quarta-feira, 16 de junho de 2010

A leiga França pede ajuda à religião...



... mas não tem coragem de falar disso!

Por David Blázquez

A França está vendo reacender-se, nas últimas semanas, o debate sobre a laicidade. Alguns fatos contribuíram para isso: a proposta de lei promovida por Sarkozy sobre o veto da burca em todos os lugares públicos, os ataques israelenses de alguns dias atrás, ou os disparos de metralhadores em uma mesquita de Istres, no sul da França. São apenas três exemplos dos contínuos problemas em matéria de convivência que atormentam continuamente a nação que é o berço da laicidade.
Todos estes eventos colocam de novo nas primeiras páginas dos jornais o debate sobre um modelo de convivência que parece não conseguir responder aos desafios de um mundo, e de uma Europa cada vez mais obrigada a repensar-se em termos de relação real e não mais de tolerância abstrata.
Recentemente, foi publicado no Le Monde um artigo do Grande Rabino da França, Gilles Bernheim. Nesse artigo, a voz pública do judaísmo francês se exprimia muito claramente: “as religiões podem contribuir para a criação de uma França mais pacífica”. Palavras que não podem ser dadas como óbvias no país que, junto com a “moderna” Turquia, realizou fielmente o projeto de transformação do espaço público-concreto em um espaço vazio-abstrato. “Cada uma das grandes religiões e filosofias presentes em nosso país” – continuava Bernheim – “possui tesouros de razão, justiça e paz que devem ser mobilizados para ajudar a República”, porque “para além das divergências dogmáticas, todos os homens de boa fé podem se entender”.
Mas, como retomar aquele caminho de entendimento que, aparentemente, se fechou? Bernheim, partindo de uma tradição religiosa ancorada na experiência da concretude do relacionamento humano e da importância dos lugares, insiste sobre a necessidade de sair dos termos abstratos do debate. É preciso retomar a “discussão face a face, olhos nos olhos, fugindo do prazer fácil dos monólogos” e saber que “a história não é uma fantasia, mas se constrói, agora e sempre, ancorada em lugares precisos”. É necessário “servir-se do patrimônio da nossa experiência (...) para encontrar, entre nós, os olhares, os gestos e as palavras que nos permitirão criar, onde estamos, a paz, a disciplina, a solidariedade e a dignidade”.
Neste sentido, deveria ser muito mais frequentemente retomado, e sobretudo aplicado concretamente, o discurso pronunciado pelo presidente Sarkozy em São João de Latrão, em dezembro de 2007. Diante de Bento XVI, ele disse, naquela ocasião: “espero profundamente o advento de uma laicidade positiva, ou seja, de uma laicidade que, mesmo vigiando sobre a liberdade de pensar, sobre a liberdade de crer ou não crer, não considera que as religiões sejam um perigo, mas sim um ponto a favor. Trata-se (...) de procurar o diálogo com as grandes religiões da França e de ter como princípio facilitar a vida cotidiana das grandes correntes espirituais mais do que tentar complicá-la para eles”.
Naquela ocasião, a França laicista deu uma lição teórica de verdadeira laicidade a toda a Europa. Terá a coragem, como reivindica Bernheim, de permitir as suas consequências práticas e as suas traduções concretas? E sobretudo, haverá alguém na França que terá a audácia de empreender isso?

* Extraído de IlSussidiario.net, do dia 16 de junho de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco. 

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