terça-feira, 5 de maio de 2009

Cartas do P.e Aldo 44



Asunción, 01 de maio de 2009.

Caríssimos amigos,
Os sinais inconfundíveis do Mistério coincidem com a realidade e graças a esta Presença a vida é sempre bela, porque colocada diante da verdade.
Uma posição dramática que transforma a liberdade em grito.
1. Nesta manhã, enquanto estava com os doentes, cheguei exatamente no momento em que Nicolas, um adulto, mendigo, sozinho no mundo, estava morrendo. A bela enfermeira segura sua mão. Que bela posição aquela! Segurar a mão com amor é o carinho de Deus, do Mistério. Recito uma oração – a morte que chega transforma tudo em súplica –, dou-lhe a benção Papal (que graça recebê-la!), enquanto a sua respiração se faz sempre mais trabalhosa e distanciada no tempo. Olho para ele: é mesmo bela a forma como está morrendo. O câncer o consumiu.
Olho para ele – somos em três a olhá-lo, a rezar, a fazer-lhe carinhos. Está sereno, inconsciente, mas já vê Deus. E os seus olhos escancarados nos dizem isso. Alguns minutos e já está com Jesus. A morte fez o seu trabalho, mas foi vencida. Agora, Nicolas está lá em cima.
2. Eu estava na fazenda na última segunda-feira, onde temos doentes de AIDS “recuperados”. A cozinheira me disse: “Padre, lá no mato tem uma cabana e uma mulher que há nove meses grita noite e dia. Está paralizada. Ninguém cuida dela, é um mar de porcaria.
Vou até lá, a vejo, me apresento, e ela só fala guarani.
A cozinheira me traduz. Digo-lhe que sou o Pa’í, o pai. Ela me olha e se acalma. Eu a olho com ternura. É, ainda uma vez mais, o sinal evidente do Mistério que me conduziu até ali. A sua cabeça não funciona, cospe para todos os lados. O estômago me revira por dentro e eu ficaria paralizado não fosse a certeza, mais certa que a minha respiração, de que ela é um sinal inconfundível do Mistério, é a ternura de Deus para mim, não seria capaz de beijá-la. Mas, sobretudo, não seria capaz de decidir: “levo-a para a minha casa”. Assim, no dia seguinte, mandei duas pessoas irem buscá-la – a responsável pela Casinha dos Idosos que vivem nas ruas e um motorista. Nos 40 km de distância entre o lugar onde estava e a Casinha, ela gritava e cospia. Deixo a vocês imaginarem como estava a responsável... e, no entanto, quando finalmente chegou, coberta pelos cuspes daquele sinal inconfundível do Mistério, me disse: “estou contente, não tive nojo em nenhum momento”. Agora, a pobrezinha está aqui conosco, num belo leito branco, toda limpinha. Cospe ainda, mas o que importa: o amor – eu a olho como o sinal da Presença de Cristo – a educará e não cospirá mais. A educação é possível em qualquer idade, desde que os meus olhos brilhem pela Sua Presença.
3. Diego Perez (olhem as fotos) é um indiozinho recolhido praticamente na rua pela nossa responsável da Casinha de Belém, que acolhe crianças com AIDS, abandonados, violentados etc.
Diego estava abandonado. Comia mato e bebia água. Olhem como estava a sua barriga quando chegou. Estava cheio de vermes, estava inchado e cheio de fome. Olhem para ele nos braços de Cristina, a mãe das minhas criancinhas. Mesmo ele é um sinal claríssimo da Presença do Mistério. Quanta ternura me provoca esta pequena chama do divino que brilha entre os escombros de tanta dor.
Mesmo para ele é comovente a postura do Mistério: “poderá uma mãe abandonar Seu filho? Porém, Eu não te abandonarei nunca”; “antes de te formar no seio de tua mãe Eu pronunciei o teu nome”; “mesmo os cabelos de sua cabeça estão contados”; “eu sou Tu que me fazes”. Amigos, é esta granítica certeza que me dá a garantia de um futuro bom para cada uma dessas crianças. São filhos do dom que Deus me dá, da esperança, da certeza mais certa que a minha existência – “eu sou Tu que me fazes”. Assim é cada um dos que Deus coloca nas calçadas da ida. Mas, se não fosse assim... a vida seria apenas uma enganação. Mas, não é assim... absolutamente não é assim, porque a minha humanidade joga isso na minha cara em todos os instantes. E quando o humano é assim vibrante, não tem nem mesmo uma vírgula do humano que seja estranha. Eu sou Tu que me fazes. Entendem o que significa? Tudo, tudo é positivo.
4. Um outro imprevisto... porque a categoria do Mistério, da realidade, é o imprevisto. São 09h da noite e me telefonam: “Padre Aldo, na beira de uma estrada tem um velho abandonado e doente, não tem ninguém para cuidar dele”. Eu estava fazendo Escola de Comunidade: “a diferença entre sonho e ideal”. Meu rosto se ilumina. É a evidência do parágrafo que estávamos lendo: a clareza da diferença entre sonho e ideal.
Aviso ao motorista, à mamãe Cristina – a responsável das Casinhas de Belém – e, uma hora depois, “o ideal” já estava limpo, lavado, alimentado e colocado para dormir num belíssimo leito, em uma casa onde acolhemos os velhinhos abandonados e sozinhos. Está feliz. Esta felicidade é o sinal da diferença entre sonho e ideal. Vou para a cama cansado, mas contente, porque Jesus mesmo me explicou a Escola de Comunidade, através de um fato.
De fato, se não existe o humano, o Acontecimento não entra, não cria raízes… mas, quando cria raízes, então, a humanidade vibra, e faz tremer o mundo como um vulcão vivo.
Amigos, é mesmo belo, belíssimo, o que o Carrón nos disse nos Exercícios (o pouco que escutei de Marcos e Cleuza que, amanhã, na companhia de Julián de la Morena, Bracco e outros 13 amigos, virão me encontrar... e ficaremos juntos até terça-feira).
Meu Deus, que amizade é essa? Que ternura é essa que nasce quando levamos a sério a nossa humanidade, seguindo com a inteligência do coração a Carrón, que, quando fala, vai direto ao coração, provocando um movimento do humano que nos faz gritar: “Ó, meu Cristo, se eu não fosse Teu, eu seria uma criatura finita”.
Um abraço e rezem por mim à Nossa Senhora, neste mês de maio.
P.e Aldo

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