Por Giovanni Maddalena
O que memória e beleza têm que ver com a lógica? É verdade que a lógica expressa apenas verdades necessárias de forma que de certas premissas advêm inevitavelmente certas conclusões? “Inevitavelmente” significa “mecanicamente”?
Comecemos da segunda pergunta, esperando que ela, depois, ilumine as outras duas. Certamente, há tipo de raciocínio que são necessários, o que significa que é impossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão seja falsa. Os silogismos clássicos estudados noa escola são deste tipo. Se todos os homens são mortais e Sócrates é um homem, inevitavelmente Sócrates será mortal.
Apóiam-se sobre a necessidade também as audaciosas formalizações da lógica do século XIX que se estuda ainda nas universidades. De Frege a Gödel, esta lógica garantiu uma compreensão muito mais precisa da lógica das proposições (“se chove, pego o guarda-chuava”), da predicativa (“alguns professores são sábios”) e da modal (“é necessário que os torcedores do Torino sofram”). Como se sabe, o projeto de uma compreensão de toda a lógica através deste caráter necessarista encontrou nos teoremas da incompletude de Gödel um limite, no sentido que o grande lógico mostrou que a formalização, se coerente, nunca pode ser completa.
Por mais útil qe seja esta lógica necessária (e o é, não obstante os seus detratores), dela escapam alguns processos racionais, que foram classificados normalmente como “ampliativos”, no sentido que alargam o nosso conhecimento mesmo se perdem em termos de necessidade. A indução clássica é o mais notável destes tipos de raciocínio: um certo número de amostras exemplificativas me conduz a identificar uma lei geral. Se as amostras foram escolhidas adequadamente (por acaso etc.) e a hipótese é limitada, a indução tem boas probabilidades de ser útil para a pesquisa.
Todavia, permanecem fora também deste tipo de raciocínio processos lógicos como: certas descobertas científicas particularmente significativas (a anedota da maçã de Newton é uma boa metáfora disso), o diagnóstico médico, o raciocínio indiciário (o caso de Cogne), as certezas morais em situações novas (confio ou não confio?). Aqui, a necessidade parece totalmente perdida. Mas, se perde também o uso da razão?
C. S. Peirce, célebre lógico norte-americano do fim do século XIX, havia elaborado um procsso para todos estes casos. Chama-se abdução ou retrodução e é a passagem do consequente ao antecedente: no caso anterior seria “pego o guarda-chuva, portanto chove”. Na lógica clássica, trata-se de um erro (falácia), mas se sairmos de uma lógica necessária, isso pode ser justificado. Como?
Se nos encontramos diante de um fenômeno surpreendente, que não tivesse sido catalogado pela nossa experiência passada (do contrário, se trataria de uma indução), podemos formular uma condicional (se a explicação fosse X, então o fenômeno surpreendente se explicaria) que o introduza numa explicação nova e convincente, que podemos, depois, verificar dedutivamente (se fosse assim, as consequências seriam...) e indutivamente (com uma verificação a partir das amostras). Mas, como fazemos para encontrar a explicação na qual o caso surpreendente possa ser lido? Aqui, Peirce tinha as ideias pouco claras, mas deixou indicações que podem ser sistematizadas da seguinte forma.
Encontramos uma explicação lendo os sinais que se encontram por trás do limiar simbólico, ou seja, lendo sinais que não são palavras ou símbolos – que recordam o objeto através de uma interpretação –, mas lendo sinais mais elementares, ícones e índices, que recordam o seu objeto por similaridades e conexões (a maçã que cai como sinal de uma ordem – que deveria ser uma força – e a sua conexão com o resto dos fenômenos de “queda”). Desde modo, lemos os sinais segundo a sua beleza e a sua plausibilidade no contexto. Dois modos diversos para compreender estética e ética em sentido gnosiológico: o ideal aspirado pelo raciocínio e a concordância entre o ideal e o raciocínio em curso. Os melhores romances policiais adotam esta estratégia (por exemplo, Os assassinos da Rua Morgue, de Edgar Allan Poe), bem como as grandes descobertas científicas e as certezas morais decisivas.
Mas, como fazemos para conhecer esta beleza? Com qual critério a julgamos? Como fazemos para saber que existe e o que é? Existe em nós um critério, frequentemente vago (que quer dizer “não determinado”), mas muito eficaz: Peirce o chamava “instinto racional”, a Bíblia o chama “coração”. Parece-me que seja o mesmo “instrumento” que Agostinho indicava com o termo “memória” no livro X das Confissões. Uma pessoa quer ser soldado para ser feliz e outra não quer ser soldado para ser feliz. Onde conheceu a felicidade para usá-la como critério? Ela se encontra inscrita no fundo da nossa razão e permanece como critério insuperável, mesmo que frequentemente só indeterminado, mais propenso a não ser satisfeito do que a se contentar, a dizer não mais do que sim (como dizia Sócrates do seu daimon), mas sinal inequívoco de que, no fundo dos nossos raciocínios, a nossa razão é feita para uma beleza sem fim.
* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 28 de junho de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.
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