quinta-feira, 25 de março de 2010

A aventura educativa 2

Encontro com o Cardeal Angelo Bagnasco
Milão, Palasharp – 18 de março de 2010

Instâncias educativas e questão antropológica*
Por Angelo Cardeal Bagnasco
(Arcebispo Metropolitano de Gênova e Presidente da Conferência Episcopal Italiana)

Premissa
Estou feliz de estar aqui com vocês, para falar de uma coisa que não apenas nos interessa, mas que sentimos ser parte do nosso ser pessoas e crentes. Ou seja, do nosso ser discípulos do Mestre – o Senhor Jesus – que não cessa de educar a uma humanidade nova e plena. Ele continua a falar à inteligência e a aquecer o coração daqueles que se abrem à Sua verdade e ao Seu amor, e acolhem a companhia dos irmãos, para fazer experiência da novidade do Evangelho e, assim, anunciar a todos a alegria e o fascínio de um encontro que muda a vida e que faz florescer o humano. A Igreja continua a obra do seu Senhor, e a sua história de dois mil anos é um cruzamento de evangelização e de educação: anunciar a pessoa de Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, significa levar à plenitude o homem e, portanto, criar cultura e civilização. Às vezes, diante de tantas situações de violências, velhas e novas, diante de um mundo ainda tão ferido pelos desequilíbrios e injustiças, ou de formas de involução cultural, poderíamos nos perguntar: qual é o papel do Cristianismo na elevação da humanidade? Qual é a eficácia da pregação da fé? Poderíamos responder a nós mesmos: e o que seria do mundo sem o Evangelho de Cristo? Sem a presença da Igreja com os seus sacerdotes, os religiosos e as religiosas, os leigos, os grupos, as associações, os movimentos, as instituições de caridade e de promoção, de escuta? Sem o vórtice de contínua oração que se eleva a Deus de cada parte da terra, há séculos, e que eleva os corações de multidões, torna a consciência melhor, a reforça contra o mal? Sem esta rede sem fim de pequenas luzes que tornam o universo mais luminoso? E onde estaria aquele povo imenso espalhado até os confins da terra, feito de pessoas humildes e boas que fazem a história verdadeira – a história do bem – com as suas vidas referidas à vida de Cristo? Conhecemos os limites e os erros da condição humana, mas isto não pode obscurecer a experiência secular da comunidade cristã.
Os Bispos italianos escolheram, como Orientações Pastorais para os decênio que acaba de começar, exatamente o desafio educativo: responsabilidade e graça! Graça porque significa continuar a “comunicar o Evangelho em um mundo que muda”, e significa decliná-lo na dimensão específica da educação. Responsabilidade porque se educar nunca foi fácil, hoje se trata de aceitar o desafio que nasce da complexidade muitas vezes contraditória da cultura e da sociedade. O Santo Padre Bento XVI não apenas nos exorta a isto com o límpido e pontual Magistério, mas nos precede no caminho educativo do povo de Deus, tendo claramente no olhar e no coração cada homem, já que a humanidade plena que se revela em Jesus, e nEle se encontra, não exclui ninguém.
A feliz expressão “emergência educativa”, tornada tão familiar nestes últimos tempos dentro e fora da Igreja, pode parecer particularmente enriquecida se a lemos com um olho atento à lição de um grande filósofo e teólogo italiano do século XIX, o beato Antonio Rosmini. A sua perspectiva, me parece, cruza pontos cruciais e emergentes do atual contexto cultural e pastoral. E para recolher todo o alcance da contribuição positiva que pode nos ser dada da perspectiva rosminiana, e que vai na direção de um enriquecimento do sentido que Bento XVI quis dar à “emergência educativa”, é útil recordar que as “emergências”, pela sua natureza, não fazem parte da vida ordinária e da história cotidiana das pessoas; elas irrompem repentina e inesperadamente. Enquanto que as exigências de educar e de se educar não podem ser inesperadas, na medida em que, como escreve Rosmini, “a educação é uma tarefa gravíssima” (Dell’educazione Cristiana, Città Nuova Ed., Roma, 1994, p. 47), no sentido de “tarefa de grande alcance”, pelo fato que essa tarefa tem como objetivo “tornar o homem bom em relação a todas as circunstâncias nas quais se encontra; [tornar o homem] capaz de usar dessas circunstâncias, e de todos os outros meios como verdeira vantagem a si e aos outros; e [torná-lo], assim, autor do próprio bem e, especialmente, da própria virtude e da própria felicidade” (Idem, Scritti vari di método e di pedagogia, Unione Tipografica Ed., Torino, 1883, p. 499). E isto, acrescenta Rosmini, pertence a cada homem, em cada fase da sua vida, desde o momento em que se pede a todos os homens que se dediquem para realizar o bem.
Em outros termos, se é verdadeiro que a sociedade contemporânea é atravessada sempre mais por déficites preocupantes de “boa educação”, é também verdadeiro que uma resposta eficaz não pode vir de uma comunidade que se limita a enfrentar este déficit como se se tratasse de uma “emergência” mais do que uma “tarefa” cotidiana.
E não são as circunstâncias episódicas – mesmo que preocupantes –, nem mesmo será o multiplicar-se de sinais de uma má ou inexistente educação, que solicitarão ao dever pedagógico que seja uma tarefa cotidiana, mas será a natureza mesma do homem. Tanto que não é imprudente afirmar que a “questão pedagógica” (ou, se se quiser, a emergência educativa) caminha lado a lado com a “questão antropológica”.
As circunstâncias que formaram o pano de fundo das páginas pedagógicas do nosso autor apresentam fortes analogias com o tempo presente, que nos pede que recolhamos as energias mais sensíveis em torno da emergência educativa (...).
É notável o enorme desperdício de energias no Iluminismo ou no Liberalismo dos séculos XVIII e XIX. Tanto um quanto o outro não omitiram o recurso a instrumentos de propaganda e de formação que faziam coincidir a racionalização das atividades de trabalho e o melhoramento da qualidade de vida com um decisivo e progressivo distanciamento da religião e da ética cristã. A consequência mais imediata da ofensiva iluminista-liberal apresentou-se com as características de uma evidente fratura entre Cristianismo e sociedade civil e política, abrindo para a Igreja um novo e inédito front missionário.
Rosmini, diante desta situação, não veste nem os panos do derrotista nem os do obtuso opositor: a validade da sua impostação – “apologética”, no sentido mais alto da palavra – encontra fundamento no estreito vínculo entre filosofia, antropologia, pedagogia; vínculo que, por sua vez, garante a consequencialidade entre pensamento teológico e instâncias éticas, políticas e de natureza jurídica.
Neste quadro, a educação da pessoa não se apresenta, em absoluto, como uma tarefa marginal ou de qualquer modo a ser invocada apenas em momentos de “emergência”, mas, muito mais, como a continuação do “governo divino do mundo”, “com o qual, ordenando e dispondo os acontecimentos, [Deus] educou o gênero humano e o educa continuamente” (Idem, Sistema filosofico, n. 244).

1. A pessoa humana: centro e fim da educação
A visão antropológica que a Revelação judaico-cristã oferece à humanidade é toda centrada sobre a pessoa humana, que não se deixa enredar por nenhuma ideia, categoria, conceito, nem reduzir a dimensões e perspectivas particulares. A pessoa não é o sujeito nem o indivíduo, não é a alma nem o corpo, não é o pensamento nem o sentimento, mas se dá em todas estas expressões e dimensões, consentindo a nós revelar uma instância fundamental dúplice, que se torna particularmente instrutiva para a questão educativa. Trata-se, em primeiro lugar, da irredutibilidade da pessoa. Em segundo lugar, trata-se da relação que constitui o ser pessoal de maneira não meramente extrínseca ou acessória. O gênio de Santo Tomás de Aquino, inspirando-se nas grandes formulações cristológicas e trinitárias, expressou esta realidade, oferecendo-nos a fórmula da relatio subsistens (cf. S.T. I, q. 29, a. 4, c. 9). A pessoa, cada pessoa é uma relação subsistente. Sem relação nem mesmo se pode originar um ser humano, sem uma sua profunda subsistência individual (Rosmini, seguindo Scoto, diz “incomunicável”) se perderia em uma generalidade homologante e dissolvente.
Bento XVI, na Caritas in veritate, recolhendo esta grande tradição antropológica e situando-a no contexto da aldeia global, nos oferece uma referência explícita à lição do personalismo comunitário, que o pensamento católico do século XX não deixou de acolher e articular: “A verdade da globalização como processo e o seu critério ético fundamental são dados a partir da unidade da família humana e do seu desenvolvimento no bem. É preciso, portanto, empenhar-se incessantemente para favorecer uma orientação cultural personalista e comunitária, aberta à transcendência, do processo de integração planetária” (n. 42).
Cada processo educativo e formativo não pode descuidar ou esquecer deste dúplice fator, que nasce da constituiçõa mesma do ser pessoa que é o homem. Com espírito de realista sabedoria, nem os educadores, nem os projetos realizados, podem se arrogar a tarefa de inventar ou criar as pessoas, nem de desestruturá-las e recriá-las em relação com os objetivos que organizações, grupos ou indivíduos se estabelecem. A educação não cria a pessoa, mas a encontra e a reconhece, oferecendo uma relação – chamada exatamente de “relação educativa” – de autêntico serviço ao homem e à mulher a que é destinada. Mas isto só é possível se aqueles que são chamados a educar possuam o sentido profundo da sua irredutibilidade e capacidade de relação, sabendo colher também na experiência de educadores do passado possibilidades de crescimento e de maturidade para si mesmos, mais do que para aqueles a quem é destinado o seu empenho. Se, como o beato Rosmini lembra na sua Filosofia del diritto, “a pessoa humana é o direito subsistente” (A. Rosmini, Filosofia del diritto, Cedam, Padova, 1967-69, IV, 898), então não apenas a jurisprudência relativa à educação (pensamos nas reformas escolares nos mais diversos níveis), mas a atividade educativa mesma, não pode deixar de levar isso em conta. Mas a inalienabilidade da pessoa humana nos leva ainda para além desta consideração fundamental, na medida em que nos consente de identificar o sujeito educativo fundamental não no Estado ou em qualquer outra organização estrutural, mas sim naquele lugar originário da relação que constitui a pessoa na sua identidade, ou seja a família, a quem o Estado e as outras eventuais organizações oferecem a sua ajuda e suporte na ativação e articulação de itinerários educativos. Este dado antropológico fundamental consente a superação de toda tentação de idolatria sempre subjacente às ideologias estatalistas de toda cor e de cada época. Trata-se de uma visão do homem profundamente libertadora e capaz de desmascarar todo tipo de violência cultural massificante e eliminadora da dignidade da pessoa.

2. A educação e as formas do ser
Reconhecer a pessoa na relação educativa significa saber colher e seguir/ajudar o desenvolvimento harmônico das suas diversas dimensões estruturais constitutivas. Neste sentido, certamente a educação não cria o ser da pessoa, mas o acompanha, portanto tem que ver primeiro com o ser, mais do que com o fazer, com o sentir que com o pensar mesmo. Ousaríamos dizer que a questão antropológica e a educativa a ela estreitamente ligada é uma questão metafísica. Neste horizonte se situa uma reflexão sobre o homem e sobre o ser que é possível articular rosminianamente segundo a doutrina das três formas, que no homem encontra unidade e realização: real, ideal, moral.
2.1. A educação, nesta perspectiva antropológica e ontológica, refere-se à realidade e, em relação a ela, se articula e se desenvolve. O realismo não é apenas uma teoria do conhecimento, mas, também enquanto tal, uma direção e uma tarefa imprescindível no que diz respeito à formação das pessoas. Trata-se de um realismo sapiencial, que nada tem que ver com a anuência ou a resignação, muito menos com a busca exclusiva do útil e do interesse. Neste sentido, a dimensão real da existência humana tem que ver, mesmo se não se exaure nela, com a corporeidade, com a carne, com a terra, a que devemos tanta fidelidade quanto ao céu.
Processos educativos desencarnados e meramente utópicos, além de ineficazes, poderiam, de fato, gerar posturas de evasão desumanizantes. Ao lado da tentação do materialismo, somos chamados, em nome de uma antropologia autêntica, mais do que da fé na encarnação, a confrontar com todas as nossas forças também a tentação oposta do espiritualismo desencarnacionista muito presente nas ditas novas formas de religiosidade.
O horizonte realista da educação, ligado à dimensão corpórea da existência humana, evoca e invoca a necessidade de referência à relação homem-mulher como lugar no qual se exprime, revelando-se, a relação subsistente que é a pessoa. Trata-se de uma temática que, hoje, apresenta uma atualidade bastante peculiar, mesmo em relação aos desafios antropológicos e culturais do contexto no qual se desenvolve a ação educativa e formativa. A educação à vida de casal pede vigilância e cuidado particulares e um acompanhamento atento que não pode se reduzir a atenção quanto aos desvios ou anomalisas que atentam contra esta dimensão fundamental do humano. A atenção à esfera afetiva e aos vínculos gerados por ela se apoia na capacidade de salvaguardar e formar aquele rosminiano “sentimento fundamental” chamado a coordenar e harmonizar as diversas dimensões do ser humano e, em particular, a esfera corpórea com a espiritual.
Levar em consideração as “coisas mesmas” (como diziam os primeiros fenomenólogos) significa ter atenção à res publica e, portanto, à cidadania na polis, que encontra, no empenho político, a sua mais alta forma de expressão. O sonho de alargar as gerações dos políticos cristãmente inspirados, que sejam capazes de renovar profundamente este âmbito fundamental da existência, passa através da capacidade de educar e formar ao sentido da cidadania e do Estado, da legalidade e do empenho na sociedade civil, no qual se vive aquele sã laicidade da qual falava Bento XVI. O apelo à participação e à paixão, artigo raro neste nosso contexto atual, se não quer ser apenas retórico, pede energias e recursos para serem destinados à educação das jovens gerações que, se receberam a democracia, muito frequentemente não parecem capazes de habitá-la e vivê-la em referência aos valores fundamentais da justiça, da liberdade e da paz.
Enfim, o horizonte do realismo pedagógico chama em sua causa o universo midiático e o virtual, quase sempre vivido como alternativa ao real, mas que, pelo contrário, é pensado e percorrido – como nos lembra o ensinamento do Papa na jornada pelas comunicações sociais – como um recurso incrível e inédito para a pessoa e a suas expressões. O Diretório para as comunicações sociais Comunicazione e missione que a Conferência Episcopal Italiana nos consignou nos oferece uma leitura profunda e significativa do areópago midiático contemporâneo, sugerindo critérios de discernimento e modalidades concretas de utilização destes poderosos meios para o crescimento humano e cristão de todos nós.
2.2. De frente e ao lado da dimensão real do ser situa-se a ideal, que se refere à inteligibilidade do mundo, do homem e de Deus. O caráter caótico que imediatamente transparece quando olhamos fora de nós e em nós mesmos não pode nos entregar à resignação ou à irracionalidade. A toda forma de saber está subentendida a convicção segundo a qual o real é inteligível, na medida em que oferece um logos que o homem é chamado a descobrir e interpretar. Esta descoberta e correta interpretação constitui o horizonte de possibilidade de uma autêntica transformação do mundo e de si a que somos chamados. A ação pedagógica deve se referir ao logos-razão e, portanto, deve interpelar o pensamento, suscitando-o e articulando-o nas diversas metodologias que os âmbitos do saber colocam em ação. Se “o fato mais preocupante da nossa época é que ainda não pensamos” (M. Heidegger, Che cosa significa pensare? Chi è lo Zarathustra di Nietzsche, SugarCo, Milão, 1978, p. 39), então a emergência educativa está na urgência de ensinar e aprender a pensar, ultrapassando aquela modalidade difusa e superficial própria não apenas dos que aprendem, mas muito frequentemente dos que ensinam, tendente a substituir o saber refleXVIo por aquele assemblativo, novo nome do saber gnóstico do passado. Aquela metafísica implícita que todo percurso de conhecimento encerra pede uma operação maiêutica paciente e eficaz, mas sobretudo não renunciadora e preguiçosa, que caracteriza os verdadeiros mestres mais que os simples professores, os verdadeiros discípulos mais que os simples alunos.
E se o logos-razão não pode certamente se reduzir à forma moderna da racionalidade, na medida em que inclui a inteligência e, com essa, a capacidade de “ler-dentro” do mundo e de si mesmo, então o mistério constituirá o seu horizonte mais próprio e, diante disso, o homem será chamado a “alargar a razão” (como nos convida a fazer o Papa Bento XVI), educando e deixando-se educar àquele “pensar alto” que Rosmini amava evocar diante das pequenezas do próprio ambiente e dos reducionismos de todo gênero que a cultura difundida lhe oferecia e nos oferece. Não pareça um salto indevido, ou mesmo contraditório, afirmar que o horizonte mais próprio da razão é o mistério: se, de fato, a razão é, em si mesma, ordenada não apenas a colher o como das coisas, mas também o “o quê?” e “o por quê?” do seu existir, então esbarramos com o sentido do real do qual o homem é a ponta incandescente. Trata-se da perene pergunta que, hoje em dia, é tida como “questão ociosa”, como o dizem Comte, Marx, Nietzsche: por que o ser e não o nada... se o que existe não é necessário para o seu ser e se – talvez ainda mais provocativo e dramático – o que existe permite o câncer de uma criança ou o lager, isto é o mal físico e o mal moral? Nem tudo, portanto, é reduzível a cálculo instrumental, a esquema cartesiano, e a razão não pode subtrair-se da realidade inteira refugiando-se no perímetro da mera funcionalidade. Ela é chamada pelas coisas a se fazer contemplativa, podemos dizer “metafísica”, e a razão deve responder. São as coisas mesmas que “querem” não apenas ser usadas, mas explicadas, invocam um horizonte de sentido. Tal dimensão constitutivamente responsiva da razão cruza com a necessidade de “alargar os espaços da racionalidade” e, por outro lado, de “purificar a razão” mesma.
A correlação originária do logos com o pensamento e, nele, com a inteligência e a razão, não pode esquecer o nexo logos-palavra, que lembra a temática não apenas da linguagem, mas do verbo que nele vive e se exprime. Em tempos de crise da linguagem e da palavra, pode ser oportunamente evocada uma sugestiva expressão poético-filosófica que diz: “Somos um sinal que nada indica. Somos sem dor e quase fizemos a língua se perder em terra estranha” (F. Hölderlin). Encontramo-nos diante de uma espécie de exílio da palavra em um mundo desorientado. O evento da palavra pede sempre de novo para ser acolhido e pensado, para que se possa entrever ao menos uma luz débil na noite do mundo. Nesta perspectiva, um pensador caro também a Joseph Ratzinger como é Ferdinand Ebner – que, antes de ser filósofo, era professor de escola básica e, portanto, vivia em primeira pessoa a questão educativa – repropôs a dimensão espiritual da linguagem. O pensador austríaco chegou à retomada da incômoda e certamente contracorrente doutrina da origem divina da palavra: “A palavra deveria receber vida de Deus, já que a vida não seria por si mesma capaz de encontrar o caminho para a palavra, que no homem criou e desperta a vida do espírito. Para entender isto, obviamente, o homem tem necessidade de acreditar em Deus; e isto significa, em primeiro lugar: tornar-se consciente na fé do fundamento espiritual da própria existência e da própria orientação em direção a um relacionamento pessoal com tal fundamento. Deus é tal fundamento e Ele é também o verdadeiro Tu do verdadeiro Eu que é o homem” (F. Ebner, La parola e le realtà spirituali, Frammenti pneumatologici, San Paolo, Cinisello Balsamo, 1998, p. 150). Ecoa aqui uma mensagem que Antonio Rosmini retoma na sua Teodicea. De qualquer modo, trata-se do lugar originário daquela revelação primordial, à qual a nossa cultura acadêmica, seja teológica que filosófica, reserva escasso interesse, mas a que a Dei Verbum faz certamente referência quando chama atenção para o diálogo originário de Deus com a humanidade.
A dimensão da inteligibilidade do real remete à instância de autenticidade que toda forma de saber subentende e desenvolve. Com incrível semelhança com o tema da última encíclica do Papa Bento XVI, Antonio Rosmini soube desenvolver tal horizonte profundamente genuíno em relação à caridade e, portanto, na perspectiva de uma “metafísica agápica” e “trinitária”. Verdade e Caridade são inseparáveis na divina sabedoria, que nos faz discípulos de Deus mesmo. Se o primeiro termo exprime Deus na pessoa do Verbo, “a nova palavra Caridade exprime o mesmo Deus na pessoa do Espírito”. Os textos joaninos oferecem abundante matéria de reflexão a este respeito, e Rosmini se apoia constamente sobre eles: “São, portanto, duas as palavras sobre as quais se resume a escola de Deus, tornado mestre dos homens, Verdade e Caridade; e estas duas palavras significam coisas diferentes, mas cada um delas compreende a outra: em cada um está tudo; mas na verdade é a caridade como uma outra, e na caridade é a verdade como uma outra: se cada uma não tivesse a outra não seria mais dela” (A. Rosmini, Introduzione alla filosofia, Città Nuova/CISR, Roma/Stresa, 1979, p. 181).
A alteridade recíproca de Verdade e Caridade fala da alteridade das pessoas divinas: Verbo e Espírito Santo. A obra da sabedoria cristã consiste apenas na caridade exercitada na verdade, para que o homem se faça discípulo do Mestre divino interior: “Se o Mestre de que se trata for de uma natureza tão diferente da humana, que tenha o poder de entrar e quase se assentar na alma mesma do discípulo, como um cocheiro no coche, e guiar dali todas as suas potências, e ainda mais, animá-las a partir do seu próprio espírito, e consequentemente, se a sabedoria divina participada, o mesmo mestre que entrou no homem, ali dentro, com o seu consentimento e com a sua adesão, ali habitasse e o fizesse viver de si, aquelas três coisas sobre as quais falávamos não teriam mais nenhuma dificuldade de ser compreendidas; ou seja, torna-se claríssimo como se reduz à imitação de Cristo a sabedoria sobrenatural dos outros homens, e como esta imitação é possível, e possível de uma maravilhosa maneira, confrontando-se uma tal identidade de sabedoria. Qual intelecto humano poderia conceber uma maneira tão estupenda e tão sublime de efetuar aquele preceito que chega mesmo a indicar filosofia: ‘Imita a Deus!’?” (Ib., p. 181s).
2.3. Finalmente, mas não menos importante, a dimensão moral do ser, que chama a atenção para a vida e para a liberdade. Aqui, se toca o ápice do universo pessoal e a possibilidade de ter juntos o ideal e o real num relacionamento que, metaforicamente, poderíamos definir como esponsal. Sem o ideal e o real nem mesmo o moral tem um sentido, e isso é capaz de catalizar e polarizar as outras duas formas do ser. Tudo o que é ou é pessoa ou tem como finalidade a pessoa e na pessoa se realiza a com-presença das três formas do ser. Mas a pessoa se constitui segundo o próprio fim no exercício da moralidade, ou seja da liberdade orientada para o bem, porque somente o bem faz bem, no sentido de que constrói a pessoa na linha do ser e do seu dever ser, enquanto que o mal moral pode satisfazer mas não faz bem. Insere-se o tema da caridade em um discurso antropológico, metafísico e teológico, todo orientado para a pessoa. Não se dá pessoa sem as três formas do ser (eis a equivalência), mas a pessoa se realiza através de escolhas morais orientadas para o bem objetivo (eis o primado). A vontade livre é o vértice da pessoa, o ponto de Arquimedes sobre o qual se constrói e se move toda a antropologia rosminiana. A escolha agápica, na medida em que celebra o encontro com a escolha fundamental de Cristo e da sua pro-existência de amor e de doação, seja em relação ao Pai que em relação a nós, realiza a pessoa segundo o projeto de Deus Criador e Pai.

3. A unidade da educação
Se o nosso tempo é tempo de fragmentação e de desorientação, emergência educativa deve significar busca pela unidade e pela capacidade de orientação. Já no iluminismo alemão, um pensador como G. E. Lessing tinha trazido à tona a ideia segundo a qual a Revelação representa para a humanidade aquilo que a educação exprime no relacionamento como indivíduo. Neste sentido, a Revelação é orientação, aquela “estrela” que a Fides et ratio indica como ponto de referência imprescindível num contexto nômade como o atual.
A época da desorientação apresenta como própria componente não marginal e não meramente epistemológico a fragmentação do sentido e do saber que nele se produz. Como escreve a Fides et ratio: “É de se observar que um dos dados mais relevantes da nossa condição atual consiste na ‘crise do sentido’. Os pontos de vista, frequentemente de caráter científico, sobre a vida e sobre o mundo multiplicaram-se de tal maneira que, de fato, assistimos ao afirmar-se do fenômeno da fragmentariedade do saber. Exatamente isso torna difícil e certamente vã a busca por um sentido. Pelo contrário – o que é ainda mais dramático –, neste emaranhado de dados e de fatos entre os quais se vive e que parecem constituir a trama mesma da existência, não poucos são os que se perguntam se existe ainda algum sentido colocar-se a perguntar pelo sentido. A pluralidade das teorias que se disputam como resposta, ou os diversos modos de ver e de interpretar o mundo e a vida do homem, apenas aguçam esta dúvida radical, que facilmente desemboca num estado de ceticismo e de indiferença ou nas diversas expressões do niilismo” (FeR, 81).
Neste contexto de “desespero epistemológico” e de dispersão antropológica, uma mensagem particularmente iluminadora das trevas da noite do mundo é a que emanda da expressão adotada por Franz Rosenzwig como “ponto de Arquimedes” da própria reflexão, e que João Paulo II inseriu na Fides et ratio (n. 15): “A Revelação cristão é a verdadeira estrela de orientação para o homem que avança entre os condicionamentos da mentalidade imanentista e os estreitamentos de uma lógica tecnocrática; é a última possibilidade oferecida por Deus para reencontrar em plenitude o projeto originário de amor, iniciado com a criação. Ao homem desejoso de conhecer o verdadeiro, se ainda for capaz de olhar para além de si mesmo e alçar o olhar para além dos próprios projetos, é dada a possibilidade de recuperar o genuíno relacionamento com a sua vida, seguindo a estrada da verdade. As palavras do Deuteronômio podem muito bem ser aplicadas nesta situação: ‘Porque este mandamento que, hoje, te ordeno não é demasiado difícil, nem está longe de ti. Não está nos céus, para dizeres: Quem subirá por nós aos céus, que no-lo traga e no-lo faça ouvir, para que o cumpramos? Nem está além do mar, para dizeres: Quem passará por nós além do mar que no-lo traga e no-lo faça ouvir, para que o cumpramos? Pois esta palavra está mui perto de ti, na tua boca e no teu coração, para a cumprires’ (30, 11-14)”. A este texto faz eco o famoso pensamento do santo filósofo e teólogo Agostinho: “Noli foras ire, in te ipsum redi. In interiore homine habitat veritas”. Voltando à fórmula da Revelação-orientação é retomada a necessidade de colher o nexo inscindível entre pessoa e verdade que o ‘pensamento revelador’ reconhece como constitutivo de um autêntico e libertador conhecimento. Tal vínculo foi tematizado pelo pensamento contemporâneo em algumas de suas figuras representativas e foi eficazmente exposto nas páginas introdutórias do importante volume de Luigi Pareyson intitulado Verità e interpretazione: “quando a liberdade cessa de reger o vínculo originário de liberdade e pessoa, tudo se transforma. A verdade desaparece, deixando o pensamento vazio e desancorado, e desaparece também a pessoa, reduzida da mera situação histórica. A harmonia entre dizer, revelar e exprimir, se rompe, e todos os relacionamentos ficam confusos e profundamente alterados. (...) Sem verdade, o aspecto revelador da palavra é puramente aparente e se reduz a uma racionalidade vazia e privada de conteúdo; não mais referida à pessoa na sua abertura reveladora, mas à situação na sua mera temporalidade, a expressão se torna inconsciente e oculta” (L. Pareyson, Verità e interpretazione, Mursia, Milão, 1982, p. 19).
A tarefa educativa e a ação pedagógica só são possíveis na medida em que a busca pelo verdadeiro, pelo bem e pelo belo seja vivida numa relação interpessoal e dialógica, pela qual nunca será vão repetir a advertência rosminiana com a qual concluímos esta nossa reflexão: “Somente grandes homens podem formar outros grandes homens” (A. Rosmini, Delle cinque piaghe della Santa Chiesa, a cura di N. Galantino, San Paolo, Cinisello Balsamo, 1997, n. 27, p. 48; n. 34, p. 160).

* Extraído da página italiana de Comunhão e Libertação e traduzido por Paulo R. A. Pacheco sem revisão do autor.

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