quarta-feira, 10 de março de 2010

O feio e o bonito


Hoje, no metrô, lendo "Notre-Dame de Paris", de Victor Hugo, topei com um trecho de uma delicadeza sem igual. Quasimodo, o Corcunda de Notre-Dame, diante da beleza de Esmeralda, a cigana bailarina, se dá cada vez mais conta de sua feiúra, do seu limite... mas, ao mesmo tempo, parece adivinhar, no meio do feio, algo de belo... enquanto descobre também, no meio do belo, algo de feio (Phoebus, o belo soldado por quem Esmeralda se apaixonara, dá sinais de que não é tão belo quanto a figura deixava entrever)... Instante depois de instante, o abismo de feiúra de Quasimodo torna mais evidente, ecoa mais potentemente, o clamor pela profunda Beleza - abyssus abyssum invocat.

"Quelque fois, le soir, elle entendait une voix cachée sous les abat-vent du clocher chanter comme pour l'endormir une chanson triste et bizarre. C'étaient des vers sans rime, comme un sourd en peut faire.

Ne regarde pas la figure,
Jeune fille, regarde le coeur.

Le coeur d'un beau jeune homme est souvent difforme.
Il y a des coeurs où l'amour ne se conserve pas.

Jeune fille, le sapin n'est pas beau,
N'est pas beau comme le peuplier,
Mais il garde son feuillage l'hiver.

Hélas! à quoi bon dire cela?
Ce qui n'est pas beau a tort d'être;

La beauté n'aime que la beauté,
Avril tourne le dos à janvier.

La beauté est parfaite,
La beauté peut tout,
La beauté est la seule chose qui n'existe pas à demi.

Le corbeau ne vole que le jour,
Le hibou ne vole que la nuit,
Le cygne vole la nuit et le jour.

Un matin, elle vit, en s'éveillant, sur sa fenêtre, deux vases pleins de fleurs. L'un était un vase de cristal fort beau et fort brillant, mais fêlé. Il avait laissé fuir l'eau dont on l'avait rempli, et les fleurs qu'il contenanit étaient fanées. L'autre était un pot de grès, grossier et commun, mais qui avait conservé toute son eau, et dont les fleurs étaient restées fraîches et vermeilles."
HUGO, Victor. Notre-Dame de Paris - 1482. Paris: Pocket, 1998, pp. 454-455.

"Algumas vezes, à noite, ela escutava uma voz escondida sob o quebra-vento do campanário cantando, como que para fazê-la dormir, uma canção triste e estranha. Eram versos sem rima, como um surdo é capaz de fazer.
Não olha a figura, / Moça, olha o coração. / O coração de um belo rapaz é na maior parte da vezes disforme. / Há corações onde o amor não se conserva. / Moça, o pinheiro não é belo, / Não é belo como o álamo, / Mas ele mantém sua folhagem no inverno. / Ai! por que dizer isso? / O que não é belo não tem razão de ser; / A beleza só ama a beleza, / A primavera vira as costas para o inverno. / A beleza é perfeita, / A beleza pode tudo, / A beleza é a única coisa que não existe pela metade. / O corvo só voa de dia, / A coruja só voa de noite, / O cisne voa noite e dia.
Uma manhã, ela viu, ao despertar, na janela, dois vasos cheios de flores. Um era um vaso de cristal muito bonito e brilhante, mas rachado. Ele havia deixado escapar a água de que estava cheio, e as flores nele contidas estavam murchas. O outro era um pote de argila, grosseiro e comum, mas que havia conservado toda a sua água, de forma que as flores nele contidas estavam frescas e vermelhas."

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