quinta-feira, 25 de março de 2010

A aventura educativa 1

Encontro com o Cardeal Angelo Bagnasco
Milão, Palasharp - 18 de março de 2010

Introdução*
Por Padre Julián Carrón

"O tema principal, para nós, em todos os nossos discursos, é a educação: como nos educarmos, no que consiste e como se desenvolve a educação, uma educação que seja verdadeira, isto é correspondente ao humano" [1].
Nada mais do que esta frase de Padre Luigi Giussani explica tão claramente e de forma tão definitiva como o carisma dado a ele encontre na educação a sua dimensão mais decisiva. A sua constante preocupação - que por graça de Deus se tornou também nossa - foi a de "educar o coração do homem assim como Deus o fez" [2], isto é evocar e sustentar nele a abertura incansável à realidade, encorajada por aqueles desejos nativos e por aquelas exigências inextirpáveis que constituem o tecido de que é feito o coração, antes mesmo que qualquer condicionamento cultural ou social.
Neste momento histórico, ainda uma vez, o desafio mais decisivo que nos alcança é exatamente o da educação. Há dois anos, o santo padre Bento XVI colocou diante de todos os cristãos e homens de boa vontade esta urgência: "Educar (...) nunca foi fácil, e hoje parece ter se tornado ainda mais difícil. Sabem-no bem os pais, os educadores, os sacerdotes e todos aqueles que têm responsabilidade educativa direta. Fala-se, por isso, de uma grande 'emergência educativa', confirmada pelos fracassos contra os quais nossos esforços para formar pessoas sólidas e capazes de colaborar com os outros e dar um sentido à própria vida se embatem. (...) Exatamente disso nasce a dificuldade talvez mais profunda para uma verdadeira obra educativa: na raiz da crise da educação existe, de fato, uma crise de confiança na vida" [3].
Está enfraquecendo - sob os olhos de todos - a solidez do humano. Algumas vezes conseguimos viver com os rendimentos de uma tradição. Agora, porém, que o Cristianismo e a tradição são cada vez menos incidentes e que prevalece toda uma outra concepção de vida, nós nos encontramos diante de uma paralisia, de uma incapacidade de nos interessarmos por alguma coisa (sabem-no bem os educadores que entram em sala de aula todos os dias).
Com sua capacidade profética, Padre Giussani identificava, já em 1987, este desvio que, hoje, parece ter se propagado: "É como se todos os jovens [e agora podemos dizer que também muitos adultos] de hoje tivessem sido contaminados pelas radiações de Chernobyl [por uma enorme explosão nuclear]: o organismo, estruturalmente, é como antes, mas dinamicamente não é mais o mesmo. Aconteceu como que um assujeitamente fisiológico pela mentalidade dominante" [4]. Esta mentalidade provoca uma estranheidade a nós mesmos, que torna abstratos no relacionamento com nós mesmos e sem energia afetiva. A consequência é aquele "misterioso torpor" [5] de que falava, anos atrás, Pietro Citati. Isto nos evidencia a profundidade da crise. Não é uma crise de natureza moral, mas é uma verdadeira crise do humano.
Então, a que podemos apelar para recomeçar? Não podemos apelar à tradição que, para tantos, é completamente desconhecida ou é gravemente fragmentada naqueles em que se pode encontrar ainda algum traço. O único apoio que temos é o que nenhum poder pode destruir e que permanece sob todas as possíveis ruínas: a "experiência elementar" [6] do homem, o seu coração que contém as exigências constitutivas de verdade, de beleza, de justiça...
É aqui onde o Cristianismo pode, de novo, mostrar a sua verdade e dar uma contribuição decisiva, exatamente onde todos estão falhando. Esta contribuição será possível apenas se a atual circunstância histórica - tão difícil - seja enfrentada como uma grande aventura, como uma oportunidade para uma nova autoconsciência da natureza do Cristianismo. De fato, uma fé reduzida a ética ou a espiritualismo (a isto se reduziu o Cristianismo na modernidade) não é capaz de responder ao desafio. A história documentou isto amplamente. Somente um Cristianismo que se apresente segundo a sua verdadeira natureza, ou seja a de um "fato histórico" que se documenta em uma diversidade humana, pode ser capaz de dar uma verdadeira contribuiçõa a esta situação problemática.
E então, "onde se pode encontrar (...) a pessoa?", perguntava-se Padre Giussani. "A resposta que estou para dar não é uma resposta para a situação na qual estamos (...); é uma regra, uma lei universal desde quando o homem existe: a pessoa reencontra a si mesma num encontro vivo, ou seja em uma presença com a qual se depara e que libera uma atração, (...) ou seja provoca ao fato que o nosso coração, com aquilo de que é constituído, com as exigências que o constituem, existe". É uma presença que move, que produz um desconcerto carregado de razoabilidade, uma rebelião no nosso coração. Esta presença faz reencontrar a originalidade da própria vida, isto é "uma correspondência à vida segundo a totalidade das suas dimensões. Em suma, a pessoa se reencontra quando uma presença que corresponde à natureza da vida abre espaço dentro dele - esta é a primeira evidência - e, assim, o homem não está mais na solidão" [7].
Dois são, então, os fatores de um renascimento da experiência educativa.
Em primeiro lugar, a consciência do método. A única coisa capaz de despertar o eu do seu torpor, não é uma organização ou um chamado de atenção ético mais obstinado, mas o deparar-se com uma diversidade humana. Para que isto possa acontecer são necessários - e este é o segundo fator indispensável - adultos que encarnem na própria vida uma "resposta plausível" [8] (tal como foi definida por Sua Eminência o Cardel Angelo Bagnasco, na homelia da Missa, em Gênova, pelo quinto aniversário da morte de Padre Giussani), que possa ser oferecida aos outros. Trata-se de uma extraordinária possibilidade de verificação: participando da aventura educativa, ou seja buscando introduzir homens à totalidade do real, vem à tona, sem possibilidade de abstrações, se nós, antes de todos, participamos da aventura do conhecimento. Padre Giussani sempre nos disse que a forma da educação é a "comunicação de si" [9], ou seja, do modo próprio de relacionamento com a realidade; por isso, só podemos educar na medida em que, antes, aceitarmos o desafio do real, compreendidos aí os medos, as dificuldades, as objeções. Exatamente isto mostrará a todos o alcance da fé como resposta às exigências de um homem racional do nosso tempo. E tornará a aventura educativa entusiasmente e cheia de esperança, para cada um de nós.
Através do encontro desta noite, queremos, portanto, corresponder à preocupação educativa da Igreja italiana, repetida também recentemente nas palavras do nosso arcebispo Dionigi Tettamanzi (durante a Missa pelo quinto aniversário da morte de Padre Giussani): "O juízo cristão sobre a realidade, a formação da consciência segundo a fé cristã se coloca como fundamento e força para aquele empenho educativo que representa, sem dúvida nenhuma, como tão frequentemente repete o Santo Padre, uma das atuais prioridades pastorais da Igreja. Os Bispos italianos querem assumir este desafio e o apresentam como algo decisivo para o próximo decênio pastoral. Penso que os ensinamentos, a vida, as obras de Padre Giussani tenham ainda muito para oferecer às nossas comunidades" [10].
Arrancar o homem do torpor, chamá-lo outra vez ao ser: este é o nível elementar e decisivo da educação. E isto será, de fato, possível, como êxito, apenas se aceitarmos e se se tornar nosso o olhar de Cristo sobre a realidade: "Deus se dá, dá a Si mesmo ao homem. E o que é Deus? A fonte do ser. Deus dá ao homem o ser: permite ao homem ser; permite ao homem ser mais, crescer; permite ao homem ser si mesmo, crescer até a sua realização, isto é permite ao homem ser feliz" [11].

1 L. Giussani, Il rischio educativo, Rizzoli, Milano 2005, p. 15.
2 L. Giussani, Il rischio educativo, Rizzoli, Milano 2005, pp. 15-16.
3 Benedetto XVI, Lettera alla Diocesi e alla città di Roma sul compito urgente dell’educazione, 21 gennaio 2008.
4 L. Giussani, L’io rinasce in un incontro (1986-1987), BUR, Milano 2010, p. 181 (in corso di pubblicazione).
5 P. Citati, «Gli eterni adolescenti», la Repubblica, 2/8/1999, p. 1.
6 L. Giussani, Il senso religioso, Rizzoli, Milano 1997, p. 8.
7 L. Giussani, L’io rinasce in un incontro, BUR, Rizzoli 2010, p. 183 (in corso di pubblicazione).
8 A. Bagnasco, «Esserci!”, Omelia alla Messa nel V anniversario della morte di Luigi Giussani, Genova, 23 febbraio 2010.
9 L. Giussani, Realtà e giovinezza. La sfida, Società Editrice Internazionale, Torino 1995, p. 172
10 D. Tettamanzi, «Un’eredità spirituale e pastorale da vivere», Omelia alla Messa nel V anniversario della morte di Luigi Giussani, Milano, 22 febbraio 2010.
11 L. Giussani, Si può vivere così?, Rizzoli, Milano 2007, p. 327.

* Extraído da página italiana de Comunhão e Libertação e traduzido por Paulo R. A. Pacheco, sem revisão do autor.

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