sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Vargas Llosa, um “marxista liberal” que soube falar do homem


Entrevista feita com Dante José Liano

Venceu o Nobel pela “sua cartografia das estruturas do poder e pela sua aguda imagem da resistência, da revolta e da derrota do indivíduo”. São estas as motivações com as quais a Academia da Suiça designou o prêmio Nobel de Literatura, no ano de 2010, a Mário Vargas Llosa. O autor peruano, nascido em Arequipa há 74 anos atrás, recebeu a notícia quando se encontrava em New York e confidenciou não acreditar até ver a confirmação nos jornais. A obra de Vargas Llosa é lida e apreciada em todo o mundo. Dessa vez, pode-se dizer, crítica e “público” estiveram, finalmente, de acordo. Sobre o autor de A festa do bode, História de Mayta, Conversa na Catedral, o IlSussidiario conversou com Dante José Liano, docente de Língua e Literatura Hispanoamericana da Universidade Católica de Milão. “Estou satisfeito com este Nobel – disse Liano – porque premia uma literatura, a sulamericana, que é ainda muito viva e oferece um olhar sobre um continente que tem tanto a dizer e a aprender”.

Professor, era esperado que Vargas Llosa obtivesse o reconhecimento máximo?
Sim, e acredito que ele o mereça plenamente, porque, junto a García Márquez, é, sem dúvida, um dos maiores escritores contemporâneos e não só da América Latina. É uma recomendação que faz parte da lógica do Nobel. O prêmio poderia ter sido conferido a Carlos Fuentes, outro grande da literatura hispanoamericana.

O senhor está dizendo que ele mereceria mais do que Vargas Llosa?
Não. Apenas estou colocando Fuentes junto a Vargas Llosa e García Márquez, com os quais forma um grupo de mesmo nível. A recomendação do Nobel a um dos dois primeiros era uma hipótese de mesma medida. Não concordo, porém, com a motivação que, me parece, é um pouco redutiva ou, pelo menos, parcial, porque acredito que a variada obra de Vargas Llosa abrace um universo muito mais vasto. Ele soube sondar a profundidade da natureza humana, tocando os seus mecanismos mais internos e complexos.

Portanto, há um Vargas Llosa mais profundo do que aquele que emerge das motivações do prêmio?
Acho que sim. Pensemos, por exemplo, na sua capacidade de reflexão sobre o fenômeno literário, na sua produção científica sobre diversos autores, a começar pelo seu amigo/inimigo García Márquez a quem dedicou um poderoso volume, fundamental para compreendeê-lo. Não esqueçamos que Vargas Llosa escreveu também sobre Gustave Flaubert.

O senhor disse que Vargas Llosa soube sondar o coração do homem. Como é o home quem o escritor peruano nos oferece?
Muito complexo e variado, e nisso responde à característica de toda a sua produção. Eu diria que uma busca contínua na profundidade do humano é a coisa mais constante em sua obra. Penso, por exemplo, no História de Mayta, no qual conduz o leitor rumo às motivações mais íntimas de um jovem que abraça a ideologia da esquerda; ou, outro exemplo, penso naquelas partes nas quais ele vai em busca do lado engraçado das situações e dos personagens. Porque existem também esses lados; em menor medida, mas existem.

No que o novo Nobel é tipicamente sulamericano, e no que é universal?
É universal na medida em que é profundamente sulamericano. Lembra-se daquela frase de Tolstói? Se quiseres falar do mundo, fala do teu vilarejo. Eu diria que Vargas Llosa fez isso. Falando do Peru, ou da República Dominicana, ou de realidades ainda mais restritas, conseguiu tocar a consciência de quase todo homem.

Ele também tentou a carreira política. Em 1990, candidatou-se nas eleições presidenciais do Peru contra o autoritário Alberto Fujimuri, mas perdeu...
Uma derrota que lhe permitiu continuar escrevendo. Não foi um grande político. Obviamente, sendo também eu um homem de letras, posso errar, mesmo acreditando que Vargas Llosa tenha errado mais.

O encontro com Jean-Paul Sartre o influenciou em quanto, no seu entender?
Vargas Llosa leu Sartre quando tinha algo entre vinte e vinte e cinco anos, quando estudava na Universidade de São Marcos, em Lima. Mais do que no período em que esteve em Paris, foi nesse primeiro momento que seguiu o filósofo existencialista. Pode ser, inclusive, que o próprio Sartre o tenha levado a abraçar a doutrina marxista que, mais tarde, será abandonada.

O escritor é muito lido. É amado também pela crítica?
Sim. Eu diria que o reconhecimento dos seus méritos literários não está em discussão. Todos sustentam que, depois que mudou de ideologia política, houve uma queda na sua literatura, mas não creio que seja assim. Quando se consegue escrever um romance como A festa do bode, depois de ter passada da esquerda para a direita, se confirma como tendo permanecido aquilo que se é, ou seja, um grande narrador.

Professor, qual é o “seu” Vargas Llosa, e qual é a obra que o senhor aconselharia ao leitor que quisesse conhecê-lo?
O primeiro... aquele dos romances da juventude que, segundo o meu humilde parecer, são as obras primas absolutas do autor. A cidade e os cachorros é um romance que não tem defeitos; também Conversa na Catedral ou A casa verde são romances quase perfeitos, escritos com o desejo e a raiva palpáveis de buscar aquilo que é mais profundo na sociedade e na alma humana. São livros que deixam o leitor completamente satisfeito. Naturalmente, trata-se de uma opinião pessoal.

Por que a Academia da Suiça fez a escolha mais justa?
Porque premia uma literatura, a sulamericana, que ainda é muito viva e tem muitas coisas a dizer, mesmo à luz daquilo que atualmente é a América Latina. É um continente onde acontecem coisas novas, onde estão sendo experimentadas novas formas de política, de sociedade, de convivência, onde emergem novas realidades culturais e étnicas. E o prêmio a Vargas Llosa oferece um olhar sobre um continente que tem tantas coisas a dizer e a aprender.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 8 de outubro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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