Entrevista com Paolo Musso, feita por Mario Gargantini
O cientificismo? Foram os filósofos que o inventaram. O racionalismo? Não é o nosso destino inevitável. Descartes? Um gigante da filosofia e da matemática, mas com a ciência moderna não tem nada que ver. A fé? Não apenas não é irracional, como o seu método tem muito de comum com o método científico. Pico Dela Mirandola, Pascal, Rosmini, Newman? Fiquem no sótão: a verdadeira alternativa para a modernidade é Galileu. São apenas algumas das teses, certamente “fortes” e destinadas a causar alguma discussão, contidas no último livro de Paolo Musso, La scienza e l’idea di ragione [A ciência e a ideia de razão, em tradução livre; ndt], que acabou de ser publicado pela editora Mimesis, com um lisonjeiro prefácio de Evandro Agazzi: uma obra desafiadora que se propõe, como diz o subtítulo, a traçar um quadro crítico da evolução de “ciência, filosofia e religião, de Galileu aos buracos negros e além”. Conversamos sobre o livro com o seu autor, docente da Universidade da Insubria de Varese e da Universidade Católica Sedes Sapientiae de Lima (Peru).
A primeira coisa que impressiona no livro é a vastidão: não tanto como tamanho da obra, mas pela amplidão e, ao mesmo tempo, profundidade dos assuntos tratados.
Sem dúvida. Com efeito, trata-se de um empreendimento ambicioso, talvez até demais. De outro lado, numa época na qual a filosofia está se transformando cada vez mais em filologia, é preciso mesmo que alguém tenha a coragem (ou a inconsciência, se se preferir) de tentar grandes sínteses. Mas, o senhor disse bem quando se refere ao fato de que a amplidão não significa menor profundidade e, eu acrescentaria, ou precisão. Digo-o sem presunção, consciente de que o mérito não é meu, mas do verdadeiro exército de amigos que, frequentemente comum a disponibilidade extraordinária, me ajudou a ir a fundo das questões que, sozinho, nunca teria conseguido entender nem superficialmente. Hoje, o conhecimento científico está em tão rápida evolução que não é possível fazer filosofia da ciência de forma séria a não ser que seja através de um relacionamento constante com os cientistas no trabalho. Não se trata, porém, de um livro para especialistas: pelo contrário, foi pensado para permitir diversos níveis de leitura, desde o leitor comum, passando pelas pesquisas escolares ou monografias de final de curso, até chegar à pesquisa de nível universitário.
Quanto da sua atividade de ensino influiu sobre o texto?
Foi fundamental. Antes, gostaria de aproveitar para agradecer publicamente aos meus alunos de Varese e de Lima. Sem eles este livro nunca teria nascido. Não foi à toa que o dediquei a eles.
Quais são as principais ideias-chave?
Tudo partiu de uma constatação paradoxal e inegável: a visão de mundo que, hoje, é largamente dominante e que é chamada de “modernidade”, se mostra como filha da ciência, sempre vista como indissoluvelmente ligada ao racionalismo no plano filosófico e ao mecanicismo no plano físico; e visto que a ciência é, para nós, um horizonte intranscendível, a “modernidade” se mostra também como intranscendível, uma espécie de destino fatal a que seremos definitivamente entregues. O paradoxo está no fato que tudo isso não tem nada que ver com a ciência real, mas muito mais com aquela sua caricatura que é o cientificismo, nascido dos filósofos e que somente, depois, contagiou também os cientistas. Que, além do mais, quando estão trabalhando, não podem fazer menos do que ser anticientistas nos fatos: porque o autêntico método científico experimental, codificado de maneira insuperável por Galileu, baseia-se numa ideia de razão estruturalmente aberta para a realidade, para a experiência, para o imprevisto e para o mistério; enquanto que o cientificismo baseia-se numa ideia fechada de “razão-medida-de-todas-as-coisas”, que, se colocada em prática, destruiria em primeiro lugar a própria ciência. Por isto, grande parte do livro é dedicada a fornecer uma informação correta sobre como a ciência nasceu e se desenvolveu, superando gradualmente o mecanicismo das origens, através da análise de algumas das grandes etapas paradigmáticas (Galileu, Newton, a termodinâmica, a relatividade, a mecânica quântica, a cosmologia, o caos e a complexidade).
Uma das passagens cruciais é feita de um confronto entre Galileu e Descartes. Por quê?
Porque existe um mito muito difundido segundo o qual Descartes seria o verdadeiro cofundador da ciência moderna, ao lado (e, às vezes até, acima) de Galileu.
E porém?
Porém, isso não é verdade. Descartes nunca entendeu nada do método galileiano, que, pelo contrário, foi criticado abertamente, e durante toda a sua vida continuou fazendo ciência (ou melhor, pseudo-ciência) a priori, isto é, segundo o método dedutivo típico dos filósofos aristotélicos que, nas suas palavras, eram tão desprezados. A verdade é que Descartes foi o primeiro dos modernos na filosofia e na matemática, onde foi um verdadeiro gigante (a ponto de podermos dizer que, sem ele, nunca teria sido possível as geometrias não euclidianas), mas do ponto de vista das ciências naturais foi, pelo contrário, o último dos antigos.
Então, por que se criou este mito?
Foi uma ação intencional, desejada. E o motivo me parece evidente: tal mito, de fato, permite fazer circular injustamente como fatores constitutivos da ciência o racionalismo e o mecanicismo, que são cosubstanciais ao método cartesiano, mas que não têm nada que ver com o método galileiano.
Ou seja, Descartes não lhe é muito simpático...
Não é uma questão de simpatia. Certamente Descartes era insuportavelmente presunçoso, mas também Galileu o era. Da mesma forma, Descartes não foi certamente menos “crente sincero” do que ele, e do ponto de vista da coerência moral tinha mais pontos do que Galileu. Mas o que lhe faltava completamente (e que Galileu tinha no mais alto grau) era o sentido do mistério, ou seja, a capacidade de se maravilhar diante da realidade: que, como dizia Einstein, “é a semente de toda a arte e de toda verdadeira ciência”.
O outro grande protagonista do livro é exatamente Einstein.
Era suficientemente óbvio, dado o tema. Mas não era óbvia a descoberta que fiz do quão profundamente ele e Galileu eram ligados. Einstein tinha em casa os retratos de Newton, Faraday e Maxwell, mas se lermos atentamente os seus escritos vamos descobrir que o seu verdadeiro norte foi Galileu. Esta é também a explicação para muitos mal-entendidos: não é possível entender, de verdade, Galileu sem entender Einstein, mas são bem poucos os filósofos e os historiadores da ciência renascentista que conhecem a teoria da relatividade.
O senhor gosta muito de Galileu, e julga de forma muita negativa as teses de alguns dos mais importantes críticos da modernidade, como Del Noce, Guardini, De Lubac...
Não os julgo negativamente! Antes, as suas ideias, particularmente as de Del Noce, têm um papel central na minha análise. Aquilo que não me convence é a sua pars construens, porque é uma veleidade esperar opor a um gigante como Descartes pensadores certamente grandes mas que não estão à sua altura, e sobretudo que são irremediavelmente marcados pela sensibilidade moderna, como Pico Della Mirandola, Pascal, Rosmini ou mesmo Newman, de quem gosto muito.
Galileu, pelo contrário, tem certamante a physique du rôle... mas, ele também não tinha os seus defeitos?
Os seus defeitos não me interessam! O que deve interessar a todos é aquilo que nos deixou como herança: nada menos do que um novo (e formidável) modo de usar a razão. Que, se bem entendido, é o exato oposto do reducionismo. E que, ao mesmo tempo, representa um dos últimos pontos de resistência contra o relativismo e o irracionalismo que se têm difundido.
A propósito do relativismo, o senhor é muito severo também com a epistemologia contemporânea.
Em boa parte dela, se não em toda ela, há várias décadas, prevalece uma postura relativista e antirealista absurda que nega que a ciência possa conhecer o mundo assim como é verdadeiramente. Para sustentar isso, é preciso ou não conhecê-la ou fingir que não a conhece. É interessante notar que o relativismo cultural moderno se desenvolveu em grande parte exatamente a partir destas teses epistemológicas: mostrar sua insustentabilidade tem, portanto, implicações que vão muito além do âmbito científico.
Muitos autores católicos, porém, veem com favor esta epistemologia “fraca”, porque pensam que ajude a defender a fé das excessivas pretensões da ciência.
É só porque não a conhecem. Do contrário, entenderiam que não apenas a ciência não é inimiga da fé, como também, pelo contrário, é, pelo menos potencialmente, a sua melhor aliada, dado que é, de qualquer forma, o único setor da cultura que defende ainda a ideia segundo a qual a experiência pode conduzir à verdade, cuja negação apriorística e imotivada constitui, ao invés, o verdadeiro “dogma central” da modernidade. E, seja como for, como repete continuamente Bento XVI, a fé não se defende restringindo o alcance da razão, mas alargando-o, ou seja, abrindo a razão a um horizonte maior.
* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 28 de junho de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.
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