sexta-feira, 27 de março de 2009

Cartas do P.e Aldo 06

Asunción, 10 de fevereiro de 2009.

Caros amigos,
Matamos Eluana e, agora, neste exato momento, morreu o pequeno André. Tinha 22 anos, pesava 18kg. Santo Hermano, o Coxo (o monge cirteciense Hermann der Lahme, nascido em 1013, na cidade de Altshausen, e falecido no ano de 1054, no mosteiro alemão de Reichenau, foi o compositor do Salve Regina; ndt), era saudável e “perfeito” se comparado com o meu filho. Além do mais, vivia como em estado vegetativo, se alimentando através de uma sonda. Morreu quando matamos Eluana.
Estou aqui, ao lado do seu cadáver. Será um problema colocá-lo em um caixão por causa do seu corpo todo deformado. Eu olho para ele... mas, hoje, os meus olhos e o meu coração estão sendo duramente provados, como o são todos os dias, quando vejo morrer todos os meus filhos que chegam aqui. Mais de 600 em quatro anos e meio. Só quem já perdeu um filho pode me entender. Ou melhor, só quem perdeu um filho, tendo o coração apaixonado por Cristo. É uma dor como a de Nossa Senhora aos pés da cruz, mas cheio de paz. Sinto o coração dobrado até mesmo fisicamente e, ao mesmo tempo, vejo as portas do Paraíso abertas. André morreu cercado por nós, que estávamos de joelhos ao seu lado, celebrando a Missa. A sua longa e dolorosa agonia... Os seus gemidos me sufocavam as palavras na garganta, durante a Missa. Ver, pela seiscentésima vez, um filho morrer... É sempre uma dor nova e profunda. É sempre reviver o Mistério da morte e da ressurreição de Cristo.
Muitos me perguntam: “mas, como você consegue resistir?”. O que responderia um pai apaixonado por Cristo? Eis aí o coração de tudo... É vivendo a realidade, a dor da realidade, a partir de um abraço como aquele de Giussani por mim, que transformamos a dor em uma porta que introduz mais à realidade, de forma a descobrir a beleza do Mistério que, mediante a morte, nos leva consigo para poder vê-Lo “face a face”.
O corpinho frio de André está aqui, ao meu lado. Caberia dentro de um saquinho. Mas, ele, André, é o meu Jesus nos braços de Nossa Senhora, aos pés da cruz. Que belo é este seu corpo, que tanto adorei na companhia dos meus amigos médicos e de todo o pessoal. Como gostaria que Eluana, neste momento, nos dissesse: “tenham a coragem de olhar na cara a realidade... retomem o 'Capítulo X' d’O Senso Religioso... é o único caminho para que não continuemos matando a realidade, o coração de cada pessoa”. Os meus filhos que morrem, as minhas crianças completamente mudas pela doença, todos com a sonda para se alimentar... são todas pequenas Eluanas... e me remetem ao Mistério feito carne neles. Eles são Jesus na cruz.
Mas, vocês entendem o que quer dizer, para mim, e por que escrevo para vocês desta maneira?... dessa maneira que pode cansar a quem não é uma pai, a quem nunca perdeu um filho... a quem é burguês. É possível estar diante da morte de Eluana da mesma maneira como estamos, normalmente, diante da realidade: distraídos.
A Virgindade é uma plenitude de paternidade e de maternidade, com uma ferida que se fechará apenas quando me encontrar definitivamente com Cristo. A Virgindade exige as feridas do coração e somente assim se torna a forma mais alta de dor, de amor e de alegria, de paternidade. Que Eluana nos perdoe o pouco amor à realidade, o pouco sentido do Mistério que vivemos... e que André nos conceda a graça de morrer como ele: na companhia de Jesus, Maria e José. A companhia de quem nos quer bem.
Confio sua alma às orações de vocês. Amanhã, o levarei comigo para o cemitério. Vem-me à mente aquela mulher de “Os Noivos” (romance de Alessandro Manzoni; ndt), que saia de casa com o pequeno corpo de seu filho morto pela peste, nos braços... É como o meu André, pequeno como ele, enterrado entre os meus outros filhos mortos, na companhia desse pobre pecador e dos meus amigos. Gostaria tanto que fosse sempre a maravilha a nos mover, porque só assim descobriremos que a realidade é Providencial... única possibilidade de entender como Eluana e André podem se tornar caminho para o reconhecimento do Mistério.
Termino esta carta e já é manhã. Dormi pouco e nem mesmo o sonífero serviu para me fazer dormir. Ou melhor, serviu para que a primeira coisa que eu fizesse esta manhã tenha sido confessar-me... porque, sendo o corpo místico de Cristo, todos somos responsáveis pelo que aconteceu a Eluana. “Deem-me quatro pessoas apaixonadas por Cristo e colocarei fogo na Itália”, dizia Santa Catarina de Sena. Deus queira que estejamos entre estes quatro.
Com afeto
P.e Aldo

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