se aprende de modo apenas superficial e sem raízes. Mas vale também do lado de quem quer/deve ensinar. Sem desejo não se ensina nada, a pessoa se torna apenas uma “máquina faladora”.
Aquilo que caracteriza um verdadeiro relacionamento educativo é a paixão e o desejo de quem educa, visto que na paixão e na dedicação que ele coloca na sua ação educativa está a raiz da persuasão de sua ação, a possibilidade de suscitar o desejo do mais jovem. O desejo, a paixão de quem educa envolve, contagia, transmite-se também para quem é educado.
No que consiste, portanto, a justiça ou a moralidade na relação com o próprio trabalho? O professor deve ser sério no trabalho que faz, deve levar a sério o trabalho que faz.
Um recente ensaio do sociólogo Richard Sennett, dedicado ao homem artesão, exprime exatamente esta ideia. Os saberes técnicos, que nascem da interação de mente e mão, de ideação e habilidade, de ciência e técnica, de arte e mister, não contêm somente coisas a saber e saber fazer, mas implicam uma postura cultural, um relacionamento com o próprio trabalho que solicita cuidado e dedicação. Este aspecto vale não apenas para os trabalhos manuais que formam e plasmam criativamente as coisas, mas vale, com ainda maior razão, para o delicadíssimo trabalho dirigido à formação do material mais precioso: o ser humano mesmo.
O que significa, então, este trabalho “bem feito”? Uma primeira implicação é a necessidade de atualizar-se. O professor é um criador de consciência, não um puro repetidor. Transmitir conhecimentos significa também sempre produzri, reelaborar, recriar. Isto não só porque toda as disciplinas – da linguística à história, das disciplinas científicas às artísticas – evoluem, veem continuamente novas descobertas e aquisições, novas metodologias. Mas porque é constitutivo, é próprio de uma profissão intelectual, como a de um professor, manter viva uma curiosidade.
Uma segundo implicação é que não se deve improvisar. A improvisação faz perder credibilidade. São apreciáveis os docentes que preparam apontamentos ou que utilizam também os novos instrumentos audiovisuais ou informáticos para “ajudar” o próprio trabalho e manter a atenção. Não que estes instrumentos bastem por si sós para tornar interessante um argumento, mas certamente sustentam a preocupação didática e revelam uma postura. São meios úteis para um fim, mas o que conta é o fim.
3.2. A justiça na relação com os alunos
Aqui encontramos um aspecto problemático da profissão do professor, ou seja aquele que os sociólogos chamam “conflito intra-papel”, ou seja, o conflito entre duas solicitações e expectativas opostas em relação ao agir do professor.
De um lado, se pede ao professor que trate a todos os jovens segundo um critério universalizante, sem particularidades e preferências. Porém, há também outro aspecto. A educação não é um exercício burocrático, de empregados, no qual se aplicam exclusivamente critérios universalizantes, próprios de todas as burocracias, que tratam a todos – pelo menos em princípio – do mesmo modo. Cada estudante tem sua biografia, uma história, exigências e potencialidades particulares. O professor deve, por isso, ser capaz de mediar o critério universalizante – ou seja, a justiça abstrata – com a atenção ao percurso de cada jovem e às suas exigências específicas. Nestes termos (relativos às diversas situações e condições de partida, escolares e extra-escolares), é interpretado também o problema do rendimento escolar e da avaliação dos alunos.
O problema da justiça e da injustiça mostra uma pluralidade de dimensões. Existem três dimensões principais da justiça. Há, antes de mais nada, uma justiça distributiva, que consiste no receber a justa compensação por aquilo que se dá: se o estudante se comprometeu com o estudo, cometeu dois erros e esperava um oito, vai se sentir tratado injustamente se receber uma nota inferior, ou então se, com uma tarefa igual à sua, o companheiro recebe nota superior. Há pois uma justiça de procedimentos, ou seja, garantir a todos os mesmos procedimentos de ação: por exemplo, sob este aspecto, agirá injustamente o professor que consentir que alguns estudantes falem apenas se forem interpelados, enquanto que a outros permite intervirem mais livremente. Há, enfim, uma justiça relacional: o professor pode ser impecável na sala de aula em relação aos processos de avaliação e nos procedimentos, mas parecerá “injusto” se, durante o recreio, para para conversar apenas com o grupinho dos seus alunos preferidos. 
A percepção que o estudante tira acerca da equidade do tratamento da parte do professor tem importantes consequências sobre a sua motivação e o seu comportamento: sentir-se tratados injustamente ou perceber que não é recompensado justamente pelo próprio empenho pode produzir uma resposta agressiva, de escapatória ou de nivelamento por baixo (se recebo pouco, fico com vontade de dar pouco).
3.3. Dinâmicas da injustiça
Uma reflexão sobre a justiça no próprio trabalho e no relacionamento com os jovens deve ser aprofundada até ao ponto de identificar algumas posturas mais gerais, formas mais gerais de injustiça, que podem corroer, por dentro, toda real responsabilidade educativa.
A falta de empenho
Com a expressão falta de empenho não me refiro principalmente à postura originária de quem escolheu este mister como um trabalho qualquer, não pelo seu significado intrínseco (aquilo que, antes, se chamava “vocação”), mas apenas por gratificações externas como o salário, uma certa segurança econômica ou consideração social e que, portanto, é pouco identificado ou cínico desde o princípio.
Aqui, pretendo falar da falta de empenho que sucede pouco depois de um certo número de anos em quem, originalmente, havia começado cheio de entusiasmo e de confiaça e que poderia ser identificado por um estado ou um sentimento de depressão (que, entre outras coisas, é um risco típico das profissões de cuidado).
A depressão é o contrário do desejo e é o que mata o desejo. Um dos traços fundamentais da depressão, como explicam os psiquiatras, é que, para a pessoa deprimida, “tudo já é conhecido”, nada a interessa, a enche de curiosidade ou a move profundamente. Já sabe como vai acabar. Por isso, o tempo (também aquele passado na escola) se torna uma condenação, um peso.
Esta depressão que pode acontecer no tempo está ligada a dois aspectos:
- o peso esmagador da rotina. Este aspecto depende da ideia da transmissão do saber como um fato repetitivo, que não implica uma criatividade, ou seja, o se dar conta de que a dimensão burocrática toma a frente da dimensão intelectual. Tornam-se, assim, puros repetidores, “máquinas faladoras”. Repetem-se as mesmas aulas, dizem-se sempre as mesmas coisas. Sabe-se já de tudo sobre como os estudantes respoderão ou se comportarão. Nada mais surpreende.
- a desilusão pela vanidade dos próprios esforços. É o peso das “pressões laterais” que nunca são completamente contraladas e que proveem, por exemplo, do ambiente familiar dos jovens, do grupo de pares e do ambiente midiático no qual todos estamos imersos. Assim, se percebe que a própria ação e o próprio empenho são relativizados, contrastados e, frequentemente, tornados vãos por todas estas outras pressões e influências. E este esforço, no fim, esgota, esvazia de energias.
Lógicas sistêmicas e responsabilidade pessoal
Vivemos num tempo em que muitos comportamentos sociais parecem determinados unicamente pelas lógicas dos sistemas nos quais estamos inseridos. Um sociólogo alemão, Niklas Luhmann, muito citado pela direita e pela esquerda, observou que todos os sistemas sociais funcionam a partir de mecanismos automáticos, rotineiros e autorreferenciais. Para o funcionamento destes sistemas (econômico, político, de saúde, da educação) é preciso que todo agente individual, na medida em que detentor de um papel, desempenhe a sua tarefa segundo um padrão médio de eficiência e confiabilidade. A intecionalidade, a motivação, a decisão ou a paixão individual são fatores secundários e não-influentes. Nesta perspectiva, os diversos sujeitos individuais são perfeitamente substituíveis e intercambiáveis, e aquilo que uma pessoa faz hoje outro o fará amanhã mais ou menos do mesmo modo. Luhmann chamou o combustível deste mecanismo que se autorreproduz de “confiança sistêmica”.
Ao nível das ações individuais, de consciência subjetiva, quais são as implicações e as consequências deste modo de pensar e de agir? A principal consequência é a ideia difusa de que aquilo que conta são as “lógicas” do sistema das quais não é possível se subtrair, às quais se está necessariamente submetido. O que, em suma, não é uma questão de responsabilidade pessoal.
Assim, por exemplo, frequentemente se ouve dizer que os professores não conseguem ensinar bem porque as normas escolares, a falta de recursos, os vínculos burocráticos não lhes permitem fazê-lo. Ouvem-se jornalistas e profissionais da mídia dizendo que eles devem aplicar critérios de construção dos conteúdos que respondam às leis da concorrência e da massificação das escutas, e que isto explicaria a banalização e a baixa qualidade daquilo que vemos e escutamos todos os dias. E o mesmo fazem os empresários quando assumem jovens por breves períodos de tempo, sustentando que mais do que isso não podem fazer. Em suma, é a ideia de que a escolha e a decisão do sujeito humano conte pouco diante das lógicas sistêmicas nas quais é obrigado a agir.
Na realidade, não é assim ou não é sempre assim. Ao lado da credibilidade do papel, ou seja, da credibilidade ligada ao fato de absorver um certo papel segundo regras e tarefas estabelecidas por um contexto institucional “externo”, está sempre em jogo uma credibilidade no papel, ou seja, o modo no qual o professor – mesmo que com todos os condicionamentos presentes no ambiente em que age – vive pessoalmente aquele papel, o interpreta, imprime nele a sua humanidade e a sua personalidade.
A manipulação
Esta terceira forma de injustiça tem origem na simpatia, ou sejal, naquela maior preferência ou sintonia humana que experimentamos por certas pessoas em relação a outras. Nisso pode estar escondida uma armadilha, da qual é preciso estarmos conscientes. Os psicólogos sociais nos advertem que a simpatia se endereça mais facilmente para aqueles que se nos assemelham, quem é mais semelhante a nós no aspceto, nas opiniões, nos interesses, no modo de viver. Esta alavanca, e esta armadilha, é também muito eficaz porque, geralmente, tende-se a desvalorizar o efeito da semelhança sobre a simpatia que se experimenta pelos outros. E é duplamente perigosa. De um lado, porque torna incapazes de distância crítica na relação com os alunos, enquanto que esta distância é necessária, na medida em que um professor muito envolvido perde a capacidade de avaliar com lucidez a situação dos estudantes. É, porém, também perigosa do lado do jovem que se sente impulsionado a se assemelhar ao professor, às suas ideias ou aos seus modos de se comportar, sem ser convencido, de modo hipócrita. Ou seja, os jovens são obrigados, mais ou menos conscientemente, a colocar em ação estratégias de congraçamento, oportunistas ou de conluio, na tentativa de tornarem-se semelhantes ou parecerem semelhantes e bem aceitos pelo professor, a fim de tirar disso vantagem da mais favorável postura que isso possa produzir.

4. A raiz afetiva da educação
A raiz afetiva, talvez a mais determinante na relação educativa, se expressa em duas dimensões fundamentais: reconhecimento e reciprocidade.
4.1. A exigência de reconhecimento
Não é preciso recorrer à filosofia, à psicologia ou à sociologia – que, certamente, nos oferecem muitas confirmações – para que reconheçamos que cada um de nós percebe em si uma necessidade fundamental de reconhecimento, que os outros lhe digam “tu”, que o reconheçam como um “tu” – trata-se de uma evidência elementar.
A exigência de reconhecimento do próprio “eu” por parte de um “tu”, é a necessidade de não ser um a mais, mas de ser olhado, considerado, estimado pelos outros. É uma necessidade do homem de todos os tempos, mas hoje se torna, talvez, mais aguda e dramática, visto vivermos numa sociedade de massa, burocratizada, onde facilmente somos concebidos como indivíduos genéricos, sem qualidades.
O psicólogo Ronald Laing, retomando uma ideia de William James, observou de forma muito aguda que não há condição pior do que aquela do homem que é absolutamente livre num mundo no qual ninguém se dá conta dele. É perfeitamente livre num vazio de relações. Somente um figurante no fundo da cena.
Esta necessidade de reconhecimento se expressa ativamente na necessidade de sermos protagonistas, de um protagonismo positivo. Tal necessidade é mais forte, mais intensa, mais atormentadora na adolescência e na juventude, ou seja, na fase da conquista e da afirmação da própria identidade.
É uma necessidade tão intensa que não raramente se expressa nos jovens de forma patológica e aberrante, por exemplo numa busca exasperada de visibilidade, de exibicionismo, de identidades espetacularizadas cujos modelos de referência e os espaços de expressão são bem explorados pela rede e a mídia.
Trata-se do sucesso de uma cultura narcísica à qual corresponde toda uma indústria da identidade construída e artificial, um verdadeiro e particular marketing da autoexibição. Os episódios, frequentemente relatados pelas crônicas cotidianas, de adolescentes que se filmam com seus telefones celulares em situações desviantes e, depois, divulgam no YouTube, são expressões aberrantes desta cultura do aparecer e da identidade espetacularizada.
Mas, mesmo no meio dessas formas aberrantes há uma pergunta verdadeira, radical, que também os nossos jovens nos dirigem continuamente: o pedido de que alguém os olhe, os olhe de verdade, se dê conta deles.
Portanto, a terceira raiz fundamental da credibilidade é aquela qualidade da relação interpessoal entre professor e aluno pela qual o jovem é levado a pensar: “você (professor) é credível não apenas porque é competente, sabe ensinar, é apaixonado por aquilo que faz, tem uma simpatia ou uma sintonia, mas você é credível sobretudo porque me olha, me escuta. Porque você se deixa interrogar pela minha presença”. Tantas vezes os estudantes intervêm durante as aulas não porque tenha uma pergunta particular sobre conteúdos, mas quase com se dissessem: “estou aqui, olhe para mim, leve-me em consideração”. Ou outras vezes perturbam, são irritantes ou agressivos por esta mesma razão. É como se dissessem: “olhe para mim, se ocupe de mim”.
4.2. A reciprocidade da relação educativa
Outra modalidade, profundamente vinculada à primeira, na qual se expressa a dimensão afetiva da credibilidade é a reciprocidade da relação educativa. No De Magistro, Santo Agostinho afirma que a reciprocidade é aquela condição na qual quem educa e quem é educado estão dentro de um processo, de uma relação que compreende a ambos, na qual ambos crescem, se tornam mais si mesmos.
Sobre o tema da reciprocidade, é preciso focalizar dois aspectos.
A relação entre pares. Geralmente, quando se fala de educação, faz-se referência a uma relação vertical entre quem educa e quem é educado. Em termos macro-sociológicos, fala-se de transmissão de saberes, valores, modos de comportamento, de uma geração para outra. Em termos micro-sociológicos, ou seja, das relações interpessoais, fala-se de um relacionamento entre quem “transmite”, ou seja,o educador, o mais velho, o mais entendido, o mais instruído, o mais sábio, em suma, aquele que é dotado de mais recursos, e o educando, ou seja, aquele que recebe e acolhe aquilo que o outro transmite. É isso que uma antropóloga francesa, Françoise Héritier, definiu como o relacionamento construtivo entre “anterioridade” e “autoridade”.
Não se considera, porém, suficientemente, um  outro aspecto, isto é, a dimensão horizontal da educação, a educação entre os pares.
Gostaria de dar três exemplos para esclarecer este aspecto. O primeiro é o relacionamento conjugal entre marido e mulher. No casal, afetivo e conjugal, a educação é recíproca, um ajuda o outro a se tornar “adulto”, a crescer na própria humanidade, a se tornar responsável, a acolher-se e a acolher o outro mesmo com todos os seus limites. Por isso, é no relacionamento de educação recíproca entre pais que está a chave da capacidade e da responsabilidade educativa na relação com os filhos.
Segundo exemplo: a amizade. A amizade nasce do reconhecimento de uma sintonia e de uma simpatia por um outro, de uma imediata correspondência humana e não de um interesse instrumental. É um relacionamento entre pares que se baseia numa credibilidade afetiva, a percepção de que o outro me queira bem ou, mais exatamente, queira o meu bem.
Na “conversa amigável”, cada um pode descobrir mais a si mesmo, conhecer mais a si mesmo através do outro, mas desde que exista uma qualidade da conversa e da relação que os amigos construam. É importante que o estar juntos – e isto vale também para as redes sociais – seja alimentado por um desejo de autenticidade e de pleno envolvimento com os outros e com a realidade e não seja uma bate-papo vazio, uma repetição de palavras e gestos banais, alienantes ou degradantes, até à saturação e ao tédio ou até à busca de transgressões e emoções fortes.
Terceiro exemplo, central para o nosso tema: os colegas de trabalho. A empresa, a repartição pública, o escritório ou a escola são sempre comunidades de pessoas, antes de serem realidades organizativas. O trabalho comum, a cooperação no trabalho é educativa, no sentido de que se aprende um do outro, se buscam soluções juntos, cada um melhora a própria capacidade graças ao outro, graças ao conselho, ao estímulo e à ajuda do outro. Deste ponto de vista, a cooperação (ou ainda mais, a amizade) entre professores, o confronto entre eles, é um guia e uma ajuda também para o relacionamento que cada um deles tem como seus próprios alunos. A comunidade dos professores é uma condição essencial do clima educativo de uma escola, mas também da eficácia da ação educativa de cada um deles.
A relação complementar. Mesmo onde a relação educativa tem um caráter vertical, assimétrico e complementar (ou seja, entre o mais antigo e o mais jovem, o mais entendido e o menos entendido, como no caso do relacionamento professor-aluno), ela sempre deve conter, de alguma forma, um elemento intrínseco de reciprocidade, da qual é importante que se tornem conscientes, cada vez mais conscientes.
De fato, o ideal de personalidades maduras, realizadas, que move a educação não poder ser um esquema que o pai impõe ao filho, o mestre ao aluno, o amigo mais velho ao mais jovem, o trabalhador especialista ao aprendiz, segundo a própria imagem e o próprio projeto, mas tal ideal deve crescer e desenvolver-se na relação. Não é uma “definição” que alguém aplica a outro alguém, que alguém “derrama” sobre outro alguém, mas é uma construção comum que envolve ambos os sujeitos do relacionamento educativo, mesmo na distinção de papéis e de responsabilidades. 
Na educação (do outro) sempre há também uma dimensão de autoeducação, de educação de si. Na educação do outro sempre há, de fato, uma pergunta dirigida a si, um desafio que implica em primeiro lugar uma mudança de si.
Isso fica evidente quando um filho nasce. Nós o fazemos crescer e o educamos, mas a relação cotidiana com ele também nos muda a nós, educa também a nós. Não apenas no sentido de que se acrescenta um novo papel (o de mãe ou de pai) ao nossos papéis sociais, mas também porque muda a nossa psicologia e o nosso sentido de responsabilidade na relação com aquela pessoa singular e, ao mesmo tempo, muda – e alarga – o horizonte da experiência mais geral, o nosso lugar no mundo, diria Max Scheler.
Isto vale em geral para todos relacionamento educativo. O pai, o professor, o mestre, o trabalhador mais velho, todos influenciam, formam, educam o jovem, o aluno, mas, por sua vez, também é influenciado por ele, é modificado por ele. E deve aceitar isto como um desafio positivo.
Romano Guardini expressou de forma bastante eficaz o sentido desta reciprocidade. Num breve ensaio intitulado exatamente A credibilidade do educador, observa que “a mais potente ‘forma de educação’ consiste no fato de que eu mesmo [isto é, eu educador], em primeira pessoa, me impulsiono para frente e tenho trabalho para crescer. [...] Está exatamente aqui o ponto decisivo. É exatamente o fato de que eu luto para me melhorar que dá credibilidade à minha prontidão pedagógica para com o outro”.

5. Conclusão: a comparação pessoal e a pergunta sobre si
É credível quem pede seriedade e rigor a si mesmo, antes de o fazer aos estudantes. É credível quem é justo, ou seja, capaz de corresponder à sua necessidade de serem sustentados e valorizados.
Para a educação são úteis palavras e sinais, mas o sinal mais evidente é a pessoa daquele que ensina. O discurso, por si só, nunca é suficientemente persuasivo. As palavras, mesmo as mais sinceras, sozinhas não bastam. O que é verdadeiramente persuasivo é o exemplo. Por isso, a educação não pode ser separada do exemplo, se realiza principalmente através do exemplo e da comparação pessoal. O exemplo não é imposição, porque solicita uma adesão livre. O exemplo não obriga, mas interroga e provoca. Hoje, esta palavra não é amada, porque é vista como moralista [mas esta – como diria Theodor Adorno – é uma das “máscaras da mentira” do nosso tempo]. Se, de fato, refletirmos um pouco será fácil notar que a gênese dos valores em nós sempre tem a natureza de um confronto, de uma comparação pessoal. Aprendemos os valores que contam na nossa vida, agora e antes, num encontro com personalidades humanas, nós os aprendemos vendo-os encarnados, exemplificados em pessoas que amamos e admiramos, primeiro os nossos pais, os nossos professores, os nossos amigos. Depois, naturalmente, crescendo, aprendemos a sobrepor estes valores a um juízo, os experimentamos, verificamos, comparamos com as tantas situações concretas da nossa vida, ou seja, os aceitamos e reelaboramos criticamente.
A educação é uma ação presente, um compromisso e uma responsabilidade do hoje, que afunda as suas raízes no passado (a tradição ou a anterioridade de que falava Héritier), mas olha para o futuro, se projeta no futuro, é uma promessa que se realiza no futuro. A educação é sempre uma aposta e um riso: a aposta de que as premissas colocadas no relacionamento educativo possam amadurecer segundo um desenvolvimento positivo; o risco ligado ao fato de que isso se realizará num tempo e com a concorrência de circunstâncias não inteiramente previsíveis ou calculáveis, em primeiro lugar a liberdade, a adesão livre daquele que é educado.
Por isso, o relacionamento educativo, mais do que qualquer outro relacionamento humano, é fundado sobre a credibilidade do educador e sobre a confiança de quem é educado. É fundamental que aquele que é educado, olhando para modelos pessoais convincentes, creia que um tal modelo de humanidade se realizará também nele, que aquilo que aprender hoje lhe será útil amanhã, que aquilo que intui agora apenas como valor e sentido, amanhã o convencerá segundo uma adesão madura e consciente.
Se exemplo e reciprocidade são condições essenciais para educar, eles remetem a uma outra questão. Quem educa o educador? Quais são os lugares, as relações, os âmbitos nos quais o educar pode “melhorar-se” para dar credibilidade à sua prontidão educativa pelo outro? Quais são os lugares que o ajudam a “impulsionar-se para frente” e a “crescer” como dizia Guardini?
Este é um problema central, porque, hoje, os adultos são frequentemente confusos quanto aos modelos a serem oferecidos aos mais jovens. Ou então, teorizam a própria falta de empenho ou impotência, falando da exigência de deixar os jovens livres para fazerem as próprias experiências sem muitas indicações ou pressões. Por isso, a pergunta que deve ser colocada no centro do desafio educativo é: quais são os lugares que os adultos têm à disposição para realizar este percurso educativo sobre si mesmos, para se colocarem perguntas que realmente contam?
Eu os chamaria lugares de amizade, de escuta e de reconhecimento, nos quais podem educar a si mesmos, chamar a própria atenção para “olhar mais além”. Podem ser comunidades, associações, lugares de compromisso social, civil ou político. Também a Igreja, como companhia semper reformanda de homens movidos pelo desejo de imitação de Cristo, é um desses lugares, para quem crê é “o” lugar, onde se aprende a estar diante da própria humanidade e das suas perguntas e exigências fundamentais. Onde, desejando ser educados, aprendem a ser educadores.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 24 de fevereiro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

Nenhum comentário: