Asunción, 06 de agosto de 2009.
Caros amigos,
hoje foi um dia difícil, no qual, de forma muito potente, me passaram pela cabeça e pelo coração as palavras de Carrón, nos Exercícios: “Cada circunstância é positiva”, “Cristo está presente, mas falta-nos o humano” e “eu sou Tu que me fazes” e “mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados”.
1. Sepultei Patrícia, de 20 anos, no meu cemitério. Como sempre, além dos coveiros, estavam Irmã Sônia – o anjo da clínica –, a sacristã Alba e Laura, uma psicóloga de Milão... além do motorista da ambulância, Matias. Que dor colocá-la debaixo da terra, na espera da Ressurreição. Mas, também na certeza de que ela, a mulher de rua, agora está lá em cima olhando para mim. Um funeral, como sempre quando morre um dos meus filhos, essencial, mesmo no número de pessoas que me acompanham. E mesmo assim uma coisa humana, bela, porque é o paizinho que acompanha os próprios filhos no lugar onde os surpreenderá a Ressurreição.
2. Enquanto volto para casa do cemitério, me ligam da clínica: Paulo, o rapaz de 21 anos com aquele tumor de 6kg nas costas, morreu. Que golpe! Um outro filho jovem! Só me resta pedir, suplicar: “eu sou Tu que me fazes”. Existe Cristo porque a minha humanidade ferve de desejo pela vida. Corro para a clínica: ele está ali na sua cela... está ainda quente. Beijo-o. Agradeço a ele: nunca eu o ouvi se lamentando, em todos esses meses. Conviveu com uma parte de si já apodrecida. Carrego um pequeno remorso: não lhe trouxe o sorvete que havia prometido. O meu Paulo queria sempre tomar sorvete. Desta vez, será Jesus que lhe vai dar. Dois filhos mortos... no mesmo dia. Revivo quase a cada dia a cena de Marta com Jesus, quando este lhe pregunta: “Tu crês isto?”. E eu: “Senhor, eu creio”. Tudo depende da minha resposta que é somente minha, como a dor.
3. Maria, minha pequena filha de 13 anos, viveu dois momentos difíceis: o exame de AIDS e a visita ginecológica para saber se está grávida. O que ela contou das violências sexuais sofridas é indescritível. Faz-me muito mal. Como é possível que alguém se torne pior do que uma besta? Mas é inútil nos escandalizarmos. “Se eu não fosse Teu, ó meu Cristo, seria uma criatura finita” e pior do que aqueles que abusaram dela com o beneplácito da mãe biológica. Olho para Maria e penso nos seus sofrimentos. Ela é um anjo de dor, eles são anjos de dor... se eu não tivesse encontrado Jesus, ou se Jesus não tivesse me encontrado e não tivesse movido a minha liberdade. Abraço Maria e ela se perde entre meus braços com a ternura de uma filha. Ela, como todos os meus 24 filhos, é fruto de violências terríveis. Eles estão todos aqui por ordem judicial e eu sou o tutor deles. Vão de dois meses de idade a 13 anos. Um dia, me perguntaram: “por que estes teus filhos são assim felizes, quando têm nas costas cenas de terror, violências sexuais etc.?”. A resposta é simples, e é Carrón que me ensina todos os dias: os meus filhos estão dentro do relacionamento que, instante depois de instante, me define – “eu sou Tu que me fazes” –, de forma que gozam do reflexo da minha febre de vida. A educação acontece apenas num relacionamento. Então, o relacionamento com eles é o acontecer do fato de que “eu sou Tu que me fazes” agora... e então, na paciência, reflorescem ou são condenados ao determinismo do passado. O problema sou eu e quem vive comigo esta aventura. O coração que carrego, que carregamos, tem a certeza, a experiência de que eu sou feito agrao, de que eu estou dentro de um relacionamento original, que vem antes de mim. É esta posição a origem da felicidade dos meus filhos. Eles são a reverberação, agora, do “eu sou Tu que me fazes”, do “os meus cabelos estão contados”. Maria, quando eu abraço, é vencida pela minha certeza, pela minha experiência humana do Mistério, de forma que as violências sofridas permanecem, mas não como fatores determinantes nela. Determinante é o meu relacionamento humano, cheio desta certeza que a faz respirar entre os meus braços e em cada instante do dia. Como eu gostaria que vocês entendessem isso... mas é o que eu vivo – o segredo da educação –, é o meu relacionamento definido por esta amizade original com o Mistério! A cada manhã eu vou pegá-los e os levo para a escola. Beijo-os um por um, depois enfrento a disputa deles para pegarem a minha mão. Têm necessidade de me tocar, porque se dão conta de que as minhas mãos são definidas por esta grande Presença. É um tocar-me que os deixa livres, ou seja, que indica para eles a realidade. Olho para os meus bebês e penso nas centenas de famílias jovens, fastidiosas no seu relacionamento com os filhos pequenos e mesmo os já grandinhos, onde se vê que o relacionamento é cheio de posse, onde os filhos são uma compensação afetiva, um entulho para preencher as frustrações, e o relacionamento é assim quando não vivemos aquilo que Carrón nos disse. Enfim, desde que comecei a cuidar desses 24 filhos, há um ano e meio atrás, eu toco com a mão o fato de que não existe nenhuma violência que, no tempo, possa impedir a liberdade de crescer. Mas, tudo se joga num relacionamento vibrante, para mim... tudo se joga no fato de que “eu, agora, sou querido”, “sou feito” e de que o passado foi assumido e redimido por esta certeza mais verdadeira do que o fato de que eu exista. É mesmo bonito ver os meus filhos felizes. Mas felizes mesmo, apaixonados e com uma ternura enorma pela vida. E tudo isso vivido dentro de um relacionamento carregado de Infinito, dentro de uma humanidade na qual Cristo é evidente. Por exemplo, o pequeno Marcos, de quatro anos, chegou sexta-feira passada. Quando nasceu, sua mãe tinha 13 anos de idade. Ela o deixou comigo e foi embora. Domingo, pela manhã, ele veio à Missa com os outros 23. Assim que entrou na Igreja e me viu no altar, gritou, para o desconcerto de todos: “Papai! Papai! Aquele ali é o meu papai!”. Fico comovido e entendo ainda mais que, naquele grito, está presente todo o Marcos, o Marcos de hoje e o de amanhã. E, desde aquele dia, ele, mesmo ele, é um menino que sorri e pinta o sete com todo mundo.
Ciao
Padre Aldo
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