Asunción, 13 de outubro de 2008.
Caros amigos,
Não apenas a depressão é uma graça, mas também a loucura. Eu o digo pela graça de saber que domingo, 13 de outubro, o Papa beatificará a mãe e o pai de Santa Teresinha do Menino Jesus. Todos nós conhecemos a vida dramática de seu pai, que alternava momentos de loucura e de lucidez, vivendo entre o manicômio e a casa. Aquilo que, antes, para a Igreja, era um impedimento à santidade é reconhecido, agora, oficialmente e se torna uma graça. Que belo! Isso quer dizer que não existe nenhuma condição que impeça ao homem o mínimo de liberdade necessária que lhe permita reconhecer o Mistério, reconhecer que é relacionamento com o Infinito. Isso tudo me comove, porque me lembro de quando, nos intermináveis anos da minha depressão, assustava-me a idéia da loucura. Lembro-me de que tremia só de passar diante de um manicômio ou de quando me falavam de loucura. E, no entanto, no tempo, vi o milagre de que tudo é graça, até o ponto de, hoje, prestar contas, ternamente, com os doentes mentais.
Conto-lhes o que me aconteceu nesses dias. Temos, na clínica, uma paciente terminal de câncer que é esquizofrênica e já tentou tirar a própria vida. Tem 36 anos, 14 irmãos, pai e mãe... mas, todos a abandonaram. Ninguém a visita. Trouxeram-na para cá e desapareceram. Depois de alguns dias, o sinais da sua esquizofrenia nos colocaram em dificuldades, mesmo porque o nosso hospital não foi feito para esses casos. Porém, a realidade que se nos apresentou era aquela e não a que havíamos escrito no regulamento... e – sim ou sim – devemos prestar contas sempre com a realidade, como nos ensina a parábola do Bom Samaritano. Reunimos o comitê de bioética. Estudamos atentamente cada detalhe. Interná-la em um manicômio? Sedá-la de modo a fazê-la dormir todo o tempo? Uma bela discussão cheia de humanidade. Pessoalmente, fiz uma intervenção no final da discussão, cortando, dessa forma, a cabeça do touro: “amigos, mandá-la para o manicômio seria a solução mais cômoda e mais desumana, porque nos livraríamos de um problema que – sim ou sim – nos tomaria até aos ossos. Sedá-la, dopá-la para que durma todo o tempo e evitar os riscos não seria introduzir um início de eutanásia? Não seria um modo parecido ao primeiro de nos livrarmos dela, de não envolvermos o nosso próprio eu em uma relação impossível para o homem ou, ao menos, desgastante? Pois bem, amigos, é a realidade que nos deve guiar, e a realidade, pensando na minha história, me faz entender que ela é uma graça. Uma graça para ela, porque nos momentos de lucidez recebe a comunhão e até já se confessou. Em nenhuma pessoa podemos pensar que o Mistério não possa agir... e que o paciente não tenha um segundo de lucidez, de liberdade que lhe permita reconhecer a grande Presença. É uma graça para nós porque, deixando-a acordada, mesmo que usando os medicamentos adequados, ela nos obriga a estar ao seu lado 24 horas por dia. É uma graça porque nos educa a reconhecer o Mistério, aquele Mistério – como já foi tantas vezes testemunhado – que, mediante a nossa presença amorosa ao seu lado, lhe permite até mesmo ficar tranquila no seu quarto, sem aquelas reações esquizofrênicas que manifesta quando está sozinha. Em suma, amigos, Irna – é este o seu nome –, assim como o pequeno Victor, é uma graça porque nos lembra que não existe condição humana que não seja humana, que impeça a quem sofre, conhecido ou não, e a quem o assiste, viver o nexo com o Mistério”.
A reunião terminou com uma oração: “Senhor, dá-nos um coração grande para amar”. E, desde quinta-feira passada, Irna não foi mais dopada como antes, nem está mais dormindo todo o tempo: está desperta e amorosamente assistida, em turnos, por nós. E o seu rosto é outro. “O homem não pode viver sem amor, seria incompreensível”, escrevia João Paulo II. Mas, “o amor é Jesus Cristo”. Por isto, somente um encontro com Ele permite estes milagres.
Um abraço.
P.e Aldo
P.S.: Domingo próximo, viverei, com alegria, a beatificação dos pais de Santa Teresinha do Menino Jesus.
* Na foto, os pais de Santa Teresinha do Menino Jesus, Louis Martin e Zélie Martin.
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