quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Meditar: "ruminar" os mistérios de Deus e Sua vontade


Bento XVI

Audiência Geral

Pátio do Palácio Apostólico de Castel Gandolfo
Quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O homem em oração

Caros irmãos e irmãs,
Ainda estamos sob as luzes da Festa da Assunta, que – como eu disse – é uma Festa da esperança. Maria chegou ao Paraíso e este é o nosso destino: todos nós podemos chegar ao Paraíso. A questão é: como? Maria chegou; Ela – disse o Evangelho – é “Aquela que acreditou no cumprimento daquilo que o Senhor lhe disse” (Lc 1, 45). Portanto, Maria acreditou, confiou-se a Deus, entrou com a sua vontade na vontade do Senhor e, assim, estava exatamente no caminho mais direto, na estrada que leva ao Paraíso. Acreditar, confiar-se ao Senhor, entrar na sua vontade: esta é a direção essencial.
Hoje, não gostaria de falar sobre todo este caminho da fé, mas apenas sobre um pequeno aspecto da vida da oração que é a vida do contato com Deus, ou seja, falar sobre a meditação. E o que é a meditação? Quer dizer “fazer memória” daquilo que Deus fez e não esquecer os tantos benefícios que Ele nos faz (cf. Sl 103, 2b). frequentemente, vemos apenas as coisas negativas; temos que manter na nossa memória também as coisas positivas, os dons que Deus nos fez, estar atentos aos sinais positivos que veem de Deus e fazer memória deles. Portanto, falamos de um tempo de oração que, na tradição cristão, é chamada “oração mental”. Conhecemos, em geral, a oração com palavras, naturalmente também a mente e o coração devem estar presentes nesta oração, mas falamos hoje sobre uma meditação que não é feita de palavras, mas é um deixar que nossa mente entre em contato com o coração de Deus. E Maria, aqui, é um modelo muito real. O evangelista Lucas repete, diversas vezes, que Maria “de sua parte, guardava todas estas coisas, meditando-as no seu coração” (Lc 2, 19; cf. 2, 51b). Guarda, não esquece, Ela é atenta a tudo o que o Senhor lhe disse e fez, e medita, ou seja, entra em contato com diversas coisas, aprofunda-as no seu coração.
Aquela, portanto, que “acreditou”, no momento do anúncio do Anjo, e que se fez instrumento para que a Palavra eterna do Altíssimo pudesse se encarnar, acolheu também no seu coração o maravilhoso prodígio daquele nascimento humano-divino, meditou-o, concentrou-se na reflexão sobre aquilo que Deus estava operando nEla, para acolher a vontade divina na sua vida e corresponder a ela. O mistério da encarnação do Filho de Deus e da maternidade de Maria é tão grande que requer um processo de interiorização, não é apenas algo de físico que Deus opera nEla, mas é algo que exige uma interiorização por parte de Maria, que tenta aprofundar a inteligência do que aconteceu, interpretar seu sentido, compreender as implicações. Assim, dia após dia, no silêncio da vida ordinária, Maria continuou a guardar no seu coração os sucessivos eventos maravilhosos de que foi testemunha, até à prova extrema da Cruz e à glória da Ressurreição. Maria viveu plenamente a sua existência, os seus deveres cotidianos, a sua missão de mãe, mas soube manter em si um espaço interior para refletir sobre a palavra e sobre a vontade de Deus, sobre tudo o que acontecia nEla, sobre os mistérios da vida do seu Filho.
No nosso tempo, somos absorvidos por tantas atividades e compromissos, preocupações, problemas; frequentemente, tendemos a preencher todos os espaços do dia, sem ter um momento para parar e refletir e nutrir a vida espiritual, o contato com Deus. Maria nos ensina como é necessário encontrar, nos nossos dias, com todas as atividades, momentos para nos recolhermos em silêncio e meditar sobre aquilo que o Senhor nos quer ensinar, sobre como está presente e age no mundo e na nossa vida: ser capazes de parar um momento e meditar. Santo Agostinho compara a meditação sobre os mistério de Deus à assimilação da comida e usa um verbo que aparece repetidas vezes em toda a tradição cristão: “ruminar”; ou seja, os mistérios de Deus devem ser continuamente ecoados em nós para que se tornem familiares para nós, guiem a nossa vida, nos nutram como acontece com o alimento necessário para nos sustentar. E São Boaventura, referindo-se às palavras da Sagrada Escritura, diz que “devem ser sempre ruminadas para que possam ser fixadas, com ardente aplicação do espírito” (Coll. In Hex, ed. Quaracchi 1934, p. 218). Meditar, pois, quer dizer criar em nós uma situação de recolhimento, de silêncio interior, para refletir, assimilar os mistérios da nossa fé e aquilo que Deus opera em nós; e não apenas as coisas que vão e vêm. Podemos fazer esta “ruminação” de vários modos, tomando, por exemplo, um breve trecho da Sagrada Escritura, sobretudo dos Evangelhos, dos Atos dos Apóstolos, das Cartas dos apóstolos, ou então uma página de um autor de espiritualidade que nos aproxima e torna mais presente as realidades de Deus para o nosso hoje, ou mesmo deixando-se aconselhar por um confessor ou por um diretor espiritual, ler e refletir sobre o que se leu, centrando-se sobre isto, tentando compreender, entender o que diz para mim, o que diz hoje, abrir o nosso espírito àquilo que o Senhor quer nos dizer e ensinar. Também o Santo Rosário é uma oração de meditação: repetindo a Ave Maria somos convidados a repensar e a refletir sobre o Mistério que proclamamos. Mas podemos nos concentrar também sobre alguma intensa experiência espiritual, sobre palavras que permaneceram impressas em nós ao participar da Eucaristia dominical. Portanto, como podeis ver, existem muitos modos de meditar e, dessa forma, tomar contato com Deus e nos aproximar de Deus e, assim, estar no caminho em direção ao Paraíso.
Caros amigos, a constância no dar tempo a Deus é um elemento fundamental para o crescimento espiritual; será o Senhor mesmo que nos concederá o gosto dos Seus mistérios, das Suas palavras, da Sua presença e ação, sentir como é belo quando Deus fala conosco; nos fará compreender, de modo mais profundo, o que quer de mim. Enfim, é exatamente este o objetivo da meditação: confiar-se sempre mais às mãos de Deus, com confiança e amor, certos de que somente fazendo a Sua vontade seremos, no fim, verdadeiramente felizes.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 17 de agosto de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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