segunda-feira, 23 de maio de 2011

Uma aventura fascinante


Colóquio do Santo Padre Bento XVI com os astronautas
da Estação Espacial Internacional

Sala dos Foconi
Sábado, 21 de maio de 2011

Introdução
Caros astronautas,
Fico muito feliz de ter esta extraordinária possibilidade de uma conversa convosco durante a vossa missão. Sou particularmente grato de poder me dirigir a tantos de vós, dada a presença, ao mesmo tempo, neste momento, de duas tripulações na Estação Espacial.
A humanidade vive um período de rapidíssimo progresso dos conhecimentos científicos e das aplicações técnicas. Neste sentido, sois os nossos representantes – a ponta de lança – da humanidade que explora novos espaços e novas possibilidades para o nosso futuro, indo além dos limites das nossas experiências cotidianas.
Todos admiram a vossa coragem, a disciplina e o empenho com o qual vos preparastes para esta missão. Estamos convencidos de que sois animados por ideais nobres e que quereis colocar os frutos de vossas pesquisas e de vossos empreendimentos à disposição de toda a humanidade e para o bem comum.
Esta conversa, portanto, me permite expressar também a minha admiração e apreciação por vós e por todos aqueles que colaboram para tornar possível o vosso empreendimento, além de encorajar-vos a levá-la a bom termo com segurança e sucesso.
Mas, esta deve ser uma conversa, por isso não devo ser eu apenas a falar. Pelo contrário, estou muito interessado em ouvir as vossas experiências e reflexões. Permiti-me, portanto, dirigir-vos algumas perguntas:

Perguntas
Primeira pergunta
Da Estação Espacial, podeis ver a nossa Terra de uma perspectiva muito diferente. Sobrevoais continentes e povos diversos, muitas vezes ao dia. Creio que, para vós, seja evidente que vivamos todos juntos numa única Terra e que é absurdo que combatamos e nos matemos uns aos outros. Sei que a mulher de Mark Kelly foi vítima de um grave atentado e espero que a sua saúde continue a melhorar. Contemplando do alto a Terra, quais as considerações que vós fazeis sobre o modo com o qual as nações e os povos vivem juntos aqui embaixo, ou sobre como a ciência pode contribuir para a causa da paz?
Resposta de Mark Kelly (EUA)
Obrigado, Santidade, pelas suas palavras gentis e obrigado por ter recordado minha mulher Gabby. Sua pergunta é interessante. De fato, voamos sobre o mundo e não vemos limites, mas ao mesmo tempo nos damos conta do fato que os povos se enfrentam, que há tanta violência neste mundo e isto é, verdadeiramente, uma desgraça. Geralmente, os povos se enfrentam por razões diversas. É visível, hoje em dia, no Oriente Médio: em parte é uma questão de democracia, mas normalmente os povos lutam pelos recursos. É interessante aquilo que acontece no espaço: na Terra, de fato, frequentemente, se luta por energia; no espaço, utilizamos a energia solar e, na Estação Espacial, temos reservas energéticas. Veja, a ciência e a tecnologia aplicadas à Estação Espacial para desenvolver o potencial de energia solar nos mantém, na realidade, quase que com uma quantidade ilimitada de energia. Eis então, se estas tecnologias fossem mais usadas na Terra, provavelmente a violência poderia ser reduzida.

Segunda pergunta
Um dos temas sobre os quais retorno mais frequentemente nos meus discursos é o da responsabilidade que todos temos pelo futuro do nosso planeta. Recordo que há sérios riscos para o ambiente e para a sobrevivência das futuras gerações. Os cientistas nos convidam à prudência e, do ponto de vista ético, devemos fazer com que cresçam nossas consciências. Do vosso ponto de vista extraordinário, como vedes a situação da Terra? Vedes sinais ou fenômenos para os quais devemos estar mais atentos?
Resposta de Ron Garan (EUA)
Santidade, é uma grande honra falar com o senhor. Tem razão: aquilo que temos daqui é um ponto de vista verdadeiramente extraordinário. De um lado, vemos o quão indescritivelmente belo é o planeta que nos foi dado; de outro, podemos ver o quão frágil é, na realidade. Peguemos, por exemplo, a atmosfera: vista do espaço, é fina como uma folha de papel, e pensar que este extrato fino como uma folha seja tudo aquilo que separa qualquer ser vivo do vazio do espaço, e que seja tudo aquilo que nos proteja, é um pensamento que faz refletir. Veja, a nós parece incrível ver a Terra pendurada no vazio do espaço e pensar que nos encontramos ali, todos juntos, na corrida desse frágil oásis através do universo... É isso, nos enche de grande esperança pensar que nos encontramos todos juntos a bordo desta incrível Estação Espacial que orbita a Terra, construída por tantos países numa colaboração internacional, para que se pudesse realizar este grandioso empreendimento... Veja, isto demonstra que, trabalhando juntos, colaborando, podemos superar muitos dos problemas que o planeta vem enfrentando, podemos resolver muitos dos desafios colocados aos habitantes do nosso planeta, que é verdadeiramente um lugar belíssimo para se viver e trabalhar, e este lugar no qual nos encontramos é incrível para admirar a nossa bela Terra!

Terceira pergunta
A experiência que estais fazendo agora é extraordinária e muito importante, mas depois voltareis para esta Terra como todos nós. Quando voltardes, sereis olhados com admiração, sereis tratados como heróis e falareis com grande autoridade. Convidar-vos-ão a falar das vossas experiências. Quais seriam as mensagens mais importantes que gostaríeis de dirigir sobretudo aos jovens, que viverão num mundo profundamente marcado pelas vossas experiências e descobertas?
Resposta de Mike Finchke (EUA)
Santidade, como disseram os meus colegas, podemos olhar para baixo e admirar este esplêndido planeta que Deus fez, que é o mais belo planeta de todo o Sistema Solar. Porém, se levantarmos o olhar, veremos o resto do Universo, e o Universo está ali para ser explorado por nós. E a Estação Espacial Internacional é apenas um símbolo, um exemplo daquilo que os seres humanos podem fazer quando trabalham juntos de forma construtiva. Portanto, a nossa mensagem – uma das nossas mensagens, mas acredito que a mais importante – é que devemos fazer os filhos e os jovens deste planeta saber que em torno de nós há todo um Universo a ser explorado. E que, se o fizermos juntos, não há nada que não possamos obter!

Quarta pergunta
A exploração do espaço é uma aventura científica fascinante. De fato, sei que, nestes dias, estais instalando novos instrumentos para a pesquisa científica e o estudo das radiações que chegam do espaço mais distante. Mas, acredito que seja também uma aventura do espírito humano, um estímulo poderoso para fazer refletir sobre a origem e o destino do universo e da humanidade. Os crentes olham frequentemente para os espaços sem fim, meditando sobre o Criador de tudo isto, e ficam tocados pelo mistério da sua grandeza. Por isso, a medalha que confiei a Roberto Vittori, como sinal da minha participação na vossa missão, representa a criação do homem, pintada por Michelangelo na abôbada da Capela Sistina. No vosso compromisso intenso de trabalho e de pesquisa, acontece de parardes para fazer semelhantes reflexões – ou mesmo de dirigirdes uma oração ao Criador? Ou é mais fácil para vós refletir sobre estas coisas quando estais de retorno à Terra?
Resposta de Roberto Vittori (Itália)
Santidade, viver a bordo da Estação Espacial Internacional, trabalhar como astronauta na nave Soyuz da Estação é uma experiência extremamente intensa. Mas, quando cai a noite, todos podemos olhar para baixo, para a Terra: o nosso planeta, o planeta azul, é belíssimo. Azul é a cor do nosso planeta, azul é a cor do céu, azul é também a cor da Aeronáutica militar italiana, a organização que me deu a oportunidade de entrar na Agência Espacial Europeia. Quando temos um momento de tempo para a beleza aí de baixo, que é o efeito tridimensional da beleza do nosso planeta, quem captura tudo é o nosso coração, quem captura tudo é o meu coração. E, então, eu rezo: rezo por mim, rezo pelas nossas famílias, pelo nosso futuro. Trouxe a medalha comigo, e a faço flutuar diante de mim, para demonstrar a falta de gravidade. Desejo agradecer ao senhor muitíssimo por esta oportunidade; quero que esta medalha flutue em direção ao meu amigo e colega Paolo: ele, de fato, voltará para a Terra no Soyuz. Eu a trouxe comigo para o espaço e ele a levará de volta para a Terra, a fim de restitui-la ao senhor.

Quinta pergunta
A minha última pergunta é para Paolo. Caro Paolo, sei que, nos últimos dias, tua mãe te deixou e quando, daqui a alguns dias, voltares à casa, não a encontrarás mais te esperando. Todos ficamos próximos de ti, e eu também rezei por ela... Como viveste este tempo de dor? Na vossa Estação, estais distantes e isolados, e sofreis de um sentido de separação, ou vos sentis ainda mais unidos entre vós e inseridos numa comunidade que vos acompanha com atenção e afeto?
Resposta de Paolo Nespoli (Itália)
Santo Padre, senti suas orações, as vossas orações chegarem até aqui em cima: é verdade, estamos fora deste mundo, orbitamos ao redor da Terra e temos um ponto de vantagem para olhar a Terra e para sentir tudo aquilo que está em torno dela. Os meus colegas aqui, a bordo da Estação – Dimitri, Kelly, Ron, Alexander e Andrei – ficaram muito próximos de mim neste momento importante para mim, muito intenso, assim como os meus irmãos, as minhas irmãs, as minhas tias, os meus primos, os meus parentes também estiveram próximos de minha mãe nos últimos momentos. Sou grato por tudo isto. Senti-me distante, mas também muito próximo, e seguramente pensar que todos vós estáveis perto de mim, unidos neste momento, foi de extremo alívio. Agradeço também à Agência Espacial Europeia e à Agência Espacial Americana, que colocaram à disposição os recursos para que eu tenha podido falar com ela nos últimos momentos.

Palavras conclusivas do Papa
Caros astronautas,
Agradeço-vos cordialmente por esta belíssima ocasião de encontro e de diálogo convosco. Vós me haveis ajudado e a tantas outras pessoas a refletirem juntos sobre temas importantes para o futuro da humanidade. Faço os melhores votos pelo vosso trabalho e pelo sucesso da vossa grande missão a serviço da ciência, da colaboração internacional, do progresso autêntico e da paz no mundo. Continuarei a vos seguir com o meu pensamento e a minha oração e, de muito bom grado, vos transmito a minha Bênção Apostólica.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 21 de maio de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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