quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O maravilhamento conhece, mas não é suficiente: uma palavra “secreta” nos diz por quê...

Por Costantino Esposito

Uma vez, Espinoza escreveu que quem se esforça por entender as coisas naturais “como um cientista” (ut doctus), para de se maravilhar como faria um ignorante (ut stultus), que camufla com o nome de maravilhamento o simples fato de não conhecer as causas reais do mundo. Por isso, diferentemente do “vulgo”, os cientistas sabem bem que “eliminada a ignorância o maravilhamento diminui” (Ética, parte I, Apêndice).
A ideia espinoziana de um conhecimento perfeito da realidade inteira nas suas causas mecânicas – as únicas que são absolutamente traduzíveis nas demonstrações da geometria – com a exclusão taxativa de qualquer fim ou sentido que transcenda a esta ordem, representa um ideal totalizante e, sem dúvida, fascinante, da pesquisa científica. Um ideal segundo o qual a mente humana é chamada a contemplar a substância objetiva e necessária de todas as coisas, aquilo a que o mesmo Espinoza dá nada menos do que o nome de “Deus ou natureza”.
A pergunta que se faz diante de uma perspectiva como esta é se efetivamente o maravilhamento pode ser entendido como um simples resíduo da ignorância, destinada tendencialmente a ser reabsorvida na medida em que são descobertas e descritas as leis objetivas da natureza, ou se ela não se constituiria muito mais no motor da descoberta e dos desenvolvimentos explicativos da ciência, segundo uma tradição bastante antiga que, desde Aristóteles, chega até aos testemunhos de muitos cientistas contemporâneos, segundo os quais o caminho do conhecimento é, frequentemente, aberto pelo maravilhamento que é despertado quando nos deparamos com uma ordem, ou com aquilo que simplesmente parece “casual”.
Certamente que quando nos surpreendemos diante de algo inesperado ou ainda desconhecido, revelamos a nossa “ignorância”: mas, ao mesmo tempo, esta indicação negativa implica uma referência positiva, ou seja, a emergência ou melhor a manifestação de “algo” na nossa experiência ou de um “dado” do nosso conhecimento. E se é verdade que, daquele momento em diante, o trabalho de conhecer deverá ser o de se apoderar ao máximo, através de nossas categorias, deste hóspede inesperado, transformando-o numa aquisição da nossa mente; é verdade também que esta “redução” do mundo às nossas estruturas mentais (e todo conhecimento científico é sempre tecnicamente “redutivo” do real a invariâncias, estruturas e recursividades) constitui-se em fonte de maravilhamento. Objetivar o mundo nas suas leis pode ser compreendido como o sinal da potência do sujeito conhecedor, mas também como o sinal de uma correspondência não óbvia entre o mundo e as nossas medidas cognoscitivas.
Um recente ensaio do linguista Andrea Moro, intitulado Breve história do verbo ser: viagem ao centro da frase (publicado pela Adelphi), fez-me entender de maneira claríssima a verdadeira questão que estão em jogo nesta alternativa sempre presente no olhar de quem se dedica ao conhecimento rigoroso do mundo. Seguindo os passos do grande Noam Chomsky, Moro aprendeu a olhar e a estudar a nossa linguagem como “o grande escândalo da natureza”, um ponto de “descontinuidade não motivada e imprevista entre os seres vivos” (p. 62), não em sentido frágil, e portanto como expressão de certas representações que se podem transmitir a outros indivíduos (até memso os outros animais fazem isso, não apenas o homem), mas no sentido forte, ou seja, como um código “estruturado” na nossa mente em sentido rigoroso.
A linguagem humana não é uma simples função cognitiva ou um mero instrumento para a comunicação, mas é um sistema formal bem estruturado, isto é, é uma “sintaxe”; e esta última não é explicável como o efeito de uma dada cultura ou de uma sociedade particular, mas como um utensílio ou, se se quer, como um dispositivo que cada homem possui em nível natural e biológico.
A ideia forte é que – como escreveu Chomsky, o fundador da lingüística formal entendida como “gramática generativa” – os seres humanos são “projetados de modo especial”, ou seja, carregam, por assim dizer, uma capacidade bem precisa “de tratar com os dados e de formular hipótese de uma natureza e de uma complexidade desconhecida” (p. 119), como pode ser atestado pela impressionante rapidez com a qual as crianças são capazes de adquirir a gramática muitas vezes bastante complexa de uma língua.
Portanto, estudando a linguagem por este ponto de vista, nos encontramos diante de uma estrutura puramente natural, mas sem cair, com isso, num reducionismo naturalístico, se é verdade que já neste nível o ser-homem é indicador de uma originalidade irredutível. Deste modo, descobrimos um nível da subjetividade que não é, de fato, “subjetivo”, mas plenamente objetivo, a partir do momento em que a “arquitetura” neurobiológica da nossa mente permite capacidades cognitivas dotadas de sensatez e de ordem. E isto pode ser visto não apenas quando buscamos e afirmamos (ou negamos) significados no nosso estar no mundo (dimensão semântica da linguagem), mas já antes, na nossa mesma capacidade de compor uma frase, com uma certa ordem, rigorosamente codificada nas suas variantes, um sujeito, a cópula [é uma categoria da gramática pouco conhecida, entre nós, com este nome, pois é mais usada na Gramática Geral do Trivium; equivale ao verbo de ligação; ndt] e um predicado (dimensão sintática da linguagem). Disso deriva aquela competência específica da mente humana que é a afirmação e a negação, o juízo e a busca pela verdade.
E é exatamente na análise de um problema crucial da lingüística generativa, quer dizer da natureza e da função do verbo “ser”, que Moro prova o quão surpreendente pode ser a descoberta dos dados objetivos, controláveis rigorosamente em sentido formal, e mesmo não dedutíveis em última instância de outras causas. Nesse caso, por exemplo, o fato de a linguagem ser estruturada e programada na nossa mente não quer dizer tanto que ela seja redutível às funções orgânicas do cérebro, mas, pelo contrário, quer dizer que a mente, exatamente na medida em que é estruturada linguisticamente, constitui-se em uma diferença inexplicável quando se pensa em suas outras funções vitais.
Para dizer em poucas palavras aquilo que Moro pretende dizer a partir da filosofia grega até chegar às sofisticadas pesquisas da lingüística do século XX e a contemporânea, o verbo ser, por muito tempo, pareceu ser um elemento da frase privado de propriedades estruturais precisas, pelo fato de exprimir uma identidade (Sócrates é um homem: um nome seguido de outro nome), às vezes um predicado (Sócrates é humano: um nome seguido de um adjetivo), tanto que alguns, como Bertrand Russell, hipotetizaram a existência de dois verbos “ser” diferentes. Se analisarmos, portanto, a sintaxe da frase, notaremos que a cópula não se comporta como os outros verbos transitivos (pelos quais o sujeito permanece sempre diferente do predicado), mas implica também o caso que o sujeito possa ser invertido com o predicado.
O exemplo que Moro dá de uma frase sem o verbo ser é: “esta foto da parede causou a revolta”, que nunca será equivalente a “a revolta causou esta foto da parede”. Porém, usando a cópula posso dizer: “esta foto da parede foi a causa da revolta”, ou então, de maneira equivalente, “a causa da revolta foi esta foto da parede”.
Aqui, parece que sequência canônica das frases copulativas (ou seja, sujeito-verbo-predicado) fique em pedaços, porque, ao menos na metade dos casos, temos uma sequência inversa (ou seja, predicado-verbo-sujeito). Moro propõe a esse respeito uma nova hipótese explicativa, chamada “teoria unificada das frases copulativas”, para resolver a ambiguidade que sempre acompanha esse tipo de frases, sejam as “canônicas” nas quais o sujeito precede o verbo e este vem seguido do complemento objeto, sejam as “inversas”, nas quais primeiro é colocado o complemento objeto e o sujeito vem, porém, depois do verbo. Em outros termos, no nível da sintaxe, ser é sempre o mesmo verbo, cuja estrutura pode se transformar a depender do fato de o nome que preceder a cópula ter a função de sujeito ou de predicado. O ganho dessa teoria consiste, antes de mais, no fato de remeter a “princípios sintáticos universais e independentes” (p. 242) todas as aplicações empíricas das frases copulativas, ou seja, dá conta a partir das estruturas determinadas também dos casos anômalos da frase.
Mas há ainda o significado relevante que tal ganho oferece também para os confins científicos da linguística generativa, contribuindo para a consciência do como é estruturada ou “programada” a nossa experiência, da qual temos consciência sempre e necessariamente de forma linguística (tentem ver se é possível ter consciência de si e do mundo sem afirmar o significado com uma frase e, portanto, segundo regras sintáticas!). A descoberta é que o verbo ser é uma estrutura não arbitrária da nossa mente (mesmo naquelas línguas nas quais ele não é exprimido de forma explícita, como o hebraico), que permite conectar os elementos do mundo de forma sensata, julgando sua identidade ou sua contradição, a verdade ou a falsidade.
E se é lícita uma conclusão filosófica (que talvez não desagradará de todo ao linguista), podemos dizer que a capacidade que os sujeitos humanos têm de se dar conta daquilo que “é” é uma disposição formal, uma espécie de matriz natural (neurobiológica) que estrutura cada um de nossos discursos e nos permite estar conscientemente no mundo. A nossa linguagem não é uma mera interpretação subjetiva ou uma convenção sociocultural, mas constitui-se em uma verdadeira e própria ordem do ser; e o ser das coisas é aquilo pelo que e em vista do que está estruturada a nossa mente. E, nesse ponto, verdadeiramente, não apenas o maravilhamento é causa do conhecimento, mas é o conhecimento a verdadeira causa do maravilhamento.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 04 de agosto de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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