segunda-feira, 31 de maio de 2010

Cartas do P.e Aldo 145



Asunción, 31 de maio de 2010.

Caros amigos,
O que significa, para mim, aquele “Tu” que domina, de que fala Carrón no fim da primeira meditação dos Exercícios [refere-se aos Exercícios espirituais anuais da Fraternidade de Comunhão e Libertação que, no Brasil, aconteceram no último fim de semana; ndt], o que significa nesse momento? Tenho o coração lacerado. Tinha acabado de chegar da Itália e, como sempre, o primeiro gesto, depois de ter saudado Jesus Eucarístico e Nossa Senhora, foi encontrar os meus Jesus que sofrem, beijando-os um a um. Apenas uma grande comoção e alegria. Porém, depois de algumas horas, chega, afobada, no meu escritório a garota da recepção da clínica: “Padre, corre! A sua filhinha, Cristinita, de 3 anos, está morrendo”. Achei que eu iria desmaiar. Corri até o seu quarto: estava agonizante. Ela que, desde que nasceu, está conosco; ela que, tão logo nasceu, já foi maltratada pelos “pais” alcoolizados, de onde deriva, inclusive, toda a sua doença que a deixou surda, cega, marcada pela meningite e com hidrocefalia. Três anos no leito... a minha pequena. De vez em quando, agonizando, dava uma aspiradas fortes... Deixam-me a sós com ela, choro como uma criança enquanto a vejo respirar com muita dificuldade. “Senhor, por quê? Por que a tiras de mim?”. Perguntas, perguntas, porém o coração em pedaços diz “Tu, meu Cristo” continuamente. As horas passam, não me interessa o dinheiro, quero que alguém venha de um centro especializado para tirar um chapa. Uma gravíssima pneumonia. É urgente que a internem em outro hospital. Fizemos isso. Terapia intensiva. Não posso vê-la. Avisam-me: “ela também está com uma hemorragia interna”. Não me dão nenhuma esperança. Enquanto que, para mim, se aproximava a hora de pegar o avião para ir ao Brasil, para os Exercícios Espirituais com os amigos Marcos e Cleuza. O que faço? O sentimento é terrível: por que deixá-la e não acompanhar sua morte? É uma briga dentro de mim. É como se uma voz repetisse: “mas, esta filha não é tua, é de Jesus”. Momentos difíceis. “Tu, meu Cristo”, “olhar Cristo no rosto”: são as palavras que enchem o meu eu. Confio-a a Jesus e a Nossa Senhora... pouco depois, disse à responsável do meu hospital: “Se minha filha morrer antes que eu volte, não a enterrem, porque eu quero levá-la ao cemitério onde todos os meus filhos repousam”. Peguei o avião porque o amor da minha Cristinita é Cristo e ninguém, neste momento, me recorda mais aquele “Tu” que fez Cristina e a mim, unindo-nos para sempre, do que Carrón com a sua palavra dita nos Exercícios, do que os meus amigos Marcos, Cleuza e Julián, Bracco etc.
Estou, aqui, em São Paulo... gostaria de ligar o celular para saber... Mas não consigo... o silêncio cheio dEle me garante tudo. A minha natureza de homem gostaria de saber, fazer, exigir... pobre ilusão que pensa poder substituir-se a Ele. Choro no silêncio do meu coração, imerjo nas palavras de Carrón, certo de que aquele “Tu” de que sou feito responde à sede de justiça, de amor, sabe porque a minha Cristinita está morrendo, se não já estiver morta.
Amigos, ser pai, ser pai de um filho dado é dramático... mais dramático do que ser pai de um filho desejado... exatamente porque é dado, não procurado. Mesmo o rasgo, no seu imenso sofrimento, torna maior aquele “Tu que colocou juntos Cristinita e eu. Ela que, com a morte, se torna, de fato, minha... como nunca foi nesta vida.
Estou nos Exercícios da Fraternidade, em São Paulo. Estou preparando, com Marcos, Cleuza, Julián e outros amigos, a assembleia da noite... e me chegou, então a notícia: Cristinita morreu. O coração sofre, mas está feliz. Agora, é, de fato, minha para sempre. Pedi ao Padre Paolino que a velem bem e, quando eu estiver de volta – amanhã –, a levarei aonde repousam os meus outros tantos filhos, pequenos e grandes. Uma vez mais, sinto a beleza de ser pai de um filho dado, agora, finalmente, meu. Porém, a cada dia, é necessário sofrer para que esta verdade não se cristalize em doutrina. “É preciso morder a pedra”, como dizia o abade a Miguel Mañara [refere-se ao texto homônimo de Milosz; ndt].
Padre Aldo.

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