terça-feira, 29 de junho de 2010

Por que se confunde a liberdade de informação com a fofoca midiática?


Entrevista feita com Pietro Barcellona. Realizada por Federico Ferraù

Pietro Barcellona é filósofo e professor de Filosofia do Direito na Universidade da Catânia. É membro leigo do Conselho Superior da Magistratura, na Itália. “Neste país – disse Barcellona –, de fato, não é mais possível discutir, porque quem expressa uma opinião deve, imediatamente, ser partidário de um lado ou de outro”.

O que faz o senhor se sentir incomodado, professor?
Vivemos imersos em um clima de maniqueísmo extremista que está se tornado cada vez mais uma forma de pensamento único, e que representa uma patologia grave da vida democrática. Pessoalmente, não partilho desta batalha tão furiosa contra o risco da mordaça e a favor da liberdade absoluta de escuta telefônica de quem quer que seja.

Nem mesmo quando este é o único instrumento para descobrir crimes graves?
Todos os delitos devem ser descobertos e, para isso, é preciso dotar-se de instrumentos para fazê-lo. Mas, olhemos para a realidade dos fatos. Vimos de uma experiência muito longa de interceptações realizadas por centros de poder, sobre as quais ainda não temos nenhuma clareza. Pessoas como Giuliano Tavaroli e Gioacchino Genchi – e muitos outros antes deles – dedicaram tempo e recursos para “escutar” a vida democrática, construindo não averiguações da verdade, mas dossiês chantagistas que serviram apenas para desestabilizar o país.

Interceptamos ou não interceptamos ligações telefônicas?
Penso que o tema das escutas não possa mais ser visto apenas sob o ponto de vista da busca da verdade sobre os inimigos da máfia, sobre crimes mais graves e sobre tudo o que respeita ao código penal. As escutas telefônicas já fazem parte do contexto geral da nossa vida pública. É verdade que deram alguns resultados muito importantes quanto aos crimes de mafiosos, mas em 80% dos casos seu uso foi absolutamente anômalo e serviu para construir, em sinergia com o sistema midiático, processos mais ou menos fantasiosos sem nenhuma comprovação verdadeira.

O senhor, enfim, dá prevalência à privacidade.
Está vendo? Essa é a falsa contraposição. A vida privada é um grande bem, mas o verdadeiro tema é: nesse país, o que serve para se ter acesso à verdade dos fatos? O problema da verdade absorve tanto o problema da tutela da liberdade de imprensa, quanto a tutela do cidadão privado que pretende muito justamente a reserva. O uso indiscriminado das interceptações telefônicas, pelo contrário, levou a uma manipulação contínua da verdade.

Por exemplo?
Penso em Ottaviano Del Turco. Veio à tona uma encenação midiática na qual Del Turco, imerso em uma série de acusações que vinham em grande medida das escutas e das declarações dadas, mais ou menos livremente, por arrependidos, aparecia como um dos maiores criminosos da nossa vida pública.

Falemos da imprensa. A mídia, favorável ou contra o governo, falou de lei-da-mordaça.
Eu não acredito que se deva colocar a mordaça na imprensa. Ela deve ser livre, mas isso não significa que se pode fazer um jornalismo que nunca cita as fontes, no qual tudo se confunde.

Explique-se melhor.
Se eu leio, por exemplo, os artigos  sobre a “panelinha” de Balducci e Anemone, não consigo mais distinguir o que foi extraído da escuta, do que foi declarado ao magistrado (por quem foi interrogado), da reconstrução que o jornalista faz da história, e das declarações que circulam em certos ambientes. São quatro planos que se entrecruzam e que formam um todo único no qual os fatos esvanecem nas conjecturas ou nas reconstruções cheias de interesse. Deduzo a convicção de que Balducci e Anemone provavelmente cometeram certos atos, mas nenhuma das coisas reportadas contém um mínimo de indicação para verificar a veracidade das coisas ditas.

O senhor falou de “manipulação da verdade” induzida pelo uso distorcido das escutas. Não lhe parece exagerado?
Aqui, não me interessa a verdade com V maiúsculo, ma a verdade pública. O último livro de Priore e Fasanella demonstra que este país, desde o Caso Moro, foi objeto de desestabilizações organizadas por poderes ocultos. Mais do que se ocupar de como se pode enfrentar o tema da verdade dos fatos que dizem respeito à vida coletiva, somos chamados a escolher de que lado ficar: mas é uma falsa alternativa, porque o interceptador é sempre um homem santo, enquanto que o interceptado é sempre um réprobo. Nesse caminho, eu não fico, porque não ajuda a ninguém.

Como é possível “colocar-se na ótica do interesse coletivo, para a transparência e para a verdade”, como o senhor escreveu recentemente?
Seria necessária uma reforma política, jurídica e moral. Temo que nenhum dessas, sozinha, bastaria para mudar a mentalidade das pessoas. Se, pelo contrário, cada um pensa poder ser juiz de tudo, como acontece agora, toda reforma seria inútil. Quem é magistrado, que seja magistrado. Quem é jornalista, que seja jornalista.

Valerio Onida nos disse, certa vez, que o direito de informação, ou seja, de informar e ser informados, não pode ser anulado em nome de uma exigência de privacidade. O que o senhor pensa a esse respeito?
Estimo Onida, mas a sua resposta reflete aquela impostação que “rompe” com a complexidade do problema. Hoje, a comunicação não é mais a de meio século atrás. Se um jornal difunde a notícia que uma pessoa vai ser presa porque um crime lhe foi contestado, essa pessoa, na opinião pública, é presa por ter cometido aquele crime. Isto é comunicação? É liberdade de informação?

O que mais é liberdade informação, além de ser um direito garantido pela Constituição?
É aquilo que eu dizia no início: é o direito que os cidadãos temos de conhecer a verdade dos fatos sobre os quais se fundamentam as grandes decisões. É o primado da verdade dos fatos sobre as opiniões pessoais, que deve ser posto como premissa de todo raciocínio sobre a informação. Nenhum conflito puramente objetivo entre uma pessoa que deve acusar e outra que deve defender produzirá alguma verdade estável.

Estamos realmente seguros de que a introdução de novas regras, além daquelas que já existem, leve realmente a uma solução dos problemas?
Não sei. O que eu considero relevante é que não podem existir fontes ocultas e que quem dá notícias deve sempre poder dizer de qual fonte se serviu. Mas sobretudo, sou contra a ideia – que alguns querem fazer valer a todo custo – de que, neste momento, exista o risco de uma mordaça sendo imposta à imprensa. Parece-me absolutamente infundada.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 31 de maio de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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