quinta-feira, 11 de junho de 2009

Cartas do P.e Aldo 72

Asunción, 11 de junho de 2009.

Caros amigos,
desculpem-me se os incomodo com uma outra carta... mas não acreditava que aquela que lhes mandei ontem, sobre a “Caridade”, fosse suscitar tanto interesse e perguntas.
Vê-se que todos temos necessidade de “um carinho do Nazareno”. Entre os tantos emails que recebi há o de uma pessoa consagrada, acusada de pedofilia que conta o seu calvário. Não tanto ou apenas por aquilo que lhe cobram, mas particularmente pela dor de se ver abandonado pelos seus superiores e confrades, com exceção de um alguns bons samaritanos. Senti uma dor terrível. Não entendo e nunca entenderei uma semelhante atitude desumana. Mas, puxa vida, nós padres, quando comentamos o capítulo 25 de São Mateus, o que dizemos às pessoas e a nós mesmos – “eu estava na prisão e não me visitates, doente e não cuidastes de mim” etc.?
Não consigo uma explicação para tanta maldade, para tanta frieza, particularmente entre homens de igreja. Mas, entendo: “poderá uma mãe abandonar o seu filho?”. “Eu nunca me esquecerei de ti”, diz a Bíblia. Por isso, as palavras de Carrón, depois daquela carta, me comovem instante depois de instante.
Mas, será que nós entendemos que mesmo o pior delinquente é um homem, é relação com o Mistério, é um outro Cristo se tiver sido batizado?
Mas, se, para Deus, existe apenas o filho, o homem Seu filho, por que, para nós, existe o adjetivo “bom” ou “mau” para definir um filho de Deus? O pecado é pecado, o delito é delito, e será condenado, mas o homem, o homem – sim, o homem – “o fizeste pouco abaixo dos anjos, coroando-o de glória e de esplendor”.
“Paixão por Cristo, paixão pelo homem”, nos lembra o Movimento e, então, o que quer dizer isso quando um confrade está em jogo? Se eu vivesse na Itália, ninguém, mas ninguém, me impediria de procurá-lo, encontrá-lo e abraçá-lo. Francamente, não entendo.
Depois de um ano de padre – porque está emburrecido pela ideologia marxista –, me enviaram para a casa de Salerno para assistir os filhos dos encarcerados e visitar as prisões do sul da Itália. Eu tinha 27 anos e naqueles lugares comecei a entender um pouco a vida. Lembro-me de uma cena: uma velhinha vinha muito frequentemente visitar um homem que, se me lembro bem, era da quadrilha de Vallanzasca (Renato Vallanzasca Constantini é um famoso criminoso italiano que está cumprindo 260 anos de prisão; ndt) – já se passaram 40 anos! Os guardas estavam já cansados de ver sempre esta mulher, que eles definiam como “insuportável”. Um dia, um policial lhe disse: “mas, senhora, você vem frequentemente visitar este delinquente...”. Aquela mulher, levantou a voz e lhe gritou: “para o senhor, ele é um delinquente, mas, para mim, será sempre e apenas o meu filho”. Era sua mãe. Nunca mais esqueci aquela cena, muito menos a esquecerei hoje em dia, quando vivo com todos aqueles que estão às margens da vida.
Na clínica, eu tenho um paciente com AIDS e lepra. Abandonado pela família porque violentou todas as suas quatro filhas. Não descreverei para vocês os dramas, os encontros que tive para tentar uma reconciliação, uma possibilidade de perdão, vistas as graves condições do paciente. Quase nenhum resultado. Porém, pessoalmente, três vezes ao dia, quando passo com o Santíssimo, me ajoelho diante dele e o beijo. Não vejo nele um monstro, um pedófilo ou o nada daquilo que o mundo define dele, mas vejo nele o rosto de leproso e doente de AIDS, vejo nele o rosto de Cristo. Muitos dos meus pacientes abusaram de menores e eles mesmos, quando eram crianças, foram abusados... porém, são Jesus, são o Seu rosto e eu não posso não me comover, abraçando-os, beijando-os, porque abraço e beijo Jesus. Poderia escrever-lhes contando de cem desses fatos se servissem para que pudéssemos pedir a Nossa Senhora a graça de entender que se, de fato, encontramos Jesus, não podemos celebrar a Missa ou nos aproximarmos da Eucaristia se não temos pelo menos o pedido, o desejo de abraçar quem quer que seja.
A carta daquela pessoa consagrada me rasgou o coração e como gostaria que ele pudesse ler o que eu escrevo.
Jesus morreu por mim... eu que era um lixo humano e o sou ainda. Giussani fez festa naquele dia, abraçando-me... e eu era um cadáver moral. Aquele abraço, aquela ternura me salvaram. Depois, aquelas palavras de Carrón ditas depois daquela belíssima carta do Papa me encheram de alegria, de comoção cotidiana. Por caridade, que a instituição nunca tome o lugar das pessoas. Ou se salva tudo ou não se salva nada.
Recentemente, encontrei uma esquizofrênica abandonada. Não lhes digo as condições nas quais ela estava e as suas reações violentas. Passaram-se já dois meses e já é uma outra mulher.
Amigos caros, por que temos cada vez menos coragem de olhar o Crucifixo? Mas, o mal, o meu mal é o motivo da Sua paixão, morte e ressureição. Que alegria! E olhem que não quero justificar nem uma vírgula do meu e do mal de vocês, porque o mal é mal e se paga. Porém, o homem, esta criatura divina, este filho de Deus, que será filho de Deus mesmo se escolher o inferno, me comove.
Obrigado pelo que vocês me escreveram, porque entendo ainda mais do que todos temos necessidade. E Carrón nos disse isso em março passado. Mas também Jannacci (Enzo Jannacci é um cantor italiano, ateu, que, em recente crônica publicada no Corriere della Sera, escreveu, comentando o drama de Eluana, que “seria necessário um carinho do Nazareno”. Quem quiser, pode ler sua crônica, clicando aqui; ndt). Não esqueçamos nunca: o homem é sempre e apenas “Tu que me fazes”, mesmo quando a minha liberdade não reconhece isso.
E, finalmente, para ajudá-los a comprender o que significa que “quero misericórdia e não sacrifícios”, anexo este email que me chegou hoje. Deus queira que sejamos nós a desejar misericórdia: é o que pedíamos, hoje, eu, meus confrades e alguns amigos na oração... que fóssemos os primeiros a seguir o exemplo.
Agradeço a Deus porque Paolino, Daf e eu nos olhamos assim. Se não fosse assim, aqui, Deus não poderia fazer o que está fazendo, porque tudo é sinal de um acréscimo da misericórdia que Deus tem por nós três.
P.e Aldo

Olá, Padre Aldo!
Acabei de ler o seu email e pensei: “mas, quem sou eu para que Tu cuides assim de mim?”.
Como eu entendo o que diz, quando diz que o homem é Cristo! Sabe, também o meu marido foi acusado de pedofilia por causa de coisas que fez com o nosso pequenino... Mas, depois, a acusação foi arquivada: ele deu um jeito para que a senhora do serviço social que seguia o caso fosse transferida e, agora, o responsável dos serviços sociais que nos acompanha é um aliado seu e não quer ter problemas. Mas, eu não posso não olhá-los com “simpatia”! Como posso não ver no rosto deles Cristo crucificado? Pobres coitados: eles são tristes, têm que inventar um montão de mentiras, têm que me insultar para se sentirem “vivos”, e eu, ali, diante deles (acabei de voltar de um encontro com eles), invocando o Espírito Santo, pedindo que O possam encontrar. É mesmo bela a vida! Sabe, posso olhá-los assim porque ANTES fui olhada assim... que ternura o Mistério tem pela minha vida.
Obrigada, Padre Aldo. Sabe, não conheço você pessoalmente, porém você já faz parte da minha família. Trata-se de uma familiaridade que apenas um Outro pode dar!! Quero muito o seu bem e agradeço-lhe de todo coração.

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