Asunción, 06 de abril de 2009.
Caros amigos,
Estou aqui fazendo Escola de Comunidade com os meus três filhos: Cristina, de dois anos, doente com hidrocefalia, cega e com baixa audição, dorme e de vez em quando geme; Victor em condição igual a de Jesus na Cruz, geme constantemente, apertando com força os pequenos punhos (como sofre!); e o meu filho adotivo (Aldo; ndt), uma grande cabeça e quase corpo nenhum, que dorme rangendo os dentes. É a Vigília do Domingo de Ramos. Estou lendo aquele ponto da Escola de Comunidade onde Giussani diz (traduzo do espanhol como posso): “porque, minha amiga, lhe interessa o que acontece esta noite, esta noite passa e chega o dia de amanhã à noite... a maior parte das pessoas não chega aos 88 anos. MAS, DEPOIS, CHEGA A GRANDE GRAÇA DA GLÓRIA DE DEUS, A GRANDE GRAÇA FINAL”. Estas palavras me comovem. No fundo, estou aqui, com minhas crianças e meus doentes, esperando e vivendo já “a grande graça da glória da Deus, a grande graça final”. E como acontece tudo isso? Mediante a dor deste momento e depois da morte.
Hoje uma das minhas filhas morreu, outros estão perto. Não sei como dizer, mas estas palavras de Dom Gius tornam este lugar concreto, para mim, um lugar de esperança. “É preciso uma grande graça para esperar, ter recebido uma grande graça”, nos lembra Giussani, citando Péguy. Eis o que eu recebi: esta grande graça e, por isso, enquanto vejo os meus amigos sofrerem, sofro; enquanto vejo os meus moribundos prontos para partirem, meu coração aperta, mas estou feliz, verdadeiramente feliz.
O meu Victor está gemendo, é uma ferida só, parece um pouco como o Jesus de Mel Gibson (que nos mostra Jesus na sua dor mais aguda), e sofro, porém vocês imaginam a letícia que carrego no coração?! Porque onde há esperança, a dor e a letícia estão sempre juntas. Sinto-me ele, como ele. Sei que estamos prontos para quando chegar a grande graça da glória de Deus, a grande graça final. O que é a grande graça da glória de Deus? A segurança que o agora – a segurança certa e firme –, mediante a qual a realidade nos faz viver em cada instante – nós, os pobres doentes –, é para que Ele seja conhecido. E o milagre desta certeza é que todos os que vêm aqui mudam. O milagre é que a consciência de ser o corpo místico de Cristo se torna sempre mais forte e, neste corpo, eu, as minhas crianças, os meus moribundos, têm um papel essencial, como o de Jesus durante a Semana Santa. Que esperança de ressurreição o mundo teria, ou nós poderíamos dar ao mundo, se nós – pobre, doentes, crianças inocentes – não fóssemos mudados, apaixonados por Cristo? Temos o privilégio de ser a esperança para o mundo. Recebemos a grande graça de que fala Péguy. Cada dia, com o coração ferido, repito “eu sou Tu que me fazes” e, agora, aqui, está o coração de tudo: esta certeza. Uma certeza que não depende do meu estado de ânimo, ou do ter ou não a consciência – como as minhas crianças que gemem pela dor, mas não têm a consciência, ou como os meus moribundos. Mas isto não muda nada, porque é um fato... pelo Batismo nós somos “Tu que me fazes”. Existimos e sofremos apenas porque estamos certíssimos disto. E o digo a vocês, enquanto olho para as minhas três crianças, deitadas nas suas caminhas, na minha companhia.
Mas, pensem que bonito: “... mas, depois, chega a grande graça da glória de Deus, a grande graça final”. Como para Elza, que morreu há algumas horas e já está na visão de Deus. O Paraíso é mesmo belo – lhes garanto! –, porque o vejo aqui no meu hospital. Porque, o que é a esperança se não a certeza que toco agora, que vejo e que me enche o coração de letícia, que me faz “sonhar” com o dia em que, o que vejo agora, viverei plenamente. Cristina, Victor, Aldo, Ruben, Alice etc., eu mesmo, estamos no caminho final da vida, isto é, estamos perto da Beleza – para usar um exemplo: estamos perto do cimo das minhas caras Tre Cime di Lavaredo... quanta canseira para chegar lá em cima... quanta dor, no meu hospital... Mas, já vemos a meta e isto nos deixa alegres, mesmo que a morfina nos anestesie.
Amigos caros, gostaria que vocês pudessem, nesta Semana Santa, saborear aquelas palavras de Dom Gius, porque estão acontecendo já, no presente que estamos sendo chamados a viver: “mas, depois, chega a grande graça da glória de Deus, a grande graça final”.
Amigos, esta afirmação me comove até as lágrimas, enchendo-me de letícia. O meu hospital respira esta certeza... e, agora, o presente que a precede é cheio de uma grande familiaridade com Cristo. De fato, sou um privilegiado. Rezem para que eu seja sempre consciente disso. Mas, os meus doentes, que esperam o trem para o Paraíso, me lembram isso sempre: eles que, mediante o testemunho que são, me fazem entender muito bem o que é a esperança.
Boa Páscoa!
Padre Aldo
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