quinta-feira, 17 de junho de 2010

É verdade que a beleza das coisas “zomba” da nossa infelicidade?


por Laura Cioni

Edith Wharton, escritora americana que viveu entre os séculos XIX e XX, amiga de um círculo de artistas entre os mais refinados da época, culta e conhecedora de toda a Europa, ambienta uma obra-prima como é o breve romance que tem como título o nome do protagonista – Ethan Frome – nas regiões frias e arborizadas da Nova Inglaterra.
Não se trata do usual triângulo amoroso, mas do florescimento de uma compreensão cheia de paz no meio de duas solidões marcadas pela dor da vida. O amor é contado com uma delicadeza incomum, assim como o reflexo que a natureza tem na alma de Ethan. Ele é um homem desafortunado; depois de ter cuidado do pai e da mãe que ficaram loucos, trabalha em uma fazenda recebendo renda suficiente para viver de modo modesto, casa-se com uma mulher que se revela, logo, hipocondríaca. Acolhe, então, na sua família, a prima de sua esposa, Mattie, que é sozinha no mundo e se ofereceu para ajudá-lo. Com ela nasce uma compreensão silenciosa e, depois, pouco a pouco, expressa mais com olhares e restos de palavras do que com outros gestos declarados. Mas a saúde da mulher se agrava, Mattie deve partir para dar lugar a uma enfermeira.
Ethan se encontra, então, impotente e não consegue manter a mulher consigo; eis a sua última noite antes de partir: “Enquanto estava ali, deitado, o vidro da janela em frente dele, clareando lentamente, incrustou na obscuridade um quadrado de céu coberto com o claro da lua. A janela era atravessada por um galho torto, um galho da macieira sob a qual, às vezes, nas noites de verão, voltando da serraria, encontrava Mattie sentada. Lentamente, a borda do vapores de chuva pegou fogo e queimou, e no azul pairou uma lua pura”.
“Ethan, levantando-se sobre os cotovelos, observou a paisagem que, sob a ação escultora da lua, embranquecia e tomava forma. Era a noite na qual devia levar Mattie para baixo com o trenó, e eis que, lá em cima, a lâmpada que os teria iluminado já estava suspensa! Olhou para fora, em direção das encostas imersos na luminosidade, a obscuridade da floresta ornada de prata, o púrpura espectral das colinas com o céu ao fundo, e pareceu quase que a beleza da noite se tivesse desdobrado inteira para zombar da sua infelicidade”.
Na introdução do romance, a escritora sustenta que o assunto contém sua forma e dimensões e que o relato pede uma forma áspera e resumida de escrita, como é a vida dos seus personagens. Escolhe contar de modo impessoal, método já em parcial declínio nos anos da sua produção, mesmo porque a reticência dos outros personagens não lhe permite outras modalidades de desenvolvimento do assunto.
Enfim, ela observa como é importante que o autor diga aos leitores o motivo para realizar a obra e como ele escolhe uma forma para dar-lhe corpo. A intenção primeira deve ser sentida e perseguida quase que instintivamente por quem escreve, “antes que, na sua criação, possa intervir aquele algo a mais de imponderável, que faz com que se circule ao redor da vida e a preserve um pouco mais do declínio”.

* Extraído de IlSussidiario.net, do dia 17 de junho de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

Nenhum comentário: