sexta-feira, 19 de novembro de 2010

David Foster Wallace: a outra face das coisas


Por Linda Stroppa

No último dia 15 de novembro, um encontro do ciclo “Ex Cathedra” enfrentou um dos maiores escritores americanos. Que nunca deu nada por óbvio. Fazendo emergir, de uma partida de tênis ou de uma fila de carros na estrada, a grandeza do homem

Aquilo que faz de Foster Wallace um grande escritor não é a inteligência ou o estilo. Mas, “num certo sentido, poderíamos falar de piedade. Por si, antes de tudo”. Quem disse foi Luca Doninelli, jornalista e escritor, leitor apaixonado de David Foster Wallace, “um dos maiores autores que a América deu ao mundo”. Originário de meio-oeste, nascido no ano de 1962, morreu em 2008. “Professor de literatura e tenista sem sucesso”: basta isso para apresentá-lo. O resto emerge dos seus contos.
E foi assim o dia 15 de novembro, quando, no ciclo de encontros “Ex Cathedra”, promovido pela Fundação Vita e pela Associação Testori, Luca Doninelli e a atriz Danielle Sassoon deram voz às palavras de This is water (conto não traduzido em língua portuguesa; ndt): a saudação – e o convite – dirigido pelo escrito norteamericano aos formandos do Kenyon College, em Ohio.
Era o ano de 2005. Foster Wallace subiu ao palco. Parabenizou apressadamente os estudantes. E, em seguida, começou. “Há dois jovens peixes que nadam”, assim deu início ao discurso, “e, num certo ponto, encontram um peixe ancião que está nadando na direção oposta, acena saudando-os e diz: ‘Salve, rapazes. Como está a água?’. Os dois jovens peixes nadam um pouco mais, depois um olha para o outro e diz: ‘Mas, que diabos é a água?’”. Dez segundos de silêncio. Onde estava o tom acadêmico? Não estava citando nenhum grande mestre. Surgiram perguntas.
Foi o autor mesmo quem esclareceu as ideias: “As realidades mais óbvias, onipresentes, são frequentemente as mais difíceis de entender”. Uma banalidade, mas apenas aparentemente. Não há nada de óbvio. Foster Wallace nos pega pela mão e nos mostra isso. Seguem-se páginas comoventes: são uma advertência aos seus estudantes, que ainda não sabem o que é que está em jogo. Quanto à vida. “A educação que se deveria receber na universidade”, diz, “não diz tanto respeito à capacidade de pensar, mas muito mais à faculdade de escolher o que pensar”. Segundo obviedade aparente. Mas que, graças à pena irônica, Foster Wallace declina. Até levar o leitor a uma alternativa. Clara. Diante da rotina congelante do “dia após dia”, feita de “intermináveis filas no supermercado e intermináveis filas nas estradas”, podemos escolher. Eis a grandeza do homem.
Podemos escolher ficar perenemente aborrecidos nas “bobagens frustrantes do cotidiano”, ou então... Há um “ou então”. A outra face das coisas. Segunda pausa de silêncio. Em seguida, a conclusão: “Depende do que vocês querem levar em consideração”. Ou seja, dependa do que vocês desejam: do que vocês escolhem venerar. “Porque, para bem dizer – continua o escritor – no mundo dos adultos o ateísmo não existe”. E as alternativas, às vezes, não são possíveis, mas sagradas. Tudo depende do fato de vencer ou não a “modalidade predefinida”, a inconsciência do deixar-se viver. Se é assim, estamos ferrados. Porque “o aspecto traiçoeiro de algumas escolhas não é que sejam malvadas ou pecaminosas. É que sejam inconscientes, e ponto final”.
Foster Wallace é categórico. Como no romance Infinite Jest (também sem tradução para o português; ndt) e nos outros contos que ele escreveu. Ele só dá aquilo que pode oferecer: a si mesmo. “Para ele, a literatura é um modo de entregar-se inteiro aos outros”, explica Doninelli. “E não pergunta qual deve ser a resposta, mas exige que se responda”. O que implica numa escolha. É este o augúrio que dirige a seus estudantes. Para que aprendam a julgar. Se esta é a água.

* Texto extraído de Tracce.it, do dia 18 de novembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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