quinta-feira, 17 de março de 2011

O “desafio” de entender o que quer dizer se tornar adulto


Por Ilenia Provenzi

Chega um momento na vida, em que – querendo ou não – nos colocamos a fatídica pergunta: o que me tornei? O que aconteceu com os sonhos que eu tinha quando era criança? Yann Samuell, diretor de L’âge de raison (A idade da razão; ndt), tenta responder a esta pergunta com uma comédia nada banal, que compara uma mulher entrada nos quarenta anos (Sophie Marceau) com sua própria infância, revivida através das cartas escritas aos sete anos e dirigidas a si mesma.
Marguerite é uma empresária ocupada, amada e temida, que tem tudo (sucesso, dinheiro, uma bela casa) e nem mesmo é solteira, visto que vive com um colega que adora crianças. Inspira-se nas grandes mulheres do século XX quando precisa enfrentar uma rival que é uma cobra, o assistente ansioso e os imprevistos da vida, e quer que todos a chamem Margaret para parecer melhor em meio ao complicado mundo dos negócios.
No seu aniversário de quarenta anos, porém, recebe uma surpresa inesperada e não muito agradável: um velho notário do interior lhe entrega um pacote cheio de cartas escritas por ela mesma aos sete anos, “a idade da razão”, e endereçadas à mulher adulta na qual teria se tornado. Começa, assim, uma viagem de volta ao mundo de Marguerite, feito de abandonos, desilusões, dores, mas também de um grande amor e, sobretudo, de grandes sonhos, que naturalmente não se realizaram do modo previsto.
A mulher oscila entre o desejo de deixar a infância trancada numa caixinha e não voltar mais para trás, como sempre prometeu a si mesma, e a curiosidade de redescobrir aquela criança capaz de escrever palavras de uma honestidade desconcertante. No fim, ela vence, a Marguerite de sete anos, e a empresária que tinha tudo encontra a única coisa que lhe faltava e que ela pensava poder fazer pouco caso: o seu passado.
Não obstante a estrutura clássica e o mecanismo já conhecido da criança “mais adulta que o adulto”, a história não é assim tão óbvia. Por exemplo, não encontramos a reviravolta que já se tornou habitual nas comédias americanas: a empresária que renuncia ao sucesso para se mudar para o campo e que abandona o noivo rico para se meter outra vez com o amor de infância pobretão. As escolhas de Margaret não são banais e levam a refletir sobre o que, como adultos, nos separa dos sonhos cultivados quando éramos crianças, sobre seu verdadeiro significado, para além das aparências.
“Quero me tornar uma princesa”, escrevia quando era pequena. Desejo absurdo e impossível? No sentido literal, talvez, mas não nas suas implicações psicológicas. Existem muitos modos através dos quais uma mulher pode se sentir uma princesa, mesmo que não chegue a um trono. A viagem de Margaret faz com que ela se confronte com o sutil relacionamento entre imaginação e realidade, entre a percepção do mundo que se tem quando se é criança, sem o filtro da desilusão e do pessimismo e, sobretudo, sem o peso das recordações, e quando se é adulto, quando o medo condiciona as escolhas e a personalidade.
“Torna-te aquilo que és”, lhe repete o mentor/notário sábio, citando um dos princípios do existencialismo americano. Escolher um caminho entre os mil que, antes, pareciam possíveis, não significa, necessariamente, excluir os outros: um princípio que os adultos tendem a esquecer com grande facilidade. Ao lado de seus méritos, o filme, porém, mantém os defeitos das comédias que querem, a todo custo, inserir elementos românticos numa história que, pelo contrário, se manteria de pé mesmo (e melhor) sem eles. Assim, se torna inevitável algumas escorregadas no estereótipo e na retórica fácil, que torna o filme, às vezes, um pouco adocicado demais.
Muito encantadora é a presença das fascinantes cartas que se escreviam antes, com colagens meio dadaístas; esse aspecto consegue conquistar os nostálgicos dos velhos hábitos anteriores à internet, mas também das velhas comédias leves e cheias de bons sentimentos. Por causa dessas inserções, o diretor parece tomar emprestado alguns toques de O fabuloso destino de Amélie Poulain, sem porém conseguir igualar a sua genialidade.

* Extraído de IlSussidiario.net, do dia 17 de março de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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