segunda-feira, 23 de maio de 2011

Que na Universidade haja uma autêntica paixão pela Verdade...

Discurso do Santo Padre Bento XVI
aos dirigentes, docentes e estudantes
da Universidade Católico do Sagrado Coração

Aula Paulo VI
Sábado, 21 de maio de 2011

Senhores Cardeais,
Magnífico Reitor, ilustres Docentes,
Distintos representantes do pessoal,
Caros estudantes!
Estou muito feliz de poder ter este encontro com vós que formais a grande família da Universidade Católica do Sagrado Coração, nascida há noventa anos sob a iniciativa do Instituto Giuseppe Toniolo de Estudos Superiores, entidade fundadora e garantidora do Ateneu, pela feliz intuição de Padre Agostino Gemelli. Agradeço ao Cardeal Tettamanzi e ao Prof. Ornaghi, pelas calorosas palavras que me dirigiram em nome de todos.
O nosso tempo é um tempo de grandes e rápidas transformações, que se refletem também sobre a vida universitária: a cultura humanista parece atingida por um progressivo desgaste, enquanto se acentua o valor das disciplinas ditas “produtivas”, de âmbito tecnológico e econômico; esbarramos com a tendência a reduzir o horizonte humano ao nível daquilo que é mensurável, a eliminar do saber sistemático e crítico a questão fundamental sobre o sentido. A cultura contemporânea, por isso, tende a confinar a religião fora dos espaços da racionalidade: na medida em que as ciências empíricas monopolizam os territórios da razão, não parece haver mais espaço para as razões do crer, de forma que a dimensão religiosa é relegada à esfera da opinião e do privado. Neste contexto, as motivações e as características mesmas da instituição universitária são radicalmente questionadas.
Noventa anos depois de sua fundação, a Universidade Católica do Sagrado Coração se encontra vivendo esta virada histórica, na qual é importante consolidar e incrementar as razões pelas quais nasceu, levando àquela conotação eclesial que é evidenciada pelo adjetivo “católica”; a Igreja, de fato, “especialista em humanidade”, é promotora de humanismo autêntico. Emerge, nesta perspectiva, a vocação original da Universidade, nascida da busca pela verdade, de toda a verdade, de toda a verdade do nosso ser. E com a sua obediência à verdade e às exigências do seu conhecimento ela se torna escola de humanitas na qual se cultiva um saber vital, se forjam personalidades fortes e se transmitem conhecimentos e competências de valor. A perspectiva cristã, como quadro do trabalho intelectual da Universidade, não se contrapõe ao saber científico e às conquistas da engenhosidade humana, mas, pelo contrário, a fé alarga o horizonte do nosso pensamento, é caminho para a verdade plena, guia de autêntico desenvolvimento. Sem orientação para a verdade, sem uma postura de procura humilde e audaz, toda cultura se desfaz, decai no relativismo e se perde no efêmero. Tirada, pelo contrário, das garras de um reducionismo que a mortifica e a circunscreve, pode se abrir a uma interpretação verdadeiramente iluminada do real, desempenhando assim um autêntico serviço para a vida.
Caros amigos, fé e cultura são grandezas indissoluvelmente ligadas, manifestações daquele desiderium naturale videndi Deum que está presente em todo homem. Quando esta união se quebra, a humanidade tende a dobrar-se e fechar-se sobre suas próprias capacidades criativas. É necessário, então, que na Universidade haja uma autêntica paixão pela questão do Absoluto, a Verdade mesma, e portanto também pelo saber teológico, que no vosso Ateneu é parte integrante do currículo. Unindo em si a audácia da pesquisa e a paciência do amadurecimento, o horizonte teológico pode e deve valorizar todos os recursos da razão. A questão da Verdade e do Absoluto – a questão de Deus – não é uma investigação abstrata, separada da realidade do cotidiano, mas é a pergunta crucial, da qual depende radicalmente a descoberta de sentido do mundo e da vida. No Evangelho se funda uma concepção do mundo e do homem que não cessa de desencadear significados culturais, humanistas e éticos. O saber da fé, portanto, ilumina a pesquisa do homem, a interpreta humanizando-a, a integra em projetos de bem, arrancando-a da tentação do pensamento calculador, que instrumentaliza o saber e faz das descobertas científicas meios de poder e de escravização do homem.
O horizonte que anima o trabalho universitário pode e deve ser a paixão autêntica pelo homem. Somente no serviço ao homem a ciência se desenvolve como verdadeiro cultivo e custódia do universo. E servir ao homem é fazer a verdade na caridade, é amar a vida, respeitá-la sempre, a começar das situações nas quais ela é mais frágil e indefesa. É esta a nossa tarefa, especialmente nos tempos de crise: a história da cultura mostra como a dignidade do homem foi reconhecida verdadeiramente na sua integralidade à luz da fé cristã. A Universidade Católica é chamada a ser lugar no qual toma forma de excelência aquela abertura ao saber, aquela paixão pela verdade, aquele interesse pela história do homem caracterizam a autêntica espiritualidade cristã. De fato, colocar-se numa postura de fechamento ou de distanciamento diante da perspectiva da fé significa esquecer que ela foi ao longo da história, e o é ainda, fermento de cultura e luz para a inteligência, estímulo para que se desenvolvessem todas as suas potencialidades positivas para o bem autêntico do homem. Como afirma o Concílio Vaticano II, a fé é capaz de dar luz à existência. Diz o Concílio que a fé “vê todas as coisas sob um luz nova, e revela as intenções de Deus sobre a vocação integral do homem, e por isso guia a inteligência para soluções plenamente humanas” (Gaudium et spes, 11).
A Universidade Católica é lugar no qual isto deve acontecer com eficácia singular, sob o perfil seja científico, seja didático. Este peculiar serviço para a Verdade é dom de graça e expressão qualificante de caridade evangélica. A atestação da fé e o testemunho da caridade são incindíveis (cf. 1Jo 3, 23). O núcleo profundo da verdade de Deus, de fato, é o amor com o qual Ele se inclinou sobre o homem e, em Cristo, lhe ofereceu dons infinitos de graça. Em Jesus, descobrimos que Deus é amor e que somente no amor podemos conhecê-Lo: “todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus (...), porque Deus é amor” (1Jo 4, 7.8), diz São João. E Santo Agostinho afirma: “Non intratur in veritatem nisi per caritatem” (Contra Faustum, 32). O vértice do conhecimento de Deus se atinge no amor; aquela amor que sabe ir até à raiz, que não se contenta com ocasionais expressões filantrópicas, mas ilumina o sentido da vida com a Verdade de Cristo, que transforma o coração do homem e o arranca dos egoísmos que geram miséria e morte. O homem precisa de amor, homem precisa de verdade, para não desperdiçar o frágil tesouro da liberdade e ser exposto à violência das paixões e aos condicionamentos abertos e ocultos (cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 46). A fé cristã não faz da caridade um sentimento vago e piedoso, mas uma força capaz de iluminar os caminhos da vida em todas as suas expressões. Sem esta visão, sem esta dimensão teologal originária e profunda, a caridade se contenta com a ajuda ocasional e renuncia à tarefa profética, que lhe é própria, de transformar a vida da pessoa e as estruturas mesmas da sociedade. Este é um compromisso específico que a missão na Universidade vos chama a realizar como protagonistas apaixonados, convictos de que a força do Evangelho é capaz de renovar as relações humanas e penetrar no coração da realidade.
Caros jovens universitários da “Católica”, sois a demonstração viva daquele caráter da fé que muda a vida e salva o mundo, com os problemas e as esperanças, com as interrogações e as certezas, com as aspirações e os compromissos que o desejo de uma vida melhor gera e a oração alimenta. Caros representantes do pessoal técnico-administrativo sede orgulhosos das tarefas que vos são confiadas no contexto da grande família universitária no suporte da multiforme atividade formativa e profissional. E a vós, caros Docentes, é confiado um papel decisivo: mostrar como a fé cristã é fermento de cultura e luz para a inteligência, estímulo para que se desenvolva todas as suas potencialidades positivas, para o bem autêntico do homem. Aquilo que razão vê, a fé ilumina e manifesta. A contemplação da obra de Deus abre o saber à exigência da investigação racional, sistemática e crítica; a busca por Deus reforça o amor pelas letras e pelas ciências profanas: “Fides ratione adiuvatur et ratio fide perficitur”, aifrma Hugo de São Victor (De sacramentis, I, III, 30: PL 176, 232). Nesta perspectiva, a Capela é o coração pulsante e o alimento constante da vida universitária, à qual se une o Centro Pastoral onde os Assistentes Espirituais das diversas sedes são chamados a desenvolverem sua preciosa missão sacerdotal que é imprescindível para a identidade da Universidade Católica. Como ensina o Beato João Paulo II, a Capela “é lugar do espírito, onde pausam em oração e encontram alimento, orientação e sustento os crentes em Cristo, que vivem com modalidades diversas a vida intensa da Universidade; é academia de virtudes cristãs, onde cresce e se desenvolve a vida batismal, e se expressa com ardor apostólico; é casa acolhedora e aberta, para todos aqueles que, escutando o Mestre interior, se fazem buscadores de verdade e servem o homem na dedicação diuturna a um saber não satisfeito com horizontes estreitos e pragmáticos. No contexto da modernidade em declínio, ela se torna, com forte ênfase, centro vivo e propulsor de animação cristã da cultura: no diálogo respeitoso e franco, na proposta clara e motivada (cf. 1Pd 3, 15), no testemunho que interroga e convence” (Discurso aos Capelães europeus, 1 de maio de 1998). Assim dizia o Papa João Paulo II, em 1998.
Caros amigos, espero que a Universidade Católica do Sagrado Coração, em sintonia com as intenções do Instituto Toniolo, prossiga com renovada confiança o seu caminho, mostrando de forma eficaz que a luz do Evangelho é fonte de verdadeira cultura capaz de desencadear energias de um humanismo novo, integral, transcendente. Confio-vos a Maria Sedes Sapientiae e, com afeto, vos transmito de coração minha Bênção Apostólica

* Extraído do site do Vaticano, do dia 21 de maio de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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