sexta-feira, 19 de agosto de 2011

JMJ: a silenciosa semeadura do Senhor na contemporaneidade



Viagem Apostólica a Madri
Por ocasião da XXVI Jornada Mundial da Juventude
18 a 21 de agosto de 2011

Entrevista concedida pelo Santo Padre Bento XVI
aos jornalistas durante o voo para Madri

Voo Papal
Quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Padre Lombardi: Santidade, bem-vindo entre nós, muito obrigado por nos conceder, como é comum, este breve encontro durante o voo de ida. A “comunidade volante” dos jornalistas, aqui, é composta por 56 pessoas de vários países, mas os jornalistas que o esperam em Madri são mais de 4 mil. É um recorde para a Espanha e também se considerarmos os eventos mundiais. Todos nos comprometemos, naturalmente, a ecoar adequadamente suas palavras neste belíssimo acontecimento. Como é comum, proponho algumas perguntas que me foram dadas, há alguns dias, pelos jornalistas aqui presentes.

Santo Padre, estamos na 26ª Jornada Mundial da Juventude, a 12ª celebrada com um grande encontro mundial. João Paulo II, que as inventou, agora é Beato, e é o Protetor Oficial desta JMJ de Madri. No início do seu Pontificado, nos perguntávamos se o senhor iria continuar a linha do seu Predecessor. Agora, o senhor já está na sua terceira Jornada Mundial, depois de Colônia e de Sydney. Como o senhor vê o significado destes eventos na “estratégia” pastoral da Igreja universal no Terceiro Milênio?

Santo Padre: Caros amigos, bom dia! Fico contente de ir convosco para a Espanha por ocasião deste grande acontecimento. Depois de duas JMJ vividas também pessoalmente, posso apenas dizer que foi realmente uma inspiração a que foi dada ao Papa João Paulo II, quando criou esta realidade de um grande encontro dos jovens e do mundo com o Senhor. Eu diria que estas JMJ são um sinal, uma cascata de luz; dão visibilidade para a fé, visibilidade para a presença de Deus no mundo e criam, assim, a coragem de ser crente. Frequentemente os crentes se sentem isolados neste mundo, quase perdidos. Aqui, veem que não estão sozinhos, que há uma grande rede de fé, uma grande comunidade de crentes no mundo, que é belo viver nesta amizade universal. E, assim, me parece, nascem amizades, amizades que ultrapassam os confins das diversas culturas, dos diversos países. E este nascimento de uma rede universal de amizade, que liga o mundo e Deus, é uma importante realidade para o futuro da humanidade, para a vida da humanidade de hoje. Naturalmente, a JMJ não pode ser um acontecimento isolado: faz parte de um caminho maior, é preparado por este caminho da Cruz que passa por diversos países e já une jovens sob o sinal da Cruz e do maravilhoso sinal de Nossa Senhora. E assim a preparação da JMJ é muito mais que preparação técnica de um acontecimento com tantos problemas técnicos, naturalmente; é uma preparação interior, um colocar-se em caminho em direção aos outros, juntos rumo a Deus. E também, na sequência, após o estabelecimento de grupos de amizade, manter este contato universal que abre as fronteiras das culturas, dos contrastes humanos, religiosos, e assim é um caminho contínuo que guia a um novo vértice, a uma nova JMJ. Parece-me, neste sentido, que é preciso ver a JMJ como sinal, parte de um grande caminho; cria amizades, abre fronteiras e torna visível o fato de que é bonito estar com Deus, que Deus está conosco. Neste sentido, queremos dar continuidade a esta grande ideia do Beato Papa João Paulo II.

Padre Lombardi: Santidade, os tempos mudam. A Europa e o mundo ocidental em geral vivem uma crise econômica profunda, mas que também manifesta dimensões de grave inquietação social e moral e de grande incerteza pelo futuro, que se tornam particularmente dolorosas para os jovens. Nos dias passados vimos, por exemplo, os fatos acontecidos na Grã Bretanha, com desencadeamento de rebeliões ou de agressões. Ao mesmo tempo, há sinais de comprometimento generoso e entusiasmado, de voluntariado e de solidariedade, de jovens crentes e não crentes. Em Madri, encontraremos muitos jovens maravilhosos. Quais mensagens a Igreja pode dar para a esperança e o encorajamento dos jovens do mundo, sobretudo aqueles que, hoje, são tentados pelo desânimo e pela rebelião?

Santo Padre: Sim. Confirma-se, na atual crise econômica, aquilo que já havia aparecido na grande crise anterior, ou seja, que a dimensão ética não é algo exterior aos problemas econômicos, mas uma dimensão interior e fundamental. A economia não funciona apenas como uma autoregulamentação de mercado, mas precisa de uma razão ética para funcionar para o homem. E aparece outra vez aquilo que João Paulo II já havia dito na sua primeira encíclica social, isto é, que o homem deve ser o centro da economia e que a economia não deve ser medida segundo o proveito máximo, mas segundo o bem de todos, e que deve incluir a responsabilidade pelo outro e só funcionará verdadeiramente bem na medida em que funcionar de modo humano, respeitando o outro. E com as diversas dimensões: responsabilidade pela própria nação e não apenas por si mesmos; responsabilidade pelo mundo – também uma nação não está isolada, também a Europa não está isolada, mas é responsável por toda a humanidade e deve pensar nos problemas econômicos sempre a partir da responsabilidade pelas outras partes do mundo, por aquelas que sofrem, têm sede e fome, não têm futuro. E, portanto – terceira dimensão desta responsabilidade –, responsabilidade pelo futuro. Sabemos que é preciso proteger nosso planeta, mas devemos proteger – somando tudo – o funcionamento do serviço de trabalho econômico para todos e pensar que o amanhã é também o hoje. Se os jovens de hoje não encontram perspectivas na sua vida, também o nosso hoje é errado e “malvado”. Por isso, a Igreja, com a sua doutrina social, com a sua doutrina sobre a responsabilidade na relação com Deus, abre para a capacidade de renunciar ao proveito máximo e ver as coisas na dimensão humanista e religiosa, ou seja, ser um para o outro. Assim, novos caminhos podem se abrir. O grande número de voluntários que trabalham em diversos lugares do mundo, não para si, mas para o outro, e encontram exatamente assim o sentido da vida, demonstram que é possível fazer isto e que uma educação para estes grandes objetivos, como tenta fazer a Igreja, é fundamental para o nosso futuro.

Padre Lombardi: Santidade, os jovens do mundo de hoje vivem geralmente em ambientes multiculturais e multiconfessionais. A tolerância recíproca é mais necessária do que nunca. O senhor insiste sempre muito sobre o tema da verdade. O senhor não pensa que esta insistência sobre a verdade e sobre a única Verdade que é Cristo possa ser um problema para os jovens de hoje? Não acredita que esta insistência os dirija para a contraposição e para a dificuldade de dialogar e buscar junto com os outros?

Santo Padre: A vinculação entre verdade e intolerância, monoteísmo e incapacidade de diálogo com os outros, é um argumento que frequentemente retorna no debate sobre o cristianismo de hoje. E, naturalmente, é verdade que na história houve abusos, seja do conceito da verdade, seja do conceito do monoteísmo; mas foram abusos. A realidade é totalmente diferente. O argumento está errado, porque a verdade é acessível somente na medida em que há liberdade. Podem ser impostos, com violência, comportamentos, observâncias, atividades, mas não a verdade! A verdade se abre apenas para a liberdade, para o livre consentimento, e por isso liberdade e verdade são intimamente unidas, uma é condição para a outra. E, além do mais, buscar a verdade, os verdadeiros valores que dão vida e futuro, não tem alternativa: não queremos a mentira, não queremos o positivismo de normas impostas com uma certa força; somente os valores verdadeiro levam ao futuro, por isso, dizemos que é necessário buscar os valores verdadeiros e não permitir o arbítrio de alguns, não deixar que se fixe uma razão positivista que nos diz, acerca dos problemas éticos, dos grandes problemas do homem, que não existe uma verdade racional. Isto sim seria expor verdadeiramente o homem ao arbítrio daqueles que têm o poder. Devemos estar sempre em busca da verdade, dos verdadeiros valores; temos um núcleo nos valores, nos direitos humanos fundamentais; outros elementos fundamentais semelhantes são reconhecidos e, exatamente eles, nos permitem um diálogo uns com os outros. A verdade como tal é dialógica porque tenta conhecer melhor, entender melhor e o faz em diálogo com os outros. Assim, buscar a verdade e a dignidade do homem é a maior defesa da liberdade.

Padre Lombardi: Uma última pergunta, Santidade. As Jornadas Mundiais da Juventude são um tempo muito bonito e suscitam muitos entusiasmos, mas os jovens, depois, voltam para suas casas e encontram de novo um mundo no qual a prática religiosa está diminuindo cada vez mais fortemente. Muitos deles, provavelmente, não serão mais vistos na igreja. Como é possível dar continuidade aos frutos das Jornadas Mundiais da Juventude? O senhor acredita que, efetivamente, elas deem frutos de longa duração, para além dos momentos de grande entusiasmo?

Santo Padre: Deus sempre semeia silenciosamente, nunca aparece imediatamente nas estatísticas. E com a semente que o Senhor coloca na terra com as JMJ, acontece como a semente de que Ele fala no Evangelho: algumas caem no caminho e se perdem; outras caem sobre a pedra e se perdem; outras caem entre os espinhos e se perdem; mas algumas caem em terra boa e produzem muitos frutos. Exatamente assim é a semeadura da JMJ: muito se perde – e isto é humano. Com outras palavras do Senhor: o grão de mostarda é pequeno, mas cresce e se torna uma grande árvore. Com outras palavras ainda: certamente, muito se perde, e não podemos dizer que a partir de amanhã recomeça um grande crescimento da Igreja. Deus não age assim. Mas, cresce em silêncio e cresce muito. Sei das outras JMJ que muitas amizades nasceram, amizades para uma vida inteira; tantas novas experiências. E é sobre este crescimento silencioso que colocamos nossa confiança e estamos seguros, mesmo que as estatísticas não falem muito... a semente do Senhor realmente cresce e será, para muitas pessoas, o início de uma amizade com Deus e com outros, de uma universalidade do pensamento, de uma responsabilidade comum que realmente nos mostra que estes dias trazem frutos. Obrigado!

Padre Lombardi: Obrigado ao senhor, Santidade, por esta conversa que já nos orienta rumo aos temas essenciais destes dias belíssimos. Desejamos ao senhor, naturalmente, que estes dias sejam – não obstante o calor – cheios de alegria e de satisfação. Porém, antes de deixar o senhor retornar ao seu lugar, queria dizer que também para a nossa comunidade hoje é um dia de festa, porque há uma das nossas decanas, uma que fez todas as viagens de João Paulo II e todas as do senhor, exceto uma, porque não estava muito bem, e que hoje está fazendo aniversário. Os anos são naturalmente poucos, mesmo que as viagens tenham sido tantas. Trata-se de Paloma Gómez Borrero a quem felicitamos junto como senhor.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 18 de agosto de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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