terça-feira, 22 de setembro de 2009

Cartas do P.e Aldo 107




Asunción, 21 de setembro de 2009.

Caros amigos,
Olhem que bonito! Não estamos, nessas fotos, na rampa que leva a um restaurante, mas na minha clínica para doentes terminais onde Míriam, a farmacêutica da clínica decidiu se casar. Aqui morreram seus pais e ela quis que eu a acompanhasse ao altar como pai e, depois, celebrar o matrimônio. Todos os doentes terminais que tinham um pouco de energia assistiram assentados nas cadeiras de rodas. No quarto ao lado de onde celebramos o casamento estava Lorenzo, que tinha acabado de morrer. Num outro quarto, a pequena Lucia, a menina sem olhos e sem nariz que, até sábado à noite, lutava com a morte. Tem dois meses. Nos outros quartos os doentes em coma ou muito graves e os meus filhos Victor (aquele que não tem mais crânio), Aldo (o meu filho adotivo, com a cabeça cada vez maior... e que, na primeira vez, dava medo... mas que, para mim, é apenas uma grande hóstia branca que adoro, como a cada doente, 3 vezes ao dia).
Além disso, havia todo o pessoal médico, os paramédicos etc., todos vestidos para festa. Enfim, algumas das crianças da Casinha de Belém, para onde, ontem, foi levada a filha de Fabiana de dois anos, que recuperamos a 400 km daqui... ela também com AIDS. Mas, bela como o sol. Tristemente não reconheceu a mãe Fabiana... e deixo a vocês imaginarem a dor. Fabiana, 19 anos, além da AIDS, tem um câncer na cabeça. Sofre muito, não consegue mais ficar em pé, o seu rosto está quase desfigurado. E, no entanto, que testemunho deu a Carrón e a todos nós na segunda-feira passada!
Continuamos comovendo-nos pela letícia... na dor mais atroz que nos transmite uma letícia tal que permite não apenas aos doentes celebrarem o matrimônio antes de morrerem, mas também aos sãos.
“Míriam, por que você escolheu se casar aqui, entre os doentes terminais e, justo hoje, quando tem um morto?”, perguntei a ela. “Porque aqui eu sou feliz, porque aqui a vida triunfa, aqui Jesus está presente, vocês estão presente, meus amigos... aqui, eu estou no céu”. Depois dessas palavras, o que mais eu poderia dizer? “Veem o que acontece aqui?... quem está fora não pode sequer imaginar... que um casal escolha celebrar o dia mais bonito da sua vida conscientes... o matrimônio num hospital para doentes terminais é a vitória da ressurreição de Cristo, é o mundo novo evidente, é o ‘Tu que me fazes’ instante depois de instante... que muda, torna viva, vibrante... Entendem? E se contarem por aí o que vocês viram, hoje, aqui, as pessoas vão achar que são loucos. Mas, isto é o Cristianismo, esta é a vitória de Cristo, é a vitória sobre a morte, é o significado salvífico da dor... não importa a doença que a tenha provocado”.
E, enquanto dizia estas coisas, Rosinha chegou – a bela garota de 17 anos, com metástase geral, uma perna amputada, a outra com um joelho como uma bola, por causa do câncer, e surda –, viu-me e me deu um sorriso. Levantei o polegar direito, como quando quero saber como ela está, e ela me respondeu sorrindo do mesmo modo.
Terminada a cerimônia, todos foram para a festa na sala do hospital, e eu fui recitar o breviário na cela mortuária onde estava Lorenzo que me esperava já frio. Dei-lhe um beijo, o rosto estava mesmo frio... os olhos estavam ainda um pouco abertos... com amor fechei-lhe as pálpebras... e se fecharam para o mundo para sempre... mas, agora, contemplam aquele meu “Tu que me fazes”. Estava sozinho com ele, porque ele não tem ninguém. Somos a sua família. Experimentei uma grande paz, uma letícia, como sempre experimento quando estou sozinho com um cadáver. Mas não é que o cadáver me dá a paz, mas a certeza sobre aquilo que dizemos, de forma distraída, no Credo: “Creio na ressurreição da carne, na vida eterna. Amem”. No fundo, a clínica nasceu porque levei a sério também este dogma da nossa fé... justamente aquele mais esquecido por todos, mesmo por nós padres.
Ciao.
Padre Aldo

Um comentário:

Patrícia disse...

Paulo, a partir da leitura dessa carta, mais uma vez o que de imediato grita no coração é o pedido de que Cristo seja reconhecido aqui e agora, que Ele responda a toda essa dor que essas pessoas sentem e com Padre Aldo e seus amigos, é evidente que Cristo responde.