quarta-feira, 16 de junho de 2010

A pergunta pelo sentido: um “discurso inútil” e, por isso, mais verdadeiro

por Francesco Ventorino

Elogio del discorso inutile (Elogio do discurso inútil; ndt) é a obra que melhor do que qualquer outra caracteriza a virada cultural e espiritual que marcou os últimos vinte anos da vida de Pietro Barcellona. Desde a sua militância no Partido Comunista, depois da queda do muro de Berlim e a consequente e dramática evidência das degenerações dos regimes comunistas estruturalmente ligados à luta do proletariado, através do trabalho de uma revisão profunda da sua personalidade, Barcellona chegou, como uma certa “ressurreição da consciência de si”, a um ponto no qual tudo é recuperado, sobretudo o seu passado, nos desejos mais profundos que o haviam marcado. Importantes – diria decisivos – foram para ele os encontros feitos.
“Não se pode comprar a nenhum preço a alegria de estar vivos depois de uma noite de tempestuosa cruzada no céu. O ‘sem preço’ do excedente é o valor das relações entre o eu e o mundo, entre si e o outro, que não se pode reduzir a valor de troca e que não é calculável com critérios de medida utilitários” (p. 16) 
Poder-se-ia dizer que a história de si que Barcellona quer contar é uma exaltação do incalculável, como sentido e fundamento de esperança pela existência humana, da “irrupção do impensado” e da “experiência do excedente”, que podem ser descritos apenas com a “linguagem incomensurável da alegria da vida” ou, se quisermos, do discurso inútil.
É uma oposição clara contra a pretensão de reconduzir tudo àquilo que é explicável e à linguagem científica como algo que a tudo compreende que, na época atual, parece ser a única via de acesso a uma verdade qualquer. A subjetividade humana na sua exigência de compreender e falar da realidade não se deixa constranger por uma descrição ou explicação científica. É necessário, portanto, dar espaço a discursos “alternativos”. Em primeiro lugar ao discurso psicanalítico.
“Amadureci, no curso da minha vida e das minhas experiências, a profunda convicção de que o discurso psicanalítico não é capaz de responder aos cânones da razão de cálculo e que não existem resultados práticos causalmente imputáveis a alguma modificação fisiobiológica. (...) Por isso, acredito que a psicanálise tenda a realizar uma compreensão do mundo e de si mesma não como aprendizado de técnicas comportamentais úteis para agir em uma determinada situação” (p. 68).
Se a psicanálise tende a realizar “uma compreensão do mundo e de si mesma”, ela se abre inevitavelmente ao discurso filosófico ou à busca do originário. Aquele discurso – confessa Barcellona – que, desde quando era um garoto, o atraiu, com uma modalidade quase “socrática”, e que o marcou, em seguida, por toda a vida.
Neste ponto, o autor se pergunta por que a filosofia no curso da história tenha parado de ser um discurso inútil, isto é, “tendido a compreender a si mesmo” e se tenha transformado em discurso instrumental, isto é, voltado “a explicar o porquê dos eventos que acontecem ao longo do caminho da nossa existência”. Eis a resposta:
“A trágica experiência da falência da possa da verdade absoluta, sem sombras nem mistérios, impulsionou os filósofos a substitui-la pela ‘certeza’ adquirida através da experimentação das hipóteses, como resultado de um método ‘científico’, fundado sobre regras precisas. Enquanto o discurso filosófico acaba coincidindo completamente com a filosofia da ciência, seria preciso, pelo contrário, recomeçar da derrubada da relação entre pensamento e vida efetiva, e voltar a recuperar a ‘inútil’ elementariedade da filosofia como ‘vida que se sabe’, para compreender que a ‘verdade’ está na experiência imediata que cada um faz do relacionamento entre si, os outros e o mundo” (p. 104).
O que há, portanto, por trás da redução da pergunta pelo especificamente humano a lógica, epistemologia e teoria do conhecimento?
“É um trabalho de remoção do problema da finitude dos ‘seres mortais’”.
É a negação da parte do homem da pertença originária e constitutiva do seu ser que nos levou à época da “morte de Deus” que é seguida da época da “morte do homem”.
“Como consequência extrema da vontade de matar a deus, hoje, com as teorias pós-humanas, neuro-científicas e cognitivistas, estamos diante de uma tentativa de ‘matar o homem’, colocando em crise a dimensão da ‘subjetividade espiritual’ que o acompanhou durante o caminho histórico” (p. 125).
E no entanto, no coração de cada ser humano, permanece “o sentido profundo da dimensão religiosa” como “busca de um caminho de salvação, que não é apenas a esperança de um perdão das próprias culpas, mas sobretudo é o desejo de conservar, para além da soleira do obscuro silêncio, os afetos e o sentido da própria existência” (p. 131).
Vem ao encontro desta exigência, de modo impensado e impensável, o cristianismo, graças à sua extraordinária inovação introduzida por Cristo na história da condição humana.
“O evento do nascimento de Cristo é um sobressalto do Universo que se rebela contra o próprio destino mortal; é uma energia que não reenvia a nada mais do que à própria manifestação,que irrompe na história humana e suspende o seu fluxo, porque a sua presença plena só é pensável na medida em que é compreendida como evento instantâneo, sem pressupostos” (pp. 134-135).
Na conclusão da obra, o autor confessa que o discurso religioso, que encontro no anúncio do evento cristão o seu cume de significado para a existência humana e a sua salvação do nada, é aquele discurso inútil no qual se realizam todos os outros discursos, porque
o ser humano não pode saber-se, no seu ser ‘fora de medida’, no seu ser submetido às leis do tempo e da morte, se não encontra na própria existência a explosão do Evento absoluto, no qual o filho do homem e o filho de Deus se reúnem no amor” (p. 148).
Confissão que me comove porque diz respeito a mim pessoalmente. Barcellona, de fato, reconhece que este encontro, para ele, aconteceu através de “um padre, de quem me tornei amigo nestes últimos anos” (p. 147).

* Extraído de IlSussidiario.net, do dia 15 de junho de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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