quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Na oração, permanecer abertos à esperança e firmes na fé em Deus


Bento XVI

Audiência Geral

Praça São Pedro
Quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O homem em oração

Caros irmãos e irmãs,
Nas catequeses anteriores meditamos sobre alguns Salmos de lamento e de confiança. Hoje gostaria de refletir convosco sobre um Salmo das noites de festa, uma oração que, na alegria, canta as maravilhas de Deus. É o Salmo 126 – segundo a numeração greco-latina é o 125 –, que celebra as grandes coisas que o Senhor operou com o seu povo e que continuamente opera com cada crente.
O Salmista, em nome de toda Israel, começa a sua oração recordando a experiência da salvação:
“Quando o Senhor reconduzia os cativos de Sião, estávamos como sonhando. Em nossa boca só havia expressões de alegria, e em nossos lábios canto de triunfo.” (vv. 1-2a).
O Salmo fala de uma “recondução”, ou seja de uma sorte restituída ao estado original, em toda a sua positividade anterior. Parte-se, portanto, de uma situação de sofrimento e de necessidade à qual Deus responde operando salvação e levando o orante de volto à condição inicial, enriquecida e mudada para melhor. É o que acontece com Jó, quando o Senhor lhe dá de volta tudo o que havia perdido, duplicando e derramando uma bênção ainda maior (cf. 42, 10-13), e é o que experimenta o povo de Israel voltando para a pátria vindo do exílio na Babilônia. É exatamente em referência ao fim da deportação em terra estrangeira que este Salmo é interpretado: a expressão “reconduzir os cativos de Sião” é lida e compreendida pela tradição como um “fazer retornar os prisioneiros de Sião”. Com efeito, o retorno do exílio é paradigma de toda intervenção divina de salvação, porque a queda de Jerusalém e a deportação para a Babilônia foram uma experiência devastante para o povo eleito, não apenas no plano político e social, mas também e sobretudo no plano religioso e espiritual. A perda da terra, o fim da monarquia davídica e a destruição do Templo são vistos como uma negação das promessas divinas, e o povo da aliança, disperso entre os pagãos, se interroga dolorosamente sobre um Deus que parece tê-lo abandonado. Por isso, o fim da deportação e o retorno para a pátria são experimentados como um maravilhoso retorno à fé, à confiança, à comunhão com o Senhor; é uma “restauração da sorte” que implica também conversão do coração, perdão, reencontro da amizade com Deus, consciência da sua misericórdia e renovada possibilidade de louvá-Lo (cf. Jr 29, 12-14; Jr 30, 18-20; Jr 33, 6-11; Ez 39, 25-29). Trata-se de uma experiência de alegria transbordante, de sorrisos e de gritos de júbilo, de tal forma bela que “parece que estávamos sonhando”. As intervenções divinas, frequentemente, têm formas inesperadas, que vão além do que homem possa imaginar; eis então a maravilha e a letícia que se exprimem no louvor: “O Senhor fez grandes coisas”. É o que dizem as nações, e é o que Israel proclama:
“Entre os pagãos se dizia: O Senhor fez por eles grandes coisas. Sim, o Senhor fez por nós grandes coisas; ficamos exultantes de alegria!” (vv. 2b-3).
Deus faz maravilhas na história dos homens. Operando a salvação, se revela a todos como Senhor poderoso e misericordioso, refúgio do oprimido, que não esquece o grito do pobre (cf. Sl 9, 10.13), que ama a justiça e o direito e cujo amor enche a terra (cf. Sl 32, 5). Por isso, diante da libertação do povo de Israel, todas as gentes reconhecem as coisas grandes e estupendas que Deus realiza pelo seu povo e celebram o Senhor na sua realidade de Salvador. E Israel ecoa a proclamação das nações, e a retoma repetindo-a, mas como protagonista, como destinatário direto da ação divina: “o Senhor fez por nós grandes coisas”; “por nós”, ou ainda mais precisamente, “conosco”, em hebraico ‘immanû, afirmando assim aquele relacionamento privilegiado que o Senhor mantém com seus eleitos e que encontrará no nome Emanuel, “Deus conosco”, com o qual Jesus é chamado, o seu ponto alto e a sua plena manifestação (cf. Mt 1, 23).
Caros irmãos e irmãs, na nossa oração devemos olhar mais frequentemente para como, nos acontecimentos da nossa vida, o Senhor no protegeu, guiou, ajudou e louvá-Lo pelo que fez e faz por nós. Devemos ser mais atentos às coisas boas que o Senhor nos dá. Estamos sempre atentos aos problemas, às dificuldades e quase não queremos perceber que existem coisas belas que vêm do Senhor. Esta atenção, que se torna gratidão, é muito importante para nós e cria em nós uma memória do bem que nos ajuda mesmo nas horas difíceis. Deus realiza coisas grandes, e quem faz experiência disso – atento à bondade do Senhor com a atenção do coração – fica cheio de alegria. É com essa nota de festa que se conclui a primeira parte do Salmo. Ser salvos e voltar para a pátria, saindo do exílio, é como voltar à vida: a libertação abre ao sorriso, mas também à espera de uma realização ainda desejada e pedida. É esta a segunda parte do nosso Salmo que soa assim:
“Mudai, Senhor, a nossa sorte, como as torrentes nos desertos do sul. Os que semeiam entre lágrimas, recolherão com alegria. Na ida, caminham chorando, os que levam a semente a espargir. Na volta, virão com alegria, quando trouxerem os seus feixes.” (vv. 4-6).
Se no início da oração, o Salmista celebrava a alegria de uma sorte restaurada pelo Senhor, agora, pelo contrário, ele a pede como algo que ainda precisa se realizar. Se este Salmo se aplica à volta do exílio, esta aparente contradição se explicaria com a experiência histórica, feita por Israel, de um retorno difícil para a pátria, somente parcial, que induz o orante a solicitar ainda outra intervenção divina, para levar à plenitude a restauração do povo.
Mas, o Salmo vai além do dado puramente histórico para se abrir a dimensões mais amplas, de tipo teológico. A experiência consoladora da libertação da Babilônia é, de toda forma, ainda incompleta, “já” ocorrida, mas “ainda não” marcada pela plenitude definitiva. Assim, enquanto que na alegria celebra a salvação recebida, a oração se abre para a espera da plena realização. Por isto, o Salmo utiliza imagens particulares, que, com a sua complexidade, remetem à realidade misteriosa da redenção, em que se entrelaçam o dom recebido e o que ainda se espera, vida e morte, alegria sonhadora e lágrimas dolorosas. A primeira imagem faz referência às torrentes secas do deserto do Negev, que com as chuvas se enchem de água impetuosa que dá vida outra vez para o terreno seco e o faz reflorescer. A solicitação do Salmista é, portanto, que a restauração da sorte do povo e o retorno do exílio sejam como aquela água, irresistível e irrefreável, e capaz de transformar o deserto numa imensa extensão de ervas verdes e flores.
A segunda imagem se desloca das colinas áridas e rochosas do Negev para os campos que os camponeses cultivam para tirar deles o alimento. Para falar da salvação, se remete neste ponto à experiência que a cada ano se renova no mundo agrícola: o momento difícil e cansativo da semeadura e depois a alegria irresistível da colheita. Uma semeadura que é acompanhada por lágrimas, porque se joga aquilo que ainda poderia servir para fazer pão, expondo-se a uma espera cheia de incertezas: o camponês trabalha, prepara o terreno, lança a semente, mas, como ilustra bem a parábola do semeador, não sabe onde esta semente vai cair, se os pássaros a comerão, se vai se firmar, se conseguirá lançar raízes, se se tornará espiga (cf. Mt 13, 3-9; Mc 4, 2-9; Lc 8, 4-8). Jogar a semente é um gesto de confiança e de esperança é necessária a operosidade do homem, mas também é preciso se colocar numa espera impotente, sabendo bem que muitos fatores serão determinantes para o bom êxito da colheita e que o risco de uma falha está sempre à espreita. E no entanto, ano após ano, o camponês repete o seu gesto e lança a sua semente. E quando ela se torna espiga, e os campos se enchem com a lavoura, eis a alegria de quem está diante de um prodígio extraordinário. Jesus conhecia bem esta experiência e falava sobre ela com os seus: “Dizia também: O Reino de Deus é como um homem que lança a semente à terra. Dorme, levanta-se, de noite e de dia, e a semente brota e cresce, sem ele o perceber.” (Mc 4, 26-27). É o mistério escondido da vida, são as maravilhosas “grandes coisas” da salvação que o Senhor opera na história dos homens e de que os homens ignoram o segredo. A intervenção divina, quando se manifesta em plenitude, mostra uma dimensão impetuosa, como as torrentes do Negev e como o grão nos campos, este último evoca inclusive uma desproporção típica das coisas de Deus: desproporção entre a fadiga da semeadura e a imensa alegria da colheita, entre a ânsia da espera e a serena visão dos celeiros cheios, entre as pequenas sementes lançadas na terra e os grandes feixes dourados pelo sol. Na colheita, tudo se transforma, o pranto acaba, dando lugar ao grito de alegria exultante.
O Salmista se refere a tudo isto para falar da salvação, da libertação, da restauração da sorte, do retorno do exílio. A deportação para a Babilônia, assim como toda situação de sofrimento ou de crise, com sua escuridão feita de dúvidas e de aparente distância de Deus, na realidade, é como uma semeadura, diz o nosso Salmo. No Mistério de Cristo, à luz do Novo Testamento, a mensagem se faz ainda mais explícita e clara: o crente que atravessa aquela escuridão é como o grão de trigo caído na terra que morre, mas para dar muitos frutos (cf. Jo 12, 24); ou então, retomando uma outra imagem cara a Jesus, é como a mulher que sofre as dores do parto para poder chegar à alegria de ter dado à luz uma nova vida (cf. Jo 16, 21).
Caros irmãos e irmãs, este Salmo nos ensina que, na nossa oração, devemos permanecer sempre abertos à esperança e firmes na fé em Deus. A nossa história, ainda que marcada frequentemente pela dor, pelas incertezas, por momentos de crise, é uma história de salvação e de “restauração das sortes”. Em Jesus, todo exílio porque passamos acaba, e toda lágrima é enxugada, no mistério da Sua Cruz, da morte transformada em vida, como o grão de trigo que se rompe na terra e se transforma em espiga. Também para nós esta descoberta de Jesus Cristo é a grande alegria do “sim” de Deus, do restabeleciento da nossa sorte. Mas como aqueles que – voltando da Babilônia cheios de alegria – encontraram uma terra empobrecida, devastada, assim como a dificuldade da semeadura e sofreram chorando sem saber se realmente, no fim, haveria alguma colheita, assim também nós, depois da grande descoberta de Jesus Cristo – a nossa vida, a verdade, o caminho –, entrando no terreno da fé, na “terra da fé”, encontramos também frequentemente uma vida escura, dura, difícil, uma semeadura com lágrimas, mas seguros de que a luz de Cristo nos dá, no fim, realmente, a grande colheita. E devemos aprender isto mesmo nas noites escuras; não esquecer que a luz existe, que Deus já está em nossa vida e que podemos semear com grande confiança de que o “sim” de Deus é mais forte do que todos nós. É importante não perder esta recordação da presença de Deus na nossa vida, esta alegria profunda porque Deus entrou na nossa vida, libertando-nos: é a gratidão pela descoberta de Jesus Cristo, que veio até nós. E esta gratidão se transforma em esperança, é estrela da esperança que nos dá a confiança, é a luz, porque exatamente as dores da semeadura são o início da nova vida, da grande e definitiva alegria de Deus.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 12 de outubro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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