Editorial d'O Estado de São Paulo
Mais uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta a escassez de mão de obra qualificada como um dos principais problemas do setor. As empresas nacionais terão cada vez mais dificuldade para competir no mercado global, enquanto não se tratar seriamente a formação de recursos humanos. Fala-se muito de outros tipos de entrave, quando se analisa o poder de competição: os impostos são pesados e pouco funcionais, a infraestrutura é deficiente, o financiamento é caro e o câmbio se mantém valorizado há muitos anos. Fala-se muito menos sobre a qualidade da mão de obra disponível e, no entanto, os principais concorrentes do Brasil cuidam com muito empenho da educação e da qualificação de sua força de trabalho.
Mais de dois terços - 69% - das 1.616 empresas consultadas na pesquisa indicaram dificuldades para recrutar trabalhadores qualificados. A maior escassez é de pessoal para a produção, tanto de nível superior quanto de nível técnico. A pesquisa cobriu atividades extrativas e 26 segmentos da indústria de transformação. Em 12 desses 26 segmentos, 100% das companhias informantes apontaram problemas para contratar operadores de produção. No setor extrativo, a falta de pessoal qualificado foi mencionada por 74% das fontes.
Mas esses números ainda não mostram a mais grave das deficiências. Diante da falta de pessoal com as qualificações necessárias, a maior parte das empresas trata de oferecer treinamento aos trabalhadores. Essa alternativa foi apontada por 78% das companhias consultadas. Mas esse esforço nem sempre dá resultados, porque boa parte da mão de obra disponível carece da formação mínima para receber treinamento profissional. A escassez, portanto, não é apenas de mão de obra qualificada, mas também de mão de obra com preparo suficiente para qualificar-se no trabalho.
Segundo a pesquisa, 86% das pequenas empresas e 77% das grandes têm dificuldade para treinar os trabalhadores. Muitos empregadores se dispõem a investir na formação de pessoal, mas essa disposição não basta para a solução do problema.
A maior parte dos problemas de competitividade da indústria brasileira tem origem fora dos muros da fábrica. Direta ou indiretamente o setor público é responsável por essas dificuldades. Impostos, burocracia, segurança jurídica e a maior parte dos investimentos em infraestrutura dependem da ação governamental, em todos os níveis administrativos e com participação de todos os Poderes. Pode-se alongar essa lista com a inclusão da qualidade do ensino. Embora o setor privado tenha uma importante participação no sistema de ensino, as principais linhas de orientação do setor são definidas pela autoridade estatal.
No Brasil, o poder público tem falhado em atribuir à educação a prioridade compatível com a ambição de construir um país moderno e capaz de ocupar um espaço crescente na economia global. A economia brasileira tornou-se uma das maiores do mundo, mas só se manterá nessa posição se as suas empresas puderem competir com sucesso.
Se todos os demais problemas forem resolvidos, ou pelo menos atenuados, o poder de competição das empresas brasileiras ainda será comprometido pela escassez de recursos humanos qualificados. A universalização do ensino básico, especialmente a partir dos anos 90, foi sem dúvida um avanço importante. Mas é preciso ir muito além desse ponto, até porque as condições do jogo no mercado internacional não são definidas pelo Brasil, mas pelos competidores mais preparados e mais dinâmicos.
A mera multiplicação de cursos não basta para resolver o problema. A política educacional do Brasil, nos últimos oito anos, foi definida principalmente como "política social". Multiplicaram-se faculdades, criaram-se facilidades de acesso aos cursos universitários e realizou-se um grande esforço de "inclusão". Mas essa "inclusão" é ilusória, quando os pilares do sistema - os cursos fundamental e médio - oferecem uma preparação muito precária à maior parte dos estudantes. O Brasil ainda tem cerca de um quinto de analfabetos funcionais na população com idade igual ou superior a 15 anos. Nenhuma discussão séria pode menosprezar esse dado.
* Extraído da versão online d'O Estado de São Paulo, do dia 11 de abril de 2011.
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