quarta-feira, 15 de julho de 2009

Outro modelo de desenvolvimento


Ilaria Schnyder von Wartensee estudou o modelo de desenvolvimento dos Sem Terra, no Brasil, um modelo liderado por Cleuza Ramos e Marcos Zerbini, hoje deputado de São Paulo. Publica em Páginas Digital as principais conclusões de seu trabalho, coincidindo com a publicação da encíclica Caritas in veritate, que Bento XVI dedicou à questão do desenvolvimento.


Atualmente, existe um forte debate no seio da comunidade científica e das instituições financeiras internacionais acerca da eficácia da ajuda internacional aos países em vias de desenvolvimento, das políticas que favorecem o crescimento e a redução da pobreza, além dos instrumentos mais adequados para desenhar e colocar em prática este tipo de medidas. De fato, as políticas (e as ajudas) de capital físico e humano (educação) não obtiveram os resultados esperados, o que evidencia que o problema é complexo e compreende dimensões diferentes e complementares (econômica, social, institucional etc.). Podem haver vários motivos que expliquem a escassez de resultados: desde razões de tipo técnico-metodológico (qualidade dos dados, indicadores utilizados, problemas endógenos…) até a relação entre diversos fatores que influem no crescimento de um país a longo prazo, como a qualidade do contexto macroeconômico, institucional e social dos países beneficiados.
A complexidade do problema e sua multidimensionalidade requerem estratégias de ação mais atentas à especificidade das situações, dos contextos e dos atores implicados. Ainda que todos estejam de acordo com o fato de que é necessário um enfoque country specific e country ownership, as opiniões se chocam no momento de colocar em prática este novo enfoque. Para alguns, complexidade e especificidade podem ser enfrentadas apenas a partir de planos globais e compreensivos que sigam simultaneamente as diferentes dimensões necessárias para alcançar a eficácia na atividade e que partam da ideia de que quem administra sabe e conhece as necessidades das pessoas. Porém, a ineficiência e a corrupção dos aparatos burocrátios fez emergir com força a idéia de “dar voz” e “favorecer a participação” dos pobres na definição e na atuação, segundo seu próprio sentido de crescimento e desenvolvimento. A ideia de que as pessoas – individualmente ou como grupo social – são os melhores conhecedoras de suas próprias necessidades é a base da proposta liberal que sustenta a necessidade de proporcionar algumas regras básicas, assegurar certos direitos fundamentais e dar as ajudas justas para que os indivíduos se movam para melhorar suas condições de vida.
Ainda assim, em ambas as posições, o problema de como os indivíduos e os grupos sociais de determinados contextos econômicos e culturais respondem às ajudas e aproveitam as oportunidades fica desvalorizado. Concebe-se o “sujeito” como predefinido, autosuficiente, capaz de responder eficaz e mecanicamente ao dado da realidade, de reconhecer e valorizar as ajudas que se lhe oferecem (como a possibilidade de ir para a escola, por exemplo) e desfrutar delas ao máximo. Nas políticas baseadas em grandes planos, mas nas quais a presução de “saber” é o que move os sujeitos e que os faz responsável, é enorme a tentação de substitui-los e convertê-los em um dado “passivo” de atividades que respondam a suas necessidades.

Recentemente, pude estudar dois casos de experiências de desenvolvimento em ato, nas quais se pode reconhecer as dinâmicas de mudança nas posições de alguns sujeitos com relação aos objetivos que perseguem na vida e sua capacidade de atuar (pessoas que passam de uma posição passiva/reivindicativa/resignada a um protagonismo construtivo). Ambos os casos estão relacionados a tentativas de solucionar um problema de moradia no Brasil, ainda que em dois contextos extremamente diferentes. Em Salvador, trata-se de um problema de subúrbios, onde se tenta melhorar as condições de vida de quase 135 mil pessoas em situação de pobreza extrema, que vivem em condições muito precárias e perigosas, através do Projeto de Asistência Técnica e Social (PATS) do Programa Ribeira Azul (PARA) do Estado da Bahia. Do projeto PATS, iniciado em setembro de 2001 e terminado em março de 2006, participaram a Fundação AVSI e outros atores nacionais e internacionais, como o Banco Mundial. Em São Paulo, conheci a experiência da Associação dos Trabalhadores Sem Terra (ATST), uma associação local nascida em meados dos anos 1980, com o objetivo de ajudar pessoas e famílias com poucos recursos, que vivem em condições precárias ou têm que gastar uma grande parte de sua renda familiar com aluguel de um lugar para viver. A Associação não se limita apenas a oferecer apoio técnico, mas ajuda as pessoas a tomarem consciência de seu potencial e facilita a formação de relações sociais e humanas baseadas na confiança. O objetivo desta análise foi verificar até que ponto a participação no projeto PATS ou nas atividades da Associação modificou a atitude das pessoas, aumentando sua capacidade de assumir riscos e de empreender novas iniciativas.
Apesar das profundas diferenças entre os dois casos, coincidem os fatores que permitiram às pessoas perceberem uma possibilidade de mudança de sua própria condição e persegui-la. Esses fatores foram: o encontro com pessoas que deixavam ver uma possibilidade positiva para a própria vida ou um olhar diferente, e que mudaram a percepção do próprio valor e das próprias possibilidades; a disponibilidade para se esforçar pessoalmente para conseguir os objetivos; a experiência de uma relação com essas pessoas que não se limita a uma necessidade específica, mas que implica todos os aspectos da vida cotidiana no caminho de confiança recíproca (acompanhamento, em outros termos, um caminho educativo); a progressiva realização de algo que parecia impossível.
Em resumo, as experiências examinadas indicam que, sendo necessário o esforço dos sócios e beneficiários para perceber o valor de qualquer forma de ajuda, esse esforço está intimamente vinculado à trama de relações de confiança que rodeia a pessoa, como indica a presidente da ATST: “(o desenvolvimento) é ensinar à pessoa a olhar para si mesma, a querer-se bem, a olhar sua beleza… só uma companhia – não o dinheiro, mas apenas a companhia – pode ajudar o outro a mudar... enquanto não mudar, a pessoa não alcança um desenvolvimento econômico. Antes de mais nada, o desenvolvimento é para a pessoa. Se você quer ajudar alguém, primeiro tem que ajudar a você mesmo a se olhar como pessoa. Depois, posso ajudar a encontrar uma casa” (Cleuza Ramos, extraído de uma entrevista realizada em São Paulo, em abril de 2009).

Ilaria Schnyder von Wartensee é pesquisadora do Departamento de Desenvolvimento e Cooperação Internacional, na Fundação para a Subsidiariedade.

* Texto extraído de PáginasDigital.es, 15 de julho de 2009. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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