"Queremos ver agora, num detalhe breve, (...) quais seriam as características do homem destes tempos novos, da existência humana ('Fac ut ardeat cor meum in amando Christum Deum ut sibi complaceam') em uma época tornada nova pela presença do Verbo feito carne ('Ave, verum Corpus natum de Maria virgine') e no qual todo o mundo, mesmo não sabendo disso, grita louvores a Deus ('Laudate Dominum omnes gentes'). Sublinho estes pontos como programa para a Quaresma. Sejam essas sementes novamente lançadas nos terrenos da nossa consciência para vencer a sua aridez, para vencer a sugestão, o ceder à sugestão das fantasias do mal, de uma negação do bem.
Primeiro. Um sentimento absolutamente novo e fascinante de si mesmo. Pelo qual não posso nem mesmo ser parado por todo o mal que eu fiz, por todo o mal que eu fiz hoje e que faço; não posso me escandalizar com nada daquilo que fui: tudo o que eu fiz, mesmo o que fiz há um instante atrás, 'nunca existiu'. É preciso a onipotência do Mistério para retirar do nada a realidade, a criatura; e seria necessário a força do Mistério, a força infinita e onipotente do Mistério, para tornar nada algo que existe. Isto acontece para os pecados, isto acontece também para os meus pecados: 'Tudo isso nunca existiu!'.
Segundo. Isto nos faz entender melhor uma frase do poeta inglês Shelley (...): 'Olhamos para o antes e o depois, e nos consumimos pelo que não existe'. Consumimo-nos porque o presente não tem densidade, olhamos para o antes e o depois. Como se estivéssemos diante de uma tentação: pegar, agarrar ou não agarrar? Pegar como quero esta pessoa ou não pegar como quero? É um futuro, é um amanhã, é um depois, é daqui a um minuto, é daqui a um segundo. Quando a pega, se cede, fica insatisfeito; tanto é verdade que aperta os dentes, agarra impotente algo que foge entre seus dedos finos, morde algo que foge dos seus dentes (...). Existe apenas o Tu. Aquilo que existe é apenas o Tu, o Tu do Ser, de quem aquela pessoa é a expressão. E o sacrilégio que eu cometo ao morder com meus dentes, ao agarrar com as minhas mãos, mesmo que seja com as mãos da fantasia, este sacrilégio que eu cometo demonstra que aquilo que eu esperei do 'depois' não está mais no presente, já não está no presente.
Terceiro. Na Carta a Diogneto, (...) o autor cristão escreve: 'Têm entre si um respeito inconcebível aos outros'. Têm entre si, os cristãos, um respeito inconcebível para os outros. 'Respeito' deriva do latino respicio, que quer dizer olhar algo tendo presente nele, com o rabo do olho, uma outra coisa: é uma outra coisa que se vê com o rabo do olho, que domina o centro da observação. Respicio, respeito: olhar uma pessoa, uma coisa, tendo presente nela uma outra que, do horizonte, domina, como o sol. O sol está, como sempre, no rabo do olho e foca o nosso olho sobre tudo.
Portanto, estas três coisas: uma autoconsciência nova - meu não é o que eu detenho, mas aquilo a que eu pertenço; a insatisfação inexorável do instante no qual agarra, ao qual se agarra; 'uma capacidade de respeito desconhecida para os outros', um respeito pela pessoa, um respeito pelo outro, dominado por uma outra figura. Você está no centro do meu olho e do meu coração, mas no horizonte último, mantida presente com o rabo do olho, uma outra figura ilumina você, uma outra figura dá vida a você, lhe dá carne, lhe dá osso, lhe dá existência: você é minha porque é de um Outro, e porque eu sou de um Outro. Assim, de fato, eu sou de um Outro: aceitando que você seja de um Outro. Reconhecendo que você é de um Outro, eu sou de um Outro.
(GIUSSANI, Luigi. Il tempo e il tempio. Dio e l'uomo, 1995, pp. 87-91)
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