Em 1995, meu pai, que hoje completaria 72 anos de idade, escreveu este texto.
Simplesmente “porque creio” ou “porque acredito que Ele existe” ou “porque tenho o direito de acreditar naquilo que eu quero acreditar...”?
No primeiro impulso, são tantas maneiras para tentar responder, mas de um jeito evasivo sem muita consistência, sem muita ou nenhuma convicção. São respostas como que para sair do passo, para os outros escutarem, nos deixarem sossegados e não acreditarem; pois se empregamos essas respostas como testemunho capaz de levar os outros a acreditarem em Deus, creio que o cristianismo já teria acabado há muito tempo.
A pergunta é muito mais profunda e me coloca diante de um enfrentamento, diante do espelho da própria vida: Por que creio em Deus? O que me levou a acreditar nEle? Quando e como tomei consciência disso? Assumi essa crença, essa fé? Estou sendo coerente?
Agora começa uma outra história: primeiro, a minha identidade como crente; segundo, a imagem de Deus que criei para mim. E é aqui que a “porca torce o rabo”.
Voltar os olhos para trás e rever a própria caminhada pode ser doloroso. Só o fato de rebobinar o filme alguns anos para trás, já nos deixa apreensivos. Tentamos rever somente as melhores partes, as melhores tomadas, as mais agradáveis, e aí, então, revemos o filme aos pulos, como aquela historinha das pegadas na areia...
Mas isto faz parte da própria condição humana. Quantas vezes meditei, me perguntei, tentei rever aquele filme? Não sei responder. E agora, neste instante, procurando dar resposta, não como realização de um exercício intelectual, me deparo com o espelho na mão virado de costas e descubro que tudo que escrevi acima é um amontoado de arrazoados que se atropelam em minha mente e me fazem retardar a resposta, numa estratégia de ganhar tempo para acomodar minha consciência à vã esperança de encontrar, talvez, uma frase de impacto, ou bonita ou bíblica para parecer religioso ou quem sabe até uma frase “teológica” para parecer mais profundo. Graças a Deus, há razões que o coração ignora. Ah, o coração!
E que seria de mim, se fosse apenas intelecto ou só coração? E, se fosse intelecto e coração? Mas, graças a Deus, não sou apenas isso: intelecto e coração. Sou também, consciência, vontade, desejo, livre escolha, senso crítico, caminhante que sofre os percalços externos do caminho e procura caminhar acompanhando o compasso de meus companheiros, apesar de minhas limitações e de minhas fraquezas. Ai de mim se caminhasse sozinho.
Foi neste caminhar solidário, a dois, a seis, a cem... que fui encontrando respostas, fui deslumbrando novas faces de Deus que algumas vezes me enganaram, me frustraram, me deixaram cheio de dúvidas, em revolta, com mágoa, em aridez e apatia, com vergonha... Mas o Bom Deus, que é Pai, que é Mãe, que é Caminheiro-Companheiro, paciente e misericordioso se encarregou de ir me mostrando Suas outras faces, aquelas que não enganam, que não aprisionam, que não alienam, que respeitam a liberdade, que dignificam o homem, que humanizam sua vida e o tornam agente de sua própria história.
História que, sim, assumida com amor, pode transformar a face do mundo e transfigurar na humanidade a face de Deus, do Deus de Jesus Cristo. É esta FACE de DEUS que ainda estou procurando e desde já conto com Sua Graça, com Seu Amor para que eu possa ser o espelho virado que reflita Sua IMAGEM aos irmãos que se aproximarem de mim. Até quando, Senhor, serei um espelho embaçado?
É por Tua Graça que creio em Ti, é pela Palavra de Teu Filho que creio em Ti, é pelo sopro de Teu Espírito que sou impelido para Teu colo acompanhando a corrente de homens e mulheres que Te procuram para juntar-se ao mar de Teu Amor.
Senhor, eu desejei ser honesto, nesta apresentação de razões onde procuro responder àquela pergunta primeira. Tu me conheces por dentro e por fora, não sei se as incoerências de minha vida permitem explicitar a minha fé em Ti; por isso, Te peço com as palavras de Teu amigo Pedro: "Aumenta a minha fé". Quero ainda te pedir perdão, fazendo minhas as palavras de Teu servo cego: "Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim" e finalmente, permita-me Te confessar com as palavras de Tomé: 'Meu Senhor e meu Deus".
José Arnoldo Pacheco Ruiz (1938-2005)
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