sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O drama de Calogero: a poesia resolve o mistério da morte?


Por Laura Cioni

A vida de Lorenzo Calogero conclui-se em 1961, com o suicídio. O peso muito grande da luta, a forte desilusão por ter visto sua voz não ser escutada, permanecer desconhecida e quase sem ressonância, contribuíram para o desgaste psíquico e a queda de um poeta possuidor de profundo conhecimento literário e consciente do valor da própria arte, mas dotado de um equilíbrio interior frágil.
Ele nasceu em 1910, na província de Reggio Calábria, numa família abastada, terceiro de seis filhos. Em 1922, transfere-se para a capital, onde frequenta as escolas de nível médio. Em seguida, em 1929, vai para Nápoles, onde começa os estudos universitários, inscrevendo-se primeiro em Engenharia, depois em Medicina. Naqueles anos, começou a escrever versos e a entrar em contato com Piero Bargellini (1897-1980) e Carlo Betocchi (1899-1986), para quem enviou algumas poesias na esperança de que fossem publicadas. Revelam-se, nesse mesmo período, os primeiros sintomas das fobias que tornaram sua saúde sempre muito precária. graduou-se em 1937 e, dois anos depois, começou a exercer a profissão em diversos centros da Calábria. Eis uma lírica que remonta a esses anos de atividade poética:
Molti fiori, molte cose odorose
furono concesse a me
da montagne non mie,
pur quando era passato il tempo per riceverle.
Ora mi siedo in una valle ombrosa
presso una fonte
dell’amorosa campagna
e guardo con quale passo
intrattenibile, oscurando i rami
degli alberi, passa il tempo.
(Muitas flores, muitas coisas perfumadas /  foram concedidas a mim / por montanhas que não são minhas, / mesmo quando já havia passado o tempo de recebê-las. / Agora, sento-me num vale sombreado / perto de uma fonte / do amoroso campo / e olho com que ritmo / incontinente, obscurecendo os ramos / das árvores, o tempo passa; ndt).
Em 1949, concluiu-se amargamente a sua primeira história de amor. Mas ele continuou a mandar os seus manuscritos a homens de cultura, sempre obtendo êxito negativo. Em 1954, recebeu o cargo de médico, na província de Siena, onde permaneceu por apenas um ano, porque uma deliberação do conselho municipal o demitiu do cargo. Voltou, então, definitivamente para a sua cidade, permanecendo em completa solidão, até mesmo por causa da vileza das pessoas que o tratavam com aberta desconfiança.
Os últimos anos de vida foram marcados por diversas internações em clínicas psiquiátricas, por um novo amor infeliz, por um irreprimível trabalho de escrita. Publicou, por conta própria, algumas coletâneas de versos e gozou da amizade de Leonardo Sinisgalli (1908-1981), com quem manteve um denso relacionamento epistolar. Em 1957, venceu um prêmio literário. Mas, a sua saúde declinou; não se nutria, mantinha-se com soníferos, cigarros e café; consagrava-se somente à poesia, cortejando a morte. O seu corpo sem vida foi encontrado no dia 25 de março de 1961. Ao seu lado havia um bilhete: “Peço-lhes não ser enterrado vivo”.
Só então a crítica parece tê-lo descoberto; falava-se dele como do “novo Rimbaud italiano”. Após a aclamação que durou quase ininterrupta até o ano de 1966, o silêncio de novo caiu sobre Calogero e a maior parte da sua produção, ainda hoje, permanece inédita.
Muitas líricas não parecem deixar pressagiar o trágico fim do poeta, abertas como são à esperança, dispersa em paisagens evanescentes.  Ele aparece nessas poesias como um mendicante do amor, absorto num silêncio que é fome de vida, pedido por uma revelação:
Angelo della mattina
risvegliami ancora
per la nuova fulgente aurora
che s'arrossa sull'orizzonte o s'incrina.
Io sono uno strano mendicante
che chiede amore e parole,
sono un solitario emigrante
verso le terre della luce e del sole.
Vienimi coi tuoi fulgori,
angelo che non ristai,
coi tuoi infiniti fulgori
colle movenze che tu sai,
e crescimi delle meraviglie,
di quanto raccogli negli occhi neri,
degli infiniti misteri
che tu celi dentro l'arco dei cigli.
(Anjo da manhã / desperta-me de novo / para a nova aurora fulgente / que se avermelha no horizonte ou chora. / Eu sou um estranho mendicante / que pede amor e palavras, / sou um solitário emigrante / que segue em direção às terras da luz e do sol. / Vem a mim com teus fulgores, / anjo que não paras, / com teus infinitos fulgores / com os movimentos que tu conheces, / e faz-me crescer em maravilhas, / naquilo que colhes nos olhos negros, / dos infinitos mistérios / que tu escondes dentro do arco dos cílios; ndt)
De forma mais breve, ele retorna ao tema do desvelar-se das coisas:
Di tanto rovinoso mare
poco suono giunge
al mio orecchio assorto
in ascoltazione dell’Eterno
che come un angelo passa.
(De tão ruidoso mar / pouco som chega / ao meu ouvido absorto / na escuta do Eterno / que como um anjo passa; ndt).
Uma última lírica parece conter toda a tentativa do poeta, destinado à falência, mas não por isso dominado pelo rancor. O repouso no vento é ainda, mesmo que paradoxal, desejo de viver:
Mandai lettere d’amore
ai cieli, ai venti, ai mari,
a tutte le dilagate
forme dell’universo.
Essi mi risposero
in una rugiadosa
lentezza d’amore
per cui riposai
su le arse cime frastagliate loro
come su una selva di vento.
(Enviei cartas de amor / aos céus, aos ventos, aos mares, / a todas as fluentes / formas do universo. / Que me responderam / numa orvalhosa / lentidão de amor / e eu repousei / em seus cimos incendiados / como que sobre uma selva de vento; ndt)

* Texto extraído do IlSussidiario.net, do dia 17 de novembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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