sexta-feira, 12 de março de 2010

40 dias com Giussani

"A consistência existencial, que é exatamente um dom do Verbo criador, é sentida pelo homem de modo enganador. Ele a interpreta, de fato, como uma consistência autônoma, quase um limite e, portanto, uma contestação da senhoria e da posse invasora e total de Deus. Mas Deus permite o pecado. O mal, isto é, a incapacidade de ser verdadeiro, de ser integralmente si mesmo, se torna experiência para o homem. O pecado se torna, assim, a verificação inequívoca, menos evitável no seu significado, da última inconsistência humana. (...)
Na forma crua da sua natureza original - fome e sede de infinito, de realização de si -, esta humilhante impossibilidade do próprio caminho dispõe o homem à espera de algo que lhe permita superar o desconcerto de si: empurra o homem à busca daquilo que o pode curar da sua doença mortal. O senso do pecado é, assim, pedagogia para a espera de Cristo, constrói no homem uma distante percepção da suprema conveniência ao próprio ser da oferta de uma ajuda, o dispõe a uma novidade a que aspira, é como se tornasse, para ele, a priori, inconscientemente aceitável e familiar a iniciativa de Deus. Cristo chega como um amigo esperado.
Mas (...), eu acredito que o senso positivo do pecado na história da salvação consista nisso: que, de fato, o Verbo de Deus se tornou carne para nos redimir disso. O paradoxo de Santo Agostinho é de uma evidência inegável: 'O felix culpa'. (...)
A palavra perdão foi esvaziada de significado na linguagem comum, se tornou, portanto, índice de uma fraqueza, porque, para a sociedade de hoje, o valor do humano, a sua dignidade não estão na virtude de canalizar todas as próprias energias ao fim, e por isso na capacidade de compreender em um significado, em um desígnio, a totalidade dos fatores em jogo, mas está na afirmação de si identificada no sentimento que mais predomina no instante, por isso na parcialidade violentamente afirmada; sofre uma reação (opinião, interesse, instinto), não constrói o ideal.
O perdão cristão é imitação da luminosa e calma potência com a qual o Pai reconstrói o destino das suas criaturas ajudando e surpreendendo nelas o permanente e essencial desejo de bem, de que são constituídas, e que atravessa todos os desastres da histeria da autoafirmação presunçosa e impaciente. Assim, o perdão é uma onipotência que reedifica sobre a última consistência residual da liberdade: 'Perdoai-lhes Pai, porque não sabem o que fazem', diria Jesus na Cruz.
Se um inimigo que me odeia, na hora em que está para me atingir com sua arma, se desse conta do que quer dizer 'Te perdoo', se fosse inteligente, explodiria de raiva, porque, enquanto me atinge, não pode impedir que eu o abrace, e a sua inimizade exalta, paradoxalmente, a dependência do seu ser ideal à afirmação da minha personalidade consciente do último sentido de cada coisa."
(GIUSSANI, Luigi. Alla ricerca del volto umano. 1995, pp. 224-225)

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