quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Cartas do P.e Aldo 97


Asunción, 05 de agosto de 2009.

Caros amigos,
Lembrem-se, agora que estão de férias, de rezar por nós. Hoje, foi um dia difícil, no qual a provocação de Carrón, nos Exercícios (da Fraternidade 2009; ndt), sobre a positividade das circunstâncias, foi vivida intensamente por mim.
1. Estando sozinho aqui, faço as refeições junto com meus filhos. À minha direita está sempre a Rosa, uma garota de 17 anos, com metástase geral, uma perna amputada e a outra com uma massa tumoral enorme pouco acima do joelho. Ela é surda. O amor a torna feliz e se vê isso na forma como é orgulhosa da sua feminilidade, sempre bem cuidada. Num certo momento do almoço, ela parou de comer e começou a chorar em silêncio. De repente, o câncer se fez sentir e a dor era intensa. Rapidamente liguei para a clínica, pedindo para interná-la. Com a cadeira de rodas, a levamos para a clínica, onde agora divide o quarto com a bela Glória, de 27 anos. Sofre, chora, mas não deixa escapar nem um lamento sequer. Reza e me escreveu estas palavras: “Eu agradeço muito a Deus por me ter dado esta vida assim bela que tenho, e também todas as pessoas que me ajudaram nesta minha situação. Obrigada, meu Deus por tudo”. Que fé! Nem mesmo a dor consegue dobrá-la; pelo contrário, ela vive a dor como oferta... algo que só é possível porque ela foi tomada pela mão pelo amor que a rodeia. Os meus filhos e seus irmãozinhos a visitam todo dia.
2. A morte de Patrícia: 20 anos. Ela conheceu só a rua. Doente de AIDS, foi encontrada nua na margem da estrada. Recolhida, foi levada para um centro de saúde. Fizeram o teste e descobriram que tinha AIDS. Colocaram uma fralda nela, cobriram-na com um lençol e a levaram para um hospital tropical, abandonando-a ali. Ninguém cuidava dela. Tratavam-na com desprezo: para todos, era uma prostituta, não uma mulher. Comia papelão e, algumas vezes, até mesmo pedrinhas. Chegou, então, até nós. Nos primeiros dias, sonhava em voltar para a rua: “Ali, me dão um pouco de amor (prostituir-se) e um pouco de dinheiro”. Porém, devagar, rodeada de amor, voltou a sorrir. Com problemas psiquiátricos, se definia como uma formiguinha. Todos os sábados, junto com outros pacientes terminais, ia à pizzaria e comia com gosto. Éramos uma família. Tudo ia bem... mas, hoje de manhã, por volta das 4h, morreu de repente. Toda a clínica se aproximou de seu quarto, chorando, em volta do seu cadáver... e amanhã a levarei para onde estão os meus filhos mortos de AIDS e aqueles de rua, onde, um dia, também eu quero ser sepultado.
3. Porém, o caso mais doloroso de hoje é o da minha filha de 13 anos, que me foi trazida pela polícia. Foi violentada várias vezes: pelo companheiro de sua “mãe”, pelo seu “irmão” e também pelos soldados. Amanhã, terá a visita ginecológica para verificar se está grávida, já que está há mais de um mês sem menstruação... e, além do mais, tem a suspeita de ter pegado AIDS. Pobre dessa minha filha. Estou com o coração em pedaços. E me pergunto: o quer quer dizer que mesmo a sua situação possa ser positiva, que as circunstâncias nas quais vive são positivas? A resposta é apenas uma: o amor de Cristina e o meu, que lhe deram o sorriso outra vez, que lhe deram a alegria e será esta certeza afetiva que a recuperará no meio de tudo o que pode acontecer daqui para frente. Peço-lhes, caros amigos, que rezem muito a Nossa Senhora por esta minha filha predileta. Se Cristo não fosse a minha vida, eu não resistiria por muito tempo nem mesmo fisicamente. Experimento uma dor imensa, e somente a certeza de que Jesus venceu o mal me enche de paz e de conforto.
P.e Aldo

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