Asunción, 30 de abril de 2010.
Caros amigos,
vários me têm perguntado por que eu não escrevo mais como antes. A resposta é muito simples: é sempre mais necessário que nos eduquemos a seguir e a levar a sério o que Carrón nos ensina com o seu modo de viver o carisma de Giussani, enriquecido com o seu dom pessoal de entrar no coração da realidade, fazendo-nos colher toda a espetacular positividade que contém. É como se, olhando para ele, para a sua liberdade, para o seu modo de estar diante de Cristo, se percebesse sempre mais que, também para mim, é o mesmo.
“Olhar Cristo no rosto”: eis que nesta afirmação está contido todo o meu viver, estar diante dEle da manhã à noite. Estar diante dEle quando me levanto com mau humor e imediatamente preciso me colocar de joelhos para olhar no rosto a alvorada que desponta com um sorriso. Estar diante dEle para sair, fazer minha corridinha de meia hora para permitir que minha diabetes não brinque comigo... estar diante dEle rezando, possivelmente, os quatro mistérios do rosário para poder, mesmo que distraidamente, gozar da Sua vida tão bem sintetizada no rosário. Estar diante dEle tomando o café e, depois, correr, às 7h da manhã, para pegar as minhas crianças e levá-las para a escola, depois de ter dado um beijo em cada um delas - que tanto esperam - e depois de ter rezado com elas as orações diante de Nossa Senhora. Estar diante dEle quando, deixadas as crianças na escola, corro para a clínica onde, às 7h15, todos os dependentes da Divina Providência, a Chefe do hospital, esperam pela meia hora de adoração, dividida entre a procissão e a comunhão aos doentes, as leituras do evangelho e um pensamento que desperte em cada um a mesma posição do coração que há já mais de uma hora e meia enche o meu. Estar diante dEle quando me ajoelho diante de cada doente, dando-lhe um beijo no rosto e fazendo-lhe um carinho. É o momento mais bonito do dia: com a Eucaristia nas mãos, de joelhos diante de cada paciente. É reviver, em cada momento, o Mistério da paixão, morte e ressurreição. Este Mistério tão concreto do meu cotidiano, um cotidiano que começa cedo e termina tarde, quando, depois de ter dado um beijinho de boa noite nas minhas crianças (nem sempre consigo ir à Casinha de Belém, porque sempre tem um imprevisto), retorno para a clínica, para saudar as minhas pequenas hóstias brancas (Vítor, Cristina, Celeste, Aldo, Mário), frequentemente ainda acordados. Beijo-os, me ajoelho diante de cada um e, depois, tocando o rosto de um por um, faço o sinal da cruz. São o meu Jesus, o que mais sofre e que mais me conforta. Só depois de ter saudado este Crucifixo que são os meus pequenos doentes, é que saúdo Jesus Eucarístico e vou para a cama, tentar dormir... porém, olhando para Ele.
Vocês sabem quantas vezes eu retomo esse trecho da Escola de Comunidade no qual Giussani fala de olhar Cristo no rosto, e quantas vezes leio, releio as coisas que Carrón nos diz.
A surpresa mais bonita (vocês podem ler isso em Tempi) foi a visita de Marcos, Cleuza e Bracco (responsáveis do Brasil) na semana passada. Eu tinha voltado de uma longa viagem e todos sentíamos um grande desejo de nos vermos. Assim, eles pegaram o primeiro avião e vieram para cá. Eu estava muito cansado e precisava vê-los, estar com eles, porque, como diz Cleuza, “frequentemente, na vida, podemos nos encontrar no fundo de um poço. Então, você tem duas possibilidades: ou olhar em volta e se sentir sufocando, ou levantar os olhos e ver aquele metro quadrado de céu azul que lhe faz pedir, gritar por ajuda”. E, de fato, aconteceu assim: eles foram, para mim, aquele pedaço de céu azul. Mas, não porque tivéssemos feito um dia de retiro espiritual, mas pelo simples fato de que nos fizemos companhia, ajudando-nos com o texto de Carrón, publicado no jornal Repubblica, na Páscoa: “Feridos, voltamos a Cristo”. Todos somos feridos e, por isso, somos necessitados de voltar àquele Tu, àquele estar diante dEle.
Foi muito bonito, porque, vivendo com eles o que eu vivo todos os dias, foi como entrar ainda mais no coração da questão: a paixão pela glória de Cristo. E além do mais foi bonito porque mesmo os meus confrades vibram sempre mais com esta beleza. Porém, em Tempi, vocês vão encontrar todos os detalhes daqueles dias.
No dia primeiro de maio, a clínica faz 6 anos. Acompanhei mais de 700 pacientes para a morte entre os braços de Jesus. Em seis anos, a morte se tornou minha amiga e não tem mais o rosto feio como sempre eu a vi. Pensem: é o momento no qual você está para encontrar Jesus, aquele Jesus pelo qual eu acabei aqui, aquele Jesus pelo qual, graças a tantas misérias vividas, aprendi a tocar com a mão o significado do Horto do Getsemani, aquele Jesus que se serviu e se serve de um pobrezinho como eu, com um temperamento único e, frequentemente, com uma emotividade tão variada, mas que está bem ancorada na certeza de que nenhum problema é maior do que a resposta. Que nenhum problema é maior do que Jesus.
Uma enfermeira me dizia ontem: “O que move a minha vida é o milagre: tudo é, para mim, um milagre... do modo com o qual tiro uma fralda dos idosos ao modo como os limpo etc. A fé não é dizer ‘ou conta só até aqui’, mas a certeza de que Deus cumpre e, por isso, pede ajuda para você. Se eu estou aqui é porque o Senhor me quer aqui. A fé é a esperança que se cumpre. Por exemplo, quando chegam os mendigos, alguém poderia dizer: ‘Mas, estes não mudarão nunca, é inútil querer educá-los’. Porém, para mim, não é assim, porque tenho a certeza que nasce da fé de que, com o meu afeto, a esperança que algo lhes aconteça se tornará verdadeira. De fato, depois de meses, aprenderam a usar o banheiro, a aceitar os remédios, a ficar juntos na mesa usando mesmo o guardanapo. O milagre é o fruto da insistência da fé que é a esperança. Depende de mim que isso aconteça, porque se a minha liberdade não deixa uma fissura aberta para a graça, nem mesmo Deus pode fazer alguma coisa”.
E é belo ver como estas 150 pessoas que trabalham aqui, dependentes diretos do Pai Eterno, aprendam a viver assim o trabalho, aprendam a estar diante de Cristo e vejam, cada dia, os sinais da Sua Vitória. Chegam cheios de confusões e, no tempo, educados a estar diante dEle, mudam, se tornam humanos.
O mês de maio está às portas, e eu peço a vocês que rezem a Nossa Senhora para mim e para os meus doentes e para todos este povo que vive e sofre aqui.
Uma nota final: ontem, como a cada 15 dias, encontramos os doentes de AIDS para ficar com eles, porque o homem é uma companhia. Este é um índio, transexual com cabelos (tingidos) louros. É meu afilhado de crisma. É um daqueles que, graças ao afeto e aos remédios, de moribundo que era recomeçou a viver. Pois bem, veio de longe, tão pobre que disse: “Para vir ficar com vocês, em companhia, peguei emprestado um par de sapatos, porque, há meses, que ando descalço, porque não tenho nada, muitas vezes nada nem para comer”. Que comoção! É verdade: quando se há uma pergunto grande na vida, se busca uma companhia adequada e, não havendo sapatos para alcançá-la, pede-se emprestado a quem tem. Pergunta pequena, homens anãos. Pergunta grande, encontram-se gigantes.
“Feridos, buscamos Cristo”... levemos isso a sério... se não se está ferido... não se pede sapatos emprestado...
Com afeto,
Padre Aldo
Um comentário:
Também nós somos cuidados pelo Padre Aldo!
Obrigada por traduzir cuidadosamente as cartas!
Beijos
Marcela
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