segunda-feira, 2 de agosto de 2010

“Tenho a graça de ser miserável”. Padre Aldo Trento fala de si mesmo



Entrevista feita com Aldo Trento, por Marina Corradi

A entrevista de Marina Corradi feita com Padre Aldo Trento está contida no livro deste último, Os dez mandamentos, que é o primeiro título da coleção Lindau Os livros de Tempi. O volume estará a venda por € 10,00 no estande de Tempi, no Meeting pela amizade entre os povos (de 22 a 28 de agosto, na Feira de Rímini, pavilhão C3).

Abril de 2010. Padre Aldo Trento está de passagem por Milão. Eu o encontro na casa de um amigo seu, em Concorezzo. Nunca havia conversado com ele cara a cara. Fiquei tocada com o seu rosto simples e com seus olhos claríssimos, com algo de infantil. Estas são algumas das perguntas que lhe fiz e suas respostas.

O que não entendo é como você faz para falar de Cristo como se fosse de uma Presença absolutamente concreta. É algo que me maravilha. Eu não vejo Jesus Cristo. Eu O procuro, O persigo, mas não é uma Presença como você, agora, é para mim. Entendo muito bem o Barrabás de Lägerkvist, que, depois de ter rodado por muito tempo em volta do Gólgota, diz cansado: “Desejei acreditar”. Para mim, mesmo no desejo, Jesus Cristo permanece frequentemente um fantasma.
Também comigo, antes, acontecia isso que você diz. O que deu concretude a Cristo foi o modo com o qual Giussani me olhou, o modo com o qual me acolheu e acompanhou. Através do olhar de Dom Giussani, Cristo se tornou uma Presença concreta ao meu lado.

Ok! Você conheceu Giussani, porém nem todos os que encontraram Giussani chegaram a uma certeza de fé igual à sua. Enquanto que tantos homens não encontram nem Giussani nem alguma testemunha credível de Cristo. O que vai ser dessas pessoas?
Acredito que quem conhece um cristão autêntico e continua o seu caminho tranquilamente é um burguês, que, no fundo, tem sobre a vida uma pergunta modesta. Quanto àqueles que não encontram ninguém, penso que esteja em ação uma espécie de seleção natural sustentada pela intensidade da pergunta pelo sentido. Se a pergunta é, de fato, forte, um homem procura e procura: enquanto não encontrar.

E estes últimos, são prediletos? Os prediletos existem?
Que existam é a própria Escritura que o testemunha, e são aqueles que Deus mais castiga, para que não parem de procurá-Lo.

Você disse, há dois anos, no Meeting: a depressão é uma graça. A depressão, como você sabe muito bem, é também um profundo sofrimento. Graça, portanto, por quê?
Para mim, foi o que me moveu a procurar para além dos meus limites, da minha miséria, da minha ideologia juvenil. De maneira mesmo atroz: por anos eu não dormi, quase cheguei a bater a cabeça na parede de desespero, desejava morrer. Mas a depressão foi a ferida que manteve aberto o meu pedido por Cristo. Hoje, quem tem um sofrimento psicológico acredita que está doente e vai ao médico. Mas, eu não acredito que sejamos todos doentes. É que não suportamos aquilo que mantém aquela ferida aberta: seja a depressão, uma doença, ou mesmo o se apaixonar por alguém de quem não deveríamos. Queremos eliminar o mais rápido possível os problemas. Ou talvez queremos ser “bravos”, mas apenas moralisticamente. Giussani, a este respeito, era radical: nunca convidava a se retirar do problema, mas sempre a ir a fundo, a enfrentar aquilo que se nos colocava como desafio. Ele me disse: se tivesse que não dormir por ano e isto servisse para manter vivo o seu pedido por Cristo, eu lhe diria que não dormisse. Porém, a nossa tendência é sufocar as feridas, anestesiá-las, manter adormecida a pergunta.

[Este homem, pensem, é de uma radicalidade que fascina e dá medo.] Você fala e mostra que vive de uma única razão, Jesus Cristo. Mas tente olhar para a vida da maior parte dos homens de hoje, que parecem fazer de Cristo, ou seja, do sentido último, algo de menos. Como você julga alguém que, não acreditando em Deus, na dificuldade ou na velhice, ou mesmo apenas no vazio que percebe, seja mais ou menos educadamente desesperado?
Eu o julgo razoável. Em alguém que está convencido de que é sozinho no mundo e que caminha em direção ao nada, o desespero me parece um sinal de lucidez, um sinal de que a pessoa não está contando estórias.

Portanto, é um ou outro: ou se vive em Cristo, ou não há nada pelo que, de fato, viver.
Sim. É um ou outro.

Escute: mas, se há vinte anos atrás, quando você estava dramaticamente deprimido, tivessem cuidado de você com os melhores psicofármacos, se tivessem colocado você “no eixo” e você tivesse ficado mais sereno, como você seria hoje?
Não sei. Não seria como agora e acredito firmemente que Deus tenha “querido” isto para fazer o que fez. Não teria procurado como procurei. Agora, posso dizer que aquele sofrimento, que foi mesmo muito grande, teve um sentido: nos moribundos que assisto, assim como em tantos que me escrevem pedindo ajuda como a um pai. Agora, posso entender as “noites da alma” de que falam alguns santos. Entendo aquele escuro, que é um vazio tendido a provocar um pedido mais intenso.

Mas, então, quer dizer que não é preciso cuidar da depressão? Parece-me uma ideia perigosa.
Eu seria um masoquista se respondesse que não precisa. Deus nos criou para sermos felizes, não para sofrer, e muito menos para sofrer dessa doença existencial que arranca não apenas o gosto, mas também o desejo de viver. O problema é acolher essa doença, como qualquer outra, como uma possibilidade de redenção, de purificação, como ocasião para dizer com toda a própria liberdade “sim” a Cristo, olhando-O no rosto. Como a razão e a fé caminham juntas, assim também a fé não pode não favorecer e sustentar todas aquelas possibilidades que a medicina oferece para aliviar ou vencer a dor, quando é possível. Porém, sempre lembrando sempre que, neste mundo, a dor e a morte sempre acompanham o homem. De forma que o único sentido da dor só pode ser acolhido olhando para o Crucifixo e para Cristo ressuscitado.

Padre Aldo, são muitos os que escrevem para você?
Muitíssimos. Recebi, desde o Meeting de 2008, milhares de emails. Foi como se, faland de depressão naquele contexto e afirmando que a depressão poderia ter um sentido bom, uma panela de pressão estourasse. Uma explosão. Quantos foram aqueles que se sentiram autorizados a pedir uma palavra sobre o sofrimento ou pedir um conselho. Muitíssimos jovens. Os jovens me comovem: estamos habituados a dizer que os jovens são infelizes. Não, os infelizes são os pais, somos nós, que lhes demos tão pouco de bom. Eles são filhos iguais aos filhos de todas as gerações e, talvez, mais sedentos: são, pelo contrário, puro pedido.

Tem outras coisas que não entendo. Você sempre escreve sobre a sua casa em Asunción e sobre os moribundos que está internados lá. Portanto, você vê todos os dias uma quantidade de dor que, para mim, é inimaginável. Como você consegue, diante de tanta dor, sustentar que a vida seja um bem, um dom pelo qual devemos ser gratos a Deus? (Eu, desde menina, pensava que nascer fosse uma desgraça).
Também eu, por muito tempo, pensei que a vida fosse um mal e passei momentos nos quais não conseguia ficar, se não com muito esforço, diante dos meus pais, vendo neles, pelo fato de me terem colocado no mundo, o principal fator do meu sofrimento. Somente no abraço de Cristo, no abraço reconhecido, eu entendi finalmente que nascer é um dom.

Mas, no que consiste este dom? Hoje, talvez mais evidentemente, tantas pessoas duvidam que a vida seja um dom.
Que a vida seja um dom eu não entendi a priori, porque me tenham ensinado no catecismo; quando eu conheci o “mal do viver”, não suportei mais os discursos sobre o “dom da vida”, pelo contrário, os refutava. Só consegui acolher a dor como um dom para mim, quando fiz a experiência daquilo que Giussani definia como “eu sou Tu que me fazes”, ou seja, comecei a olhar para mim mesmo com os olhos do Tu, do Mistério. Via o meu eu florescer e, em torno de mim, via crescer seus frutos nas obras de caridade que enchem essa paróquia. Somente quando aquele cúmulo de entulhos, que era o meu eu, foi colocado numa unidade graças a um encontro e, depois de longos anos de paciência, comecei a rir de mim mesmo e olhar para mim com simpatia é que tudo desabrochou, como um dom imprevisto, como uma letícia que me acompanha.

Padre Aldo, você não tem medo da morte?
Espero morrer como os meus doentes: abraçado.

Mas, eu penso no depois, no que tem depois, no Além. Como você pensa nisso?
Acredito que seja uma ulterior e eterna pergunta e um ser saciados sem fim. Pedir e ser saciados, numa dinâmica contínua de desejo e satisfação. De outro modo, o Paraíso seria tedioso. Será um pedir e ser sempre abraçados de novo. Porém, sem a dor.

O que você pensa sobre o escândalo da pedofilia na Igreja?
Olha só, o fato é que eu não consigo não experimentar piedade também pelos pedófilos. Porque sei, pela minha experiência em Asunción, que frequentemente eles mesmos são filhos de violências. Porque acredito que eu também, se Deus não tivesse Sua mão sobre a minha cabeça, poderia ser capaz de grandes pecados. Quem tem plena consciência da própria miséria não sabe mais acusar, apontar o dedo e gritar pedindo o apedrejamento. Quem tem consciência da própria miséria tem piedade.

Quem é, para você, o diabo? Como ele age sobre os homens?
O Demônio é o que ensinam a Escritura e a Igreja. Porém, prefiro não falar sobre ele, não evocá-lo. É muito forte, para mim, a memória dos pesadelos e das obsessões que me perseguiram por anos. Eu peço, todos os dias, a Deus para morrer sem fazer mal a mim mesmo, aos outros e à Igreja.

Mas, você não se pergunta por que existe a dor, por que o mundo é cheio de dor?
Não acredito que algum homem possa ser santo ou atingir a sua maturidade sem a dor, sem enfrentar a sua cruz. Não tem atalho: tem que passar por ali.

Eu tenho horror da dor, desde que perdi minha irmãzinha quando ainda era uma criança. Tenho medo que meus filhos me sejam arrancados.
Pense, porém, que Deus nunca nos pede provas maiores do que aquelas que um homem é capaz de suportar, provas que aquele home não possa suportar.

Ok. Se Cristo fosse aquela Presença concreta de que você fala, isso mudaria a vida de verdade. Mas sempre tem também o fato de “não vê-Lo”.
Você diz que não vê porque não pode tocar e medir, porque você está dentro, como todos, da nossa cultura positivista. Mas, se você olha o que acontece com os nossos doentes que se convertem, em Asunción, você é obrigada a dizer que há neles uma cura autêntica. Então, se age, “existe” (é verdadeiro); se age, Cristo é verdadeiro.

O que faz bem, o que muda o homem para melhor?
Segundo penso, como minha mãe me ensinou, confessar-se frequentemente. A confissão muda e cura. E a Eucaristia muda a pessoa ontologicamente: o corpo de Cristo, em nós, nos muda.

No cotidiano, nas ações talvez banais de todos os dias, o que pode fazer bem?
O aderir à realidade. Nunca fugir dela, nunca se refugiar nos próprios pensamentos, fechar-se no próprio quarto, isolar-se. Estar diante da realidade que nos é dada, enfrentá-la. Observar muito. Para mim, fazia bem olhar para as árvores, as plantas e descrever tudo por escrito. Para sair das minhas obsessões. Estar tenazmente na realidade, que é a circunstância na qual Cristo se nos apresenta naquele momento. Quem me ensinou isso foi Giussani, e é o mesmo olhar que eu encontro em Padre Julián Carrón e em Padre Massimo Camisasca.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 29 de julho de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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