sexta-feira, 26 de junho de 2009

À porta... encontros!

Ontem, quando cheguei em casa, bati na cama, chorando sem entender por quê... era como se, de repente, a Solidão estivesse à porta... com a mão na maçaneta, enchendo de medo gelado o quarto. Dormi sem me dar conta, de repente... e me lembro de que a última coisa que disse foi: "Senhor, não me deixes sozinho".
Acordei, hoje cedo, com medo de abrir a porta e encontrar Ela lá, de pé, impassível, à minha espera, pronta para me abraçar e cobrir-me com seu véu escuro. Tomei café da manhã em silêncio... e sozinho, mesmo que os olhos vissem rostos em cada canto... é porque Ela estava com a sua mão magra no meu ombro, bem atrás de mim, soprando um hálito frio... peguei o carro e vim para o trabalho. No caminho, eu tentava entender... e Ela estava ali, de novo, assentada ao meu lado, me velando com seus olhos sem cor.

Aí, eu chego aqui, me assento para escrever um monte de coisas patéticas, enquanto, um após outro, entram alunos para me entregar os trabalhos finais... mas, mais do que isso, eles me entregavam um pedacinho (em alguns casos peças inteiras, em outros era o inteiro mesmo) de suas vidas, ou então para entregar uma gratidão comovida, ou um silêncio cheio de palavras definitivas, um olhar vivo e inteiro e cheio de humanidade, ou um abraço quente cheio de uma compaixão que eu descobria, mas nem sei se eles a tinham, ou uma história bonita... e eu, nesse instante mesmo em que escrevo, tendo acabado de abraçar o Roberto, depois de uma conversa tão bonita, recheada de hiatos que comunicavam tanta coisa nos olhares tímidos que, de vez em quanto, cruzavam o meu ("eu queria, professor, que o senhor entrasse aqui dentro da minha cabeça para entender o que eu não dou conta de lhe dizer do jeito justo: o senhor entende quanta diferença fez na minha vida? será que o senhor entende como uma pessoa pode fazer diferença na vida de uma outra?", "sim, Roberto! Eu entendo... e você não imagina o quanto!", disse-lhe com os olhos rasos e cheios de memória; "quando eu entrei na sua aula, queria que terminasse logo, duvidava de tudo, duvidava de mim mesmo e de toda possibilidade de realização na universidade... agora, descobri que o que aprendi está aqui dentro e não vai embora mais... e terminou... mas, tenho a impressão de que só começou"), pois é, nesse instante mesmo "choro feito um homem, sorrio feito uma criança"... me dizendo: "meu Deus, se a vida não for todos os dias assim, a vida é nada! Preciso do Seu rosto com essa potência todo dia, em todos os instantes".
Enquanto conversava com Roberto, chegou a Bárbara - lembram-se dela? falei dela num post de alguns dias atrás (clique aqui, para ler). Ontem, ela me mandou um email cheio de realização... E, hoje, ela me chega aqui e era um abraço só... Ouvindo-a, olhando-a, meu coração não parava de gritar: "Meu Deus, o que estás fazendo na vida dessa mulher?". E ela me dizia: "professor, eu não sei o que vai ser... mas, descobri que se eu der a vida para isso, eu vou para o céu!"... ela estava me dizendo: a vida só se realiza se for dada. Quando saiu, o Roberto disse: "que medo! essa mulher mete medo!... medo?... ... ... não... ... ... não é a palavra justa... também quero ser assim! Deve ser vertigem!".
Pouco antes do Roberto e da Bárbara, a Paloma me mostrou seu trabalho... conversamos, enquanto me comovia ao ver as fotos que tirou e ao ouvir a experiência que fez. "Sabe, professor, o dono da escola onde trabalho decidiu abrir essa escola [é uma escola de educação especial] depois que ficou tetraplégico em um acidente. Quando olho para ele, ou quando penso naquelas coisas que você contava em sala de aula - da Bárbara, do P.e Aldo, da Vicky, da Sêmea e do Edimar, das suas experiências com o Marcos e a Cleuza... -, me dou conta de que desejo muito algo assim... às vezes, pensava que era preciso ser uma espécie de herói, ter uma coragem sobre-humana... mas, comecei a me dar conta de que a coragem que preciso ter, na verdade, é a coragem de me deixar ser... eu vi acontecendo tanta coisa quando simplesmente me deixei ser... quero uma vida assim!".
De repente, tendo ouvido tudo o que ouvi, visto tudo o que vi, abraçado todos que abracei, nessas últimas horas, entendi que aquele medo de ficar sozinho só pode ser vencido por isso: é que tive um vislumbre, num átimo, não dEle, mas de mim mesmo desejando-O com uma urgência gritante... Estranho! "Desejando-O?", alguém se perguntaria... É que, no mesmo átimo, entendi que se não fosse aquela urgência, o rosto da Bárbara, o rosto da Paloma, o rosto do Roberto, o rosto da Nayara, o rosto da Gisele, o rosto da Valéria, o rosto do Mártin... aqueles rostos todos seriam apenas rostos sem forma, objetos sobre os quais não poderia debruçar nem um pingo de afeição e de ternura... e, exatamente por causa daquela urgência surpreendida (entendi exatamente o que significa me surpreender!!!!), aqueles rostos eram o manto claro, o hálito benfazejo, a mão quente, o olhar misteriosamente cheio de ternura do Senhor... nesse mesmo instante, me surpreendi de novo, dizendo: "Por que fazes assim? Quem sou eu para que cuides assim de mim?"... Enquanto os alunos entravam, Ela - a Solidão - foi se tornando um trapo, foi se tornando, pouco a pouco, um tecido esvoacento insustentável por si mesmo... restaram apenas os traços dela, vestígios como que para me dizer: "a dor que eu te causo é que te faz buscá-Lo...". E, então, descobri naquela companhia indesejável, a misericórdia pedagógica dEle, me dando sinais de um caminho a trilhar. E entendi que aquele choro de ontem à noite era a minha humanidade, a Vida da minha vida, me dizendo: "o que a realidade te grita, Paulo, é que 'sem Mim, nada podes fazer!'".
E descubro, então, que à porta não estava Ela... mas encontros... e um novo, constante, urgente, início... com Ele.

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