Por Mauro Chaves
"I have only two words to tell you: please go" ("só tenho duas palavras a lhe dizer: por favor, vá"). Foi dizendo só isso que Winston Churchill frustrou a expectativa de seus colegas no Parlamento inglês, que esperavam dele, então líder oposicionista, um longo, contundente e brilhante discurso contra o então primeiro-ministro do Reino Unido, Arthur Neville Chamberlain, que fora ao Legislativo para se explicar depois do desastrado Acordo de Munique, que fizera com Adolf Hitler, entregando-lhe de mão beijada a região dos Sudetos, em troca de promessa de paz - o que levou Hitler a ocupar o resto inteiro da Checoslováquia e depois quase toda a Europa. Mas com apenas aquelas duas palavras Churchill foi fulminante e pôs fim a um governo pusilânime, que sob o pretexto da conciliação só estimulou a ação do mais sanguinário dos ditadores da História do Ocidente. E o gordo lorde britânico, sempre na banheira e com seu indefectível charuto, conduziu seu povo na resistência titânica que mudou o curso de uma trágica história. Este era um estadista.
De Gaulle precisou de apenas oito minutos na televisão para debelar a grande crise de 1968, iniciada pelos estudantes em Nanterre, liderados pelo jovem anarquista Daniel Cohn-Bendit e seu megafone fanhoso, que acabou deixando Paris sob montanhas de lixo não recolhido e o país inteiro paralisado por uma rebelião sem reivindicações claras, a favor de ninguém e contra tudo. O herói que restituiu a "grandeza" da França, que iniciava seu discurso sempre com a invocação "francesas e franceses" (só nisso imitado no Brasil, com a abertura "brasileiros e brasileiras" ou o ridículo cumprimento "a todos e todas", que nem sequer respeita a etiqueta básica do "ladies first"), poderia ter um ar soberbo que fazia seus assessores contar e lhe dizer o número de degraus de toda escadaria que deveria descer em público, já que o general se recusava a baixar a fronte em quaisquer circunstâncias. Mas ele conseguiu, efetivamente, recuperar a velha grandeza de uma nação que ante o inimigo invasor se dividira entre colaboracionistas e heróis resistentes. Este era um estadista.
Muito antes, os Estados Unidos da América já haviam vivenciado a atuação de uma liderança extraordinária, a de Abraham Lincoln, que depois de uma guerra civil sangrenta, que dividira a nação, precisou de pouquíssimos minutos - dizem que apenas dois - para, em seu discurso aos soldados enterrados no Cemitério de Gettysburg (o Gettysburg Address), dizer que não havia vencedores nem vencidos, mas sim uma nação inteira vitoriosa, que conseguira conquistar uma nova natureza de liberdade - que ele consubstanciou na 13.ª Emenda à Constituição, abolindo a escravatura. Aliás, foi nesse curtíssimo discurso que ele definiu a República como o "governo do povo, pelo povo e para o povo", palavras literalmente copiadas na Constituição da Quinta República Francesa, em 1958. Este era um estadista.
Franklin Delano Roosevelt - depois de muito esforço de convencimento de Churchill - resolveu comandar as forças aliadas para salvar o mundo do nazismo, depois de ter feito seu país superar a terrível crise de 1929 e obter uma formidável multiplicação de emprego e renda que gerou a maior potência econômica, industrial, agrícola e militar do planeta. Com firmeza e paciência Konrad Adenauer recuperou uma Alemanha destroçada e a fez reposicionar-se como uma das grandes lideranças econômicas, científicas e tecnológicas do Ocidente. Roosevelt e Adenauer eram estadistas.
Que tinham eles em comum? Uns com nenhum carisma (Adenauer), outros com excesso (De Gaulle), uns de espírito mais democrático que outros, uns mais personalistas, outros menos, de qualquer forma todos eles colocavam a nação acima de quaisquer interesses políticos, grupais ou pessoais. Todos tinham seus partidos e seguiam ou não suas diretrizes partidárias. Mas os verdadeiros estadistas jamais foram sectários, prosélitos extremados de doutrinas ou ideologias, e muito menos lançaram mão de todo o seu poder de chefes de Estado e governo para interferir em favor de sucessores. Acima de tudo, estadistas sempre uniram suas nações, não as dividiram. Também os verdadeiros estadistas não são boquirrotos, falam com concisão, precisão e sem ambiguidades, em linguagem franca, mesmo que isso signifique a dolorosa promessa de "sangue, suor e lágrimas".
No Brasil tivemos apenas um simulacro de estadista, que sujou sua extraordinária biografia de ascensão ao fazer pouco das instituições e abusar de seu poder de mando, de modo a que prevalecessem, a qualquer custo, seus objetivos ou caprichos políticos. Talvez seu desprezo pelas leis, pela Justiça e pelas normas de comportamento elementares, a que se obriga um chefe de Estado e governo, se deva ao fato de seus amigos intelectuais, que lhe ensinaram tantas coisas, terem se esquecido de lhe ensinar alguns princípios básicos da República e da democracia, como, por exemplo: o governo para todos, independentemente de coloração partidária, regional ou grupal; um mínimo de majestática isenção em relação às forças políticas que disputam o poder, já que se tem o mais elevado posto público, propício à pacificação coletiva - e não à estimulação de conflitos; o respeito pleno à liberdade de expressão, a capacidade de absorver críticas e de chamar à responsabilidade os companheiros ou amigos que infringem as normas legais - em lugar de lhes fazer cafuné. Os que têm como lema "aos amigos tudo e aos inimigos a lei", decisivamente, não foram estadistas.
É verdade que em algumas raras vezes os estadistas podem surgir inesperadamente, da noite para o dia, atuando acima de suas notórias limitações, resolvendo problemas e crises que jamais se imaginaria serem capazes de debelar.
Por isso aqui, no Brasil, ainda podemos nutrir, no atual momento, remota esperança.
* Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor. Texto extraído da versão online d'O Estado de São Paulo, do dia 20 de novembro de 2010.
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