por Julián Carrón
Nunca esquecerei o impacto que tive durante o retiro espiritual com alguns padres na América Latina. Havia acabado de dizer que, frequentemente, falta o humano em nossa fé, quando um sacerdote se aproximou de mim. Ele me disse que quando estava no seminário lhe haviam ensinado que era melhor esconder a sua humanidade concreta, não tê-la diante dos olhos “porque perturbava o caminho da fé”. Este episódio me deixou mais consciente de como o cristianismo pode ser reduzido e de qual é o estado de confusão no qual somos chamados a viver nossa vocação sacerdotal. Uma vez, perguntaram a Dom Giussani o que ele recomendaria a um jovem padre: “Que, antes de tudo, seja autenticamente um homem”, respondeu, suscitando a reação estupefata dos presentes. Estamos exatamente do lado oposto da indicação dada ao seminarista: de um lado, temos quem afirme a necessidade de não olhar a própria humanidade, de outro, um olhar cheio de simpatia por si mesmo.
O que é, portanto, mais decisivo para a nossa fé e para a nossa vocação? Do que precisamos? Dom Giussani indicou muitas vezes que “o supremo obstáculo ao nosso caminho humano” se encontra “na negligência do eu”, na ausência de um interesse autêntico pela própria pessoa (Cf. Em busca do rosto do homem. São Paulo: Companhia Ilimitada, 1996, p. 11). Mas é justamente o amor verdadeiro por si mesmo, a afeição verdadeira por si mesmo o que é capaz de nos levar a descobrir as nossas exigências constitutivas, as nossas necessidades originais em sua nudez e vastidão, de forma a sermos capazes de nos reconhecermos como relacionamento com o Mistério, pedido de infinito, espera estrutural. Somente um homem “ferido” pelo real dessa maneira, empenhado com a própria humanidade dessa maneira, pode se abrir totalmente ao encontro com o Senhor. “Com efeito, Cristo se propõe como resposta àquilo que ‘eu’ sou, e apenas uma tomada de consciência atenta, mas também terna e apaixonada, de mim mesmo pode fazer com que eu me escancare e me disponha a reconhecer, admirar, agradecer, e vivenciar Cristo. Sem essa consciência, até mesmo o nome de Jesus Cristo não passa de um simples nome” (Na origem da pretensão cristã. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003, p. 11).
“Não há resposta mais absurda do que a que se dá a uma pergunta que não se fez”, escreveu Reinhold Niebuhr. Pode também valer para nós quando, acriticamente, sofremos o influxo da cultura na qual estamos imersos, que parece favorecer a redução do homem aos seus antecedentes biológicos, psicológicos e sociológicos. Mas, se o homem é, de fato, reduzido a isto, qual será, então, a nossa tarefa de sacerdotes? Para que servimos? Qual é o sentido da nossa vocação? Como resistir a uma fuga da realidade, refugiando-nos no espiritualismo, no formalismo, buscando alternativas que tornem a vida suportável? Ou ainda, não seria melhor, obedecendo ao clima cultural, nos tornarmos assistentes sociais, psicólogos, agentes culturais ou políticos? Como Bento XVI recordou em Lisboa, “muitas vezes nos preocupamos afanosamente com as consequências sociais, culturais e políticas da fé, dando por suposto que a fé existe, o que é cada vez menos realista. Colocou-se uma confiança talvez excessiva nas estruturas e nos programas eclesiais, na distribuição de poderes e funções; mas o que acontece se o sal se tornar insípido?” (Homilia da Santa Missa no Terreiro do Paço de Lisboa, 11 de maio de 2010).
Portanto, tudo depende da percepção, sobretudo para nós, do que seja o homem e do que corresponda realmente ao seu desejo infinito. A decisão com a qual vivemos a nossa vocação deriva, por isso, da decisão com a qual vivemos o nosso ser homens. Somente com uma vibração humana autêntica podemos conhecer a Cristo e nos deixar fascinar por Ele, até o ponto de dar-Lhe a vida para fazê-Lo ser encontrado pelos outros. “Por que a fé ainda tem, em absoluto, uma possibilidade de sucesso?”, se perguntava, alguns anos atrás, o então cardeal Ratzinger, e respondia: “Eu diria que é porque encontra correspondência na natureza do homem. (...) No homem existe uma inextinguível aspiração nostálgica pelo infinito. Nenhuma das respostas que são buscadas é suficiente; somente o Deus que se tornou finito, para rasgar a nossa finitude e conduzi-la à amplidão da Sua infinitude, é capaz de responder às perguntas do nosso ser. Por isso, mesmo hoje, a fé cristã voltará a encontrar o homem” (Fé, Verdade, Tolerância: o cristianismo e as grandes religiões do mundo. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2007). Esta certeza que Bento XVI testemunha continuamente, mesmo diante de todo o mal que causamos a nós ou aos outros – pensemos no evento da pedofilia –, nos convida a um caminho para a redescoberta e o aprofundamento da razoabilidade da fé: “A nossa fé tem fundamento, mas é preciso que esta fé se torne vida em cada um de nós (...): só Cristo pode satisfazer plenamente os anseios profundos de cada coração humano e responder às suas questões mais inquietantes acerca do sofrimento, da injustiça e do mal, sobre a morte e a vida no Além” (Homilia da Santa Missa no Terreiro do Paço de Lisboa, 11 de maio de 2010). Somente se experimentamos a verdade de Cristo na nossa vida, teremos a coragem de comunicá-la e teremos a audácia de desafiar o coração das pessoas que encontrarmos. Assim, o sacerdócio continuará sendo uma aventura para cada um de nós e, portanto, a ocasião para testemunhar aos irmãos homens que somente Cristo é a resposta ao “mistério eterno do nosso ser” (Giacomo Leopardi).
Obrigado.
* Artigo publicado n'O Observatório Romano do dia 9 de junho de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.
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