sexta-feira, 12 de junho de 2009

Para uma crítica da crítica... ou remexendo dentro da Crítica.

Estou às voltas com a preparação de um concurso que vou fazer em breve e, entre as leituras indicadas, topei com um texto que me fez parar para pensar em uma coisa.
No texto, que recupera uma expressão de Sartre - "mordaças sonoras" -, a autora critica a posição da psicologia que, ao longo de sua história de relações especialmente com a educação, acabou por propiciar um silenciamento sobre o que ela chama de "real situação social, histórica e institucional". Não é preciso ir muito longe nessa breve introdução para se ter uma ideia dos fundamentos teóricos adotados pela autora: estamos falando do materialismo histórico-dialético marxista... mas, estamos falando de forma mais precisa da proposta teórica da Escola de Frankfurt: a teoria crítica.
A autora afirma:
"O silenciamento produzido pela Psicologia é de natureza ideológica, ou seja, resultado de uma interpretação particular do real que aparece, num contexto histórico determinado, como interpretação única e verdadeira. O discurso ideológico baseia-se no já-dito, nos sentidos institucionalizados, tidos por todos como naturais. Nele as determinações históricas são reduzidas a evidências empíricas, naturalizadas como fatos. Ao operar essa redução, a ideologia produz um efeito de completude de sentido que desestimula qualquer reflexão" (Patto, 2005, p. 96).
Ela continua, em seguida, apresentando um quadro da realidade educacional que, segundo ela, nasce de uma postura crítica. Esse quadro "desesperador" pintado pela autora, por um lado, não tem nada de mítico - descreve fatos, aponta causas históricas e sociais precisas etc. -, por outro lado, porém, é um quadro que, se entendéssemos o termo "ideologia" usado no excerto acima como a ideologia marxista estaríamos na mesmíssima posição, se substituíssemos o termo "natural" por histórico ou social ainda assim estaríamos no mesmo lugar. Experimentem ler o texto acima dessa maneira! É ou não verdade que, no fim, nos veríamos desestimulados a fazer qualquer reflexão?
Bem, diante disso, fiquei me perguntando: mas o que poderia, de fato, responder às exigências justas dessa autora, sem que caíssemos na armadilha da contradição interna? (Abro um parêntese para explicitar um mal-estar: 100% dos textos lidos para a preparação deste concurso têm uma característica bastante singular - são panfletos revolucionários. Aqui, porém, devo dar espaço à justiça e explicitar que, porém, a postura da Professora Maria Helena Souza Patto é carregada de um sentimento de indignação que grita exigência de justiça, de verdade, de beleza... é impressionante e bonito ver o que a maturidade é capaz de fazer com uma intelectual do porte dela! Evidentemente, toda a massa de palavrório pretensamente politizado e socialista típica dos intelectuais filhos das teorias críticas [e quando falo de "filhos das teorias críticas", falo especialmente daqueles intelectuais que não deram conta do método, apenas reproduzindo chavões inférteis] está presente no seu discurso indignado, no entanto, o tempo parece ter deixado marcas importantes na forma como Patto se propõe, se apresenta, se coloca no meio desse discurso: sua crítica é carregada das mesmas contradições internas de um panfletário comuno-fascistóide, mas ao mesmo tempo - e como é bonito verificar isso! - é carregada de uma dor real pela situação, é carregada de um desejo real de mudança, é carregada das consequências do seu impacto com a realidade que, tantas vezes, foi objeto de suas observações ácidas. Até o ponto de afirmar, no mesmo texto: "Não se pode decretar, categoricamente, a morte do sujeito. Impedido, o desejo pulsa, manifesta-se pelas frestas, fala como pode" [p. 100]. Fecho o parêntese). Nesse ponto, pensava naquilo que o Carrón nos dizia nos Exercícios Espirituais da Fraternidade e em tantas outras ocasiões a respeito de "não partirmos da afirmação de que Cristo venceu", de não partirmos do anúncio cristão - "o Mistério se fez presente em um homem". O risco de chegar a dizer - como um acadêmico que sou - que uma tal afirmação não pode ser feita no âmbito da intelectualidade universitária é enorme. Também o risco de tornar essa expressão apenas mais uma frase solta e, portanto, tão ideológica como todas as outras, é também enorme. Como sair dessa berlinda, então? "Pouco observação e muito raciocínio conduzem ao erro. Muita observação e pouco raciocínio conduzem à verdade", nos lembrava D. Gius na primeira página d'O Senso Religioso. Uma observação atenta, terna e apaixonada de si, do homem e do real. Vejamos, então.
Estou, há dois anos, dando aulas na Faculdade de Educação da USP, ministrando uma disciplina cuja bibliografia básica perpassa toda a gama de autores filhos do materialismo histórico-dialético marxista. No início, como estava na defensiva, parti para o ataque. Resultado? Foram semestres infecundos. Nos dois últimos semestre, porém, resolvi mudar a tática: "não idéias, mas experiências!" se tornou o mote de cada uma das aulas. Os textos e os temas eram os mesmos, mas a postura mudou: não estava mais no ataque e, portanto, criou-se um ambiente de familiaridade dentro de sala de aula que permitiu o vir à tona de coisas muito bonitas. Eu estava livre e, por causa disso (?), vi nascendo uma liberdade entre os estudantes que, tantas vezes, me comovia.
Conto um caso gritante do que pode responder àquela pergunta: um dia, em uma aula cujo tema era a violência na escola, Bárbara, uma aluna do curso de licenciatura em Educação Física, contou que havia descoberto que um de seus alunos, de 12 anos, traficava drogas na porta da escola depois da aula. Conversou então com o aluno, que lhe contou uma história dramática: sua mãe é uma paciente psiquiátrica e ele mora, junto com suas irmãs, na casa de sua avó materna, que é doente e vive às custas de remédios comprados com os parcos rendimentos de uma aposentadoria. Trabalhar para os traficantes do bairro era a única maneira de ter uma renda que permitisse cuidar de todos em casa: a avó e as duas irmãs. E o garoto ainda acrescentou: "Professora, a senhora acha que eu vendo drogas para meninos da minha idade? Não! Eu vendo drogas é para pessoas da idade da senhora!". Profundamente tocada pela situação, Bárbara procurou a diretora da escola, pedindo alguma indicação de uma atitude a tomar diante do fato. A resposta da diretora foi, no mínimo, grosseira: "Bárbara, se você quer ter uma vida como professora, a melhor coisa a fazer é não se meter na vida desses moleques". Chorando, Bárbara concluia seu testemunho, em sala de aula, dizendo: "Professor, eu não posso ser indiferente... eles são minhas crianças!".
Falávamos, naquela aula - como em quase todas as outras -, da necessidade de não achatar a própria humanidade, a fim de não se ver achatando a humanidade das crianças e dos jovens com os quais trabalhamos em sala de aula. Falávamos de lutar contra a indiferença. Falávamos da necessidade de se entender a educação como fruto de um encontro entre pessoas. Falávamos da urgência de retomar o conhecimento afetivo como ponto de partida, no mínimo, interessante para se pensar a atitude educativa. Bem, a situação, naquele momento - diante do choro da Bárbara - ficou um pouco constrangedora... porque, imediatamente, todos, alvoroçados, começaram a questionar o que vínhamos nos dizendo ao longo do semestre... Eu, diante do que escutara, também me vi impotente. Mais impotente me senti no momento em que Pedro, um dos alunos, levantou a voz, quase em tom de desafio, e me perguntou: "E agora, professor, o que o senhor faria numa situação dessas?". Silêncio absoluto em sala. Todos se voltaram para mim, esperando que eu arrancasse de uma cartola ideológica a resposta mágica para a pergunta do Pedro.
Faltavam dez minutos para terminar a aula... já estávamos todos cansados... e eu, na minha pretensão, me vi colocando para funcionar toda a maquinária intelectual atrás de uma resposta convincente e perfeita. Mas, de fato, eu estava fisicamente esgotado (depois de um dia cheio da escuta de dramas duríssimos... no consultório, naquele dia, eu havia atendido quatro casos super dramáticos, que exigiram tudo de mim) e não encontrava nada nos livros acumulados no quarto da memória. Naqueles instantes de silêncio, diante dos olhos inquisidores de 60 alunos, já sem energia, vi se passando na memória uma série de encontros, então: encontros daquele dia (duas ex-alunas que me procuraram no meu gabinete "só para ver o senhor"; uma cliente do consultório que, depois de deixar vir à tona a minha humanidade, encontrou espaço para dizer "quero ser"; uma ex-aluna que, no corredor, me abraçou como se eu fosse seu pai) e encontros de outros dias (a memória despertada pela atitude daquelas duas alunas que me procuraram: "eu fazia o mesmo com o Miguel"; a memória do encontro com o P.e Aldo e com o P.e Paolino, de alguns dias antes; a memória do abraço cheio de misericórdia do Carrón e de D. Gius, que chegou até a mim através dos encontros com o Miguel; a memória do olhar cheio de afeição e de bem querer de uma amiga etc.)... todos encontros que não eram do passado, mas presentes. Dez anos se passaram diante de mim... Quatorze anos se passaram diante de mim... Vinte anos se passaram diante de mim... Trinta anos se passaram diante de mim: trinta anos que só faziam sentido, só tinham sentido se olhados a partir da perspectiva do acontecimento de dez anos atrás - "Feliz Páscoa quae sera tamem!", era o conteúdo do email que me fez entrar nesse rio. Tudo isso, em alguns instantes! E todos estavam lá, olhando para mim. Abri a boca e soltei: "Pedro, a pergunta certa não é 'o que fazer?', mas 'por que fazer?'. Bárbara, a questão que está em jogo é: você sabe os motivos? vale a pena?". Fim da aula: todos saíram em silêncio. Fiquei ainda um pouco sozinho em sala de aula, mastigando o que tinha acontecido: "de fato, eu não me fiz por mim mesmo! De fato, eu não me faço por mim mesmo! Eu sou Tu que me fazes!".
Quando cheguei em casa, insône, resolvi abrir a caixa de emails. Surpresa: cinco alunos daquela noite me haviam escrito - já passava das duas da manhã. Estavam todos comovidos e gratos... Mas, a história não termina aqui. Duas semanas mais tarde, Bárbara me para na saída da Faculdade de Educação para me contar: "Eu levei a sério aquilo que você disse, professor. A vida desses meninos me interessa, o destino deles me interessa. Vale a pena!". E disse que alguns dias antes havia proposto a alguns colegas seus de começar um trabalho - uma obra - com as crianças do bairro onde ela trabalha: "precisamos ficar perto desses meninos, porque, do contrário, serão os traficantes que ficarão perto". E contou também que se envolveu em primeira pessoa com a situação daquele seu aluno e que as coisas começaram a tomar novos rumos, e que ela está acompanhando tudo de muito perto: "acho que criei um problema para mim, porque outras crianças começaram a me procurar pedindo ajuda... mas, não posso ficar indiferente a isso, professor!".
Nada de discurso! Nada de "alienação"! Nada de "politização"! Apenas uma humanidade que joga o coração em todas as circunstâncias.
Que gênio é D. Gius! Que gratidão tenho por essa educação que tenho recebido e que me faz mais eu do que meus projetos sobre mim mesmo, do que minhas interpretações sobre mim mesmo.

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