domingo, 29 de março de 2009

Cartas do P.e Aldo 07

Asunción, 09 de fevereiro de 2009.

Caros amigos,
Hoje, pela manhã:
Olhando os meus amigos que estão engarrafando a nova água mineral “San Rafael”, me lembrei de Giussani que, diante de cada iniciativa, exclamava: “que belo!”. O contrário do que nós dizemos: “mas... conseguirei? Vale a pena?...”. Ele reaia sempre com maravilha, com comoção. E somente num segundo momento, nos olhando em ação, corrigia. Por isso, fascinava imediatamente.

18h:
Estou aqui, em adoração, ao lado do pequeno Victor, que, hoje, não bastasse tudo aquilo que já tem, está atormentado por uma pneumonia. Não pode tossir, disseram-me os médicos, e isso é um problema para o catarro, mas os médicos, com o coração de carne e a razão humildemente dobrada diante do Mistério, o estão ajudando bem. Ele gem. Olho para ele: é quase pior do que Jesus na cruz, porque pelo menos Jesus estava inteiro, mas Victor... E resiste, apertando sempre os pequenos punhos.
Outro dia, celebrava a Missa no seu quarto. A primeira leitura dizia: “Deus castiga o seus filhos prediletos”, “corrige aqueles que ama” (carta aos Hebreus). Eu olhava para o meu Victor. Era difícil entender aquele versículo... mas, em seguida, eu vi o crucifixo e o meu coração, o meu rosto, se iluminaram. Victor, Eluana, Celeste, Cristina, Aldo, são os prediletos de Deus e, por isso, os associou, os tornou participantes da condição de Seu Filho na cruz. Que privilégio, meus amigos! Celebrei a Missa com uma comoção única: Eucaristia e Victor, Cristina, Aldo eram a mesma coisa e eu, o padre que oferecia no altar esta única hóstia branca, em remissão pelos nossos pecados.
Por isso, aqui, na clínica, se vive, se caminha, se trabalha com o coração e a mente de joelhos.
Por isso, quem passar por aqui sai mudado, se tem o coração simples dos meus médicos, enfermeiros e pessoal da limpeza. A razão é humilde quando vive de joelhos diante do Mistério.
O Mistério nos surpreende através da realidade. O imprevisto é, acredito, uma das mais belas e fascinantes características do Mistério.
N. N. foi encontrada nua, na estrada, há 400 km daqui. Um rápido teste médico: AIDS. Levada comigo, em como, para Asunción, foi deixada, durante a noite, diante da porta do hospital de medicina tropical. Colocaram-lhe uma fralda. Quando os médicos se deram conta disso, a internaram. Deve ter 19 anos de idade, e eu a chamo Patrícia. Está também morta de fome. Come os papelões que encontra. É abandonada. Trouxeram-na para cá. Coloco-me de joelhos diante dela e a beijo com ternura. As lágrimas molham o meu rosto. Cristina, a santa doutora infectóloga do meu hospital, formada em Cuba, mas com uma fé grande e bonita como o sol, me conta, em detalhes, a situação de Patrícia. Fico com o coração partido. A única coisa que consigo fazer é adorar a sua pessoa, aquele corpo desfigurado, abusado, violentado... e mesmo assim templo do Espírito Santo. Olho para ela coberta pelo lençol branco. É muito bela e perfumada... beijo-a. É exatamente igual a Jesus, é a Madalena que me veio encontrar.
Assim, depois que celebramos a crisma de Jéssica – agora, Rubens – que reencontrou a sua identidade masculina, fizemos festa também para Patrícia. Que belos são estes meus filhinhos! Todos, há um tempo, transsexuais ou travestis e, hoje, aqui comigo, seu padrinho, fazendo festa. Mas que grande cenário é esta clínica, onde, a cada minuto, se vive a parábola do Filho Pródigo, onde, a cada domingo, fazemos festa porque um filho voltou para o pai. Agora, mesmo Patrícia, de quem não sabemos nada sobre suas origens – nada de nada do seu passado –, faz parte desta história de salvação.
Amigos, o homem é um mistério, assim como é quando o encontre... e eu vivo apenas para adorá-lo.
Rezem por Patrícia e por André, o rapaz de apenas 22 anos, todo deformado e que pesa 18 kg, que está, nesse momento, em estado muito grave. Estamos acompanhando seu retorno para casa, lá onde está Jesus, esperando a todos nós. É mesmo belo viver com esta certeza!
Hoje, nós rezamos – nós, os pacientes terminais – por Eluana, para que possa viver.
Com afeto
P.e Aldo e amigos

Nenhum comentário: