Entrevista realizada por Lorenzo Fazzini
Um “desafio” saudável lançado aos ateus para que sejam, de verdade, sem ídolos. E continuem capazes de se abrir a “uma espera do inesperado” que pode ter o rosto de Cristo, o Deus recusado pelos crentes de seu tempo. Fabrice Hadjadj, filósofo francês, convertido ao cristianismo, vai falar esta noite na Universidade Católica de Milão (na Aula Magna, às 21h), sobre “Modernidade e modernismo. A propósito do senso religioso”
Deus. Podemos falar disso com os não crentes?
É preciso reconhecer que a primeira dificuldade consiste no discutir a esse respeito com os crentes. É o Evangelho que nos ensina: Jesus não se dirige aos ateus, mas aos especialistas da fé, escribas e fariseus. Ele quer revelar a eles o mistério do Pai. Mas, eles não o compreendem, e acabam por crucificá-lo. É difícil para nós admitir que foram alguns crentes que levaram o Filho de Deus à morte. Quando se acredita, seria necessário lutar para não reduzir Deus a um pequeno ídolo doméstico. Este nome deveria nos abrir a garganta como um abismo. E, no entanto, nós o pronunciamos como uma banalidade conceitual. Se o pronunciássemos com a vertigem do apaixonado! Antes da minha conversão, não suportava que se pronunciasse a palavra “Deus”: eu a considerava como um coringa jogado sobre a mesa, traiçoeiramente, durante uma partida de cartas. Soava-me como um modo de evitar os problemas e entender mal a tragédia da vida.
Como “verificar” a ideia, frequentemente confusa, de Deus?
Ele não abole o drama da existência, mas o realiza. É o que revela o mistério da Cruz. Os crentes o crucificam acima de Deus, e no entanto Deus clama a Deus: Por que me abandonaste? Não é algo de abissal? Não é, talvez, verdade que isto destrói todos os nossos ídolos e nos leva ao drama do “amor forte como a morte”? É preciso que os crentes reconheçam tal drama e vivam o segundo mandamento, que nos pede para não pronunciar em vão o nome de Deus. Os não crentes poderiam entendê-lo melhor.
O senhor fala por experiência?
Sim. A minha conversão foi também “linguística”. Descobri que o significante “Deus” correspondia à verdade do “Sim” de Friedrich Nietzsche e do “Aberto” de Rainer M. Rilke. E que não era uma postura poética ou um conceito filosófico, mas a realidade de uma Pessoa que me havia precedido no fundo da obscuridade. “Deus” não significava mais uma solução, mas uma aventura. Não uma resposta, mas um apelo. Não se trata de uma estratégia de marketing. Quando encontrarmos o melhor modo de falar de Deus, não será mais seguro que o outro, nos escutando, se converta. Se falarmos de Deus imitando a força de Jesus, alguns se converterão, outros acabarão nos crucificando. É o sinal de que, finalmente, falamos bem.
O senhor definiu a espiritualidade como “um truque do diabo”. Sobre o que discutir com os ateus?
Sobre a sexualidade. No meu Mística da Carne mostro que o sexo nos remete à profundidade autêntica, até às vísceras de Deus. No princípio, Deus cria o homem à sua imagem, homem e mulher, de modo que a sua relação sexual, com a sua fecundidade natural, se torne a imagem da Trindade. Qualquer que seja o ponto de partida – uma margarida ou um caramujo –, se falarmos corretamente, chegaremos inevitavelmente a Deus: ele não é relegado às alturas, mas comparece no mais “baixo”. O cristianismo é o contrário do espiritualismo, é espiritualidade da encarnação: o Verbo se fez carne e se dá a nós através de um ato espiritual e carnal, a eucaristia. Os sacramentos são os toques de Cristo. Para ir em direção a Deus temos que nos aproximar daquele padre que nos é antipático, daquele cristão que nos enche a paciência na cadeira ao lado, daquele pobre para convidá-lo à mesa.
Recentemente, a apologética se recuperou. Mas o senhor não escreveu palavras ternas a esse respeito...
Não tenho nada contra a apologética. Pois é o que eu mesmo tento fazer agora. Mas tem o perigo de permanecer no nível do debate de ideias. O cristianismo não diz respeito a uma ideologia: é uma vida. E a sua alma se encontra no amor. Quando separamos o amor da verdade caímos no sentimentalismo. E se afastamos a verdade do amor, terminamos no dogmatismo. A Verdade própria do cristianismo é uma Pessoa, não uma teoria. E Deus mesmo não é uma natureza anônima, mas uma comunhão de Pessoas. Muitas sabedorias filosóficas pretendem que a realização do homem consista num conhecimento teórico ou num estado de serenidade. O cristianismo propõe outra coisa: um encontro. Para fazer boa apologética é preciso isto: antes do confronto ideal, maravilhemo-nos com o rosto do nosso interlocutor; e mesmo se ele não entender nada e, no fim, nos encher a paciência, continuemos a admirar nele a maravilha que Deus contempla e que ele mesmo, o ateu, ignora.
No seu livro-entrevista, Bento XVI sublinha a relação, positiva e fecunda, entre cristianismo e modernidade. Quais são os aspectos dessa relação que enriquecem a fé?
A modernidade traz duas exigências. A primeira é de natureza crítica: o homem moderno recusa receber algo tão somente porque seja transmitido por seus pais. Reclama razões e quer compreender. Mas pode ser ambígua: ou conduz a um dobrar-se mortal sobre si mesma ou conduz a uma maior inteligência da fé. Segundo: o homem moderno deseja uma plenitude “aqui e agora”. Por isso, rompe com o além. Ora, o nó é que nunca estamos “aqui e agora” para nós mesmos. O tempo foge e, quando estamos em algum lugar, projetamos ir para outro. Faltamos à presença. Nunca estamos uns com os outros. Para estarmos completamente presentes, temos que coincidir com o ser e poder dizer: “Eu sou aquele que sou”. Este é o privilégio do Eterno. Por isso, voltar-se para Ele não é fugir do “aqui e agora”, mas nos aproximarmos dele e buscar ser mais presentes a tudo e a todos.
No seu A fé dos demônios o senhor critica os “novos ateus” como Michel Onfray, exemplo do ateu “enganado” que “não busca mais”. Os não crentes são todos assim?
Chamo a atenção daqueles ateus que não são aquilo que pretendem ser. Um ateu é alguém “sem deus”, alguém que de se desfazer de todos os ídolos, esforçando-se para não tornar o próprio ateísmo um ídolo. Seria triste libertar-se da religião de Cristo para fabricar para si mesmo uma religião do ateísmo. É o que acontece na maior parte dos casos. Ser verdadeiramente ateus representa algo de verdadeiramente difícil. Quando se abandona o Deus transcendente, confecciona-se para si mesmo outros ídolos: razão, raça, revolução, mercado... Visto que não somos Deus, mas seres de desejo, temos necessidade de um princípio para polarizar as nossas vidas. Tentei ser o mais ateu possível. Ao fim, desembaraçando-me de todos os ídolos, restou em mim a disponibilidade para acolher aquilo que não vinha de mim, aquilo que, para alguns, é a transcendência e que o catecismo chama Revelação. Tal disponibilidade consiste numa abertura para o encontro. Heráclito a definia como “a espera do inesperado”, uma abertura que se oferecer num acontecimento que nos alcança através de uma multidão de testemunhas: a “tradição apostólica”. Uma série de encontros que partiram de Jesus e me alcançaram.
* Extraído do jornal Avvenire, do dia 3 de março de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.
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