Por Laura Cioni
Entre os inúmeros argumentos sobre os quais Cícero escreveu em suas obras, um diz respeito à natureza dos deuses, naturalmente polemizando com os epicuristas, tão detestados pela tradição romana de pensar e de agir, da qual ele é um crente convicto. A escola epicurista nega que os deuses, da tranquilidade de sua sua sede, se ocupem dos eventos humanos. Antes, eles nem mesmo contruiram o mundo, que nada mais é que fruto do casual aglomerar-se dos átomos. Contra tal doutrina perigosa para as estruturas culturais e políticas de Roma, Cícero responde com uma obra em três livros, o De natura deorum.
Na parte central do segundo livro, o autor fala da conformação física do homem, enumerando a sabedoria com a qual são distribuídos os órgãos que presidem os sentidos; particularmente, há uma passagem surpreendente que, junto a toda a argumentação a que dá lugar, poderia ter sido elaborada pelos defensores do princípio antrópico, a teoria segundo a qual o universo, na sua totalidade, teria sido construído em função da vida do homem sobre a terra. “Deus levantou o homem da terra e o colocou em posição ereta, de pé, de modo que, contemplando o céu, pudesse ter noção dos deuses. Os homens não são habitantes da terra mas, em certo sentido, são expectadores, a partira da terra, das realidades superiores e celestes, cuja contemplação não se vê em nenhuma outra espécie de seres vivos”.
A afirmação demonstra o quanto os antigos, mesmo os mais pragmáticos como os Romanos, soubessem cruzar o limiar da pura observação das coisas para chegar a seu objetivo: neste caso da posição ereta do homem, Cícero chega à conclusão que ela foi querida para favorecer a busca do princípio. Exatamente ele que dedicou a maior parte da sua atividade ao governo da res publica e que, nos períodos nos quais, por causa das contínuas mudanças políticas de Roma, foi obrigado a recuar para o otium, ou para a pura busca intelectual, ocupou-se, mesmo que em função política, de um tema especulativo de grande interesse para quem queira conhecer o pensamento dos antigos. Falando dos deuses, Cícero fala, na realidade, dos homens e reconhece na sua conformação física a marca dos únicos seres a quem foi dada a tarefa de indagar a realidade celeste: uma concepção alta do homem, que funda toda a atividade intelectual que Roma, depois, transmitiu ao ocidente com o nome de humanitas.
De modo mais poético, um profeta do Antigo Testamento, que viveu no século VIII antes de Cristo, usa expressões semelhantes. Oséias dá voz à repreensão de Javé contra Israel: O meu povo é duro para converter-se: / chamado a olhar para o alto / nenhum sabe levantar o olhar.
São vozes antigas, de milênios, mas o seu chamado de atenção é sempre atual, se se ler de dentro de nossos problemas de modernos. Há muitos séculos o céu é sim lugar da pesquisa, mas se tornou, de certa maneira, mais distante, não apenas porque instrumentos cada vez mais potentes dilataram o espaço da pesquisa; a beleza e a ordem do cosmo convidam raramente a ultrapassar aquilo que se vê, para fixar os olhos da mente sobre as coisas invisíveis. Por isso, frequentemente os modernos se concebem apenas como habitantes da terra e a usam a seu bel prazer, sem a atenção devida àquilo que dá a eles a hospitalidade temporária.
Mas, o homem comum sabe que olhar para o céu é um modo simples para não se sentir sozinho, mesmo que no deserto cheio de gente das metrópoles, é uma ocasião para refletir sobre a vastidão do conhecimento e mais ainda sobre tudo aquilo que existe. Não deveria ser difícil neste ponto formular a pergunta que torna verdadeiramente homens, e que Leopardi soube exprimir tão bem: Por que tanta candeia? / Por que estes ares infinitos, este / Infinito profundo, sereno, esta / Imensa solidão? E eu, que sou eu?
Mesmo se a pergunta ficasse sem resposta, ela já daria a dimensão adequada para a vida do homem. E caso acolhese a resposta – Pai nosso que estais nos céus – a sua dignidade de criatura razoável e livre encontraria o abraço.
* Texto extraído do IlSussidiario.net, do dia 22 de janeiro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.
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