segunda-feira, 11 de abril de 2011

Redemptor hominis - I

Faltando pouco menos de um mês para a Beatificação de João Paulo II, resolvi retomar a sua Encíclica inaugural - a Redemptor hominis - e me dei conta do quão atual é, apesar de seus 32 anos de idade. Vou publicá-la, nos próximos dias, aos poucos, aqui.

João Paulo II

Redemptor hominis

aos veneráveis Irmãos no Episcopado
aos Sacerdotes
às Famílias religiosas
aos Filhos e Filhas da Igreja
e a todos os Homens de Boa Vontade
no início do Seu Ministério Pontifical

4 de março de 1979

Veneráveis Irmãos e caríssimos Filhos:
Saúde e Bênção Apostólica!

I. HERANÇA

1. No final do segundo Milênio
O Redentor do homem, Jesus Cristo, é o centro do cosmos e da história. Para Ele se dirigem o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene da história, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo. Efetivamente, este tempo, no qual, depois do predileto Predecessor João Paulo I, por um seu misterioso desígnio Deus me confiou o serviço universal ligado com a Cátedra de São Pedro em Roma, está muito próximo já do ano Dois Mil. É difícil dizer, neste momento, o que aquele ano virá a marcar no quadrante da história humana, e como é que ele virá a ser para cada um dos povos, nações, países e continentes, muito embora se tente, já desde agora, prever alguns eventos. Para a Igreja, para o Povo de Deus que se estendeu — se bem que de maneira desigual — até aos mais longínquos confins da terra, esse ano virá a ser o ano de um grande Jubileu. Estamos já, portanto, nos aproximando desta data que — respeitando embora todas as correções devidas à exatidão cronológica — nos recordará e renovará em nós de uma maneira particular a consciência da verdade-chave da fé, expressa por São João nos inícios do seu Evangelho: “O Verbo se fez carne e veio habitar entre nós”; [1] e em outra passagem “Deus, de fato, amou de tal modo o mundo, que lhe deu o Seu filho unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna”. [2]
Estamos também nós, de alguma maneira, no tempo de um novo Advento, que é tempo de expectativa. “Deus, depois de ter falado outrora aos nossos pais, muitas vezes e de muitos modos, pelos Profetas, falou-nos nestes últimos tempos pelo Filho...”, [3] por meio do Filho-Verbo, que se fez homem e nasceu da Virgem Maria. Com este ato redentor, a história do homem atingiu, no desígnio de amor de Deus, o seu vértice. Deus entrou na história da humanidade e, na medida em que é homem, tornou-se sujeito à mesma, um dos milhares de milhões e, ao mesmo tempo, Único! Deus, através da Encarnação, deu à vida humana aquela dimensão, que intentava dar ao homem já desde o seu primeiro início e deu-lha de maneira definitiva — daquele modo a Ele somente peculiar, segundo o seu eterno amor e a sua misericórdia, com toda a divina liberdade — e, simultaneamente, com aquela munificência, que, perante o pecado original e toda a história dos pecados da humanidade e perante os erros da inteligência, da vontade e do coração humano, nos permite repetir com assombro as palavras da Sagrada Liturgia: “Ó ditosa culpa, que tal e tão grande Redentor mereceu ter”. [4]

2. Primeiras palavras do novo Pontificado
A Cristo Redentor elevei os meus sentimentos e pensamentos no dia 16 de outubro do ano passado, quando, após a eleição canônica, me foi feita a pergunta: “Aceitais?”. E eu respondi então: “Com obediência de fé em Cristo, meu Senhor, e confiando na Mãe de Cristo e da Igreja, não obstante as muitas dificuldades, eu aceito”. Quero hoje dar a conhecer publicamente aquela minha resposta a todos, sem exceção alguma, tornando assim manifesto que está ligado com a verdade primeira e fundamental da Encarnação o ministério que, com a aceitação da eleição para Bispo de Roma e para Sucessor do Apóstolo Pedro, se tornou meu específico dever na sua mesma Cátedra.
Escolhi os mesmos nomes que havia escolhido o meu amadíssimo Predecessor João Paulo I. Efetivamente, quando a 26 de agosto de 1978 ele declarou ao Sacro Colégio (dos Cardeais) que queria ser chamado João Paulo — um binômio deste gênero não tinha antecedentes na história do Papado — já então reconheci nisso um eloquente bom auspício da graça sobre o novo Pontificado. E dado que esse Pontificado durou apenas trinta e três dias, cabe-me não somente continuá-lo, mas, de certo modo, retomá-lo desse mesmo ponto de partida. Isto precisamente é confirmado pela escolha, feita por mim, desses dois nomes. E ao escolhê-los assim, em seguida ao exemplo do meu venerável Predecessor, desejei como ele também eu exprimir o meu amor pela singular herança deixada à Igreja pelos Sumos Pontífices João XXIII e Paulo VI; e, ao mesmo tempo, manifestar a minha disponibilidade pessoal para desenvolvê-la com a ajuda de Deus.
Através destes dois nomes e dos dois pontificados, quero vincular-me a toda a tradição desta Sé Apostólica, com todos os Predecessores no espaço de tempo deste século vinte e dos séculos precedentes, ligando-me gradualmente, segundo as diversas épocas até às mais remotas, àquela linha da missão e do ministério que confere à Sé de Pedro um lugar absolutamente particular na Igreja. João XXIII e Paulo VI constituem uma etapa, à qual desejo referir-me diretamente, como a um limiar do qual é minha intenção, de algum modo juntamente com João Paulo I, prosseguir no sentido do futuro, deixando-me guiar por confiança ilimitada e pela obediência ao Espírito, que Cristo prometeu e enviou à sua Igreja. Ele, efetivamente dizia aos seus Apóstolos, na véspera da sua Paixão: “É melhor para vós que eu vá; porque, se Eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, se eu for, vo-lo enviarei”. [5] “Quando vier o Consolador, que Eu vos hei de enviar da parte do Pai, o Espírito da verdade que do Pai procede, ele dará testemunho de Mim. E vós também dareis testemunho de Mim, porque estais comigo desde o princípio”. [6] “Quando, porém, Ele vier, o Espírito da verdade, Ele guiar-vos-á para a verdade total, porque não falará por Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e anunciar-vos-á as coisas vindouras”. [7]

3. Confiança no Espírito da Verdade e do Amor
É, pois, confiando plenamente no Espírito da verdade, que eu entro na posse da rica herança dos pontificados recentes. Esta herança acha-se fortemente radicada na consciência da Igreja de maneira absolutamente nova, nunca dantes conhecida, graças ao II Concílio do Vaticano, convocado e inaugurado por João XXIII e, em seguida, concluído felizmente e atuado com perseverança por Paulo VI, cuja atividade eu próprio pude observar de perto. Fiquei sempre maravilhado com a sua profunda sapiência e com a sua coragem, e igualmente com a sua constância e paciência no difícil período pós-conciliar do seu Pontificado. Como timoneiro da Igreja, barca de Pedro, ele sabia conservar uma tranquilidade e um equilíbrio providenciais mesmo nos momentos mais críticos, quando parecia que ela estava a ser abalada por dentro, mantendo sempre uma inquebrantável esperança na sua compacidade. Aquilo, de fato, que o Espírito disse à Igreja mediante o Concílio do nosso tempo, e aquilo que esta Igreja diz a todas as Igrejas [8] não pode — apesar das inquietudes momentâneas — servir para outra coisa senão para uma compacidade mais amadurecida ainda de todo o Povo de Deus, bem consciente da sua missão salvífica.
Desta consciência contemporânea da Igreja precisamente, Paulo VI fez o primeiro tema da sua Encíclica fundamental, que se inicia com as palavras Ecclesiam Suam; e seja-me permitido fazer referência e pôr-me em conexão, antes de tudo, com esta Encíclica, neste primeiro e, por assim dizer, inaugural documento do presente Pontificado. Com as luzes e com o apoio do Espírito Santo a Igreja tem uma consciência cada vez mais aprofundada quer pelo que se refere ao seu mistério divino, quer pelo que se refere à sua missão humana, quer mesmo, finalmente, quanto a todas as suas fraquezas humanas: esta consciência, precisamente, é e deve permanecer a primeira fonte do amor por esta Igreja, assim como o amor, da sua parte, contribui para consolidar e para aprofundar tal consciência. Paulo VI deixou-nos o testemunho de uma consciência da Igreja assim, extremamente perspicaz. Através dos múltiplos e não raro sofridos componentes do seu Pontificado, ele nos ensinou o amor destemido pela Igreja, que — como afirma o Concílio — é “sacramento, ou sinal, e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano”. [9]

4. Referência à primeira Encíclica de Paulo VI
Por essa razão, exatamente, a consciência da Igreja há de andar unida com uma abertura universal, a fim de que todos possam nela encontrar “as imperscrutáveis riquezas de Cristo”, [10] das quais fala o Apóstolo das gentes. Tal abertura, organicamente conjunta com a consciência da própria natureza, com a certeza da própria verdade, da qual o mesmo Cristo disse “não é minha, mas do Pai que me enviou”, [11] determina o dinamismo apostólico, que o mesmo é dizer missionário, da Igreja, professando e proclamando integralmente toda a verdade transmitida por Cristo. E simultaneamente ela, a Igreja, deve conduzir aquele diálogo que Paulo VI na sua Encíclica Ecclesiam Suam chamou “diálogo da salvação”, diferenciando com precisão cada um dos círculos no âmbito dos quais ele deveria ser conduzido. [12]
Quando assim me refiro hoje a este documento programático do Pontificado de Paulo VI, não cesso de dar graças a Deus, pelo fato de que este meu grande Predecessor e ao mesmo tempo verdadeiro pai ter sabido — não obstante as diversas fraquezas internas, por que foi afetada a Igreja no período pós-conciliar — patentear “ad extra”, “para o exterior”, o seu autêntico rosto. De tal maneira, também grande parte da família humana, nas diversas esferas da sua multiforme existência, se tornou — em minha opinião — mais consciente do fato de lhe ser necessária verdadeiramente a Igreja de Cristo, a sua missão e o seu serviço. E esta consciência algumas vezes demonstrou-se mais forte do que as diversas atitudes críticas, que atacavam “ab intra”, vindas “de dentro”, a mesma Igreja, as suas instituições e estruturas, e os homens da Igreja e as suas atividades.
Tal crítica crescente teve sem dúvida diversas causas e, por outro lado, estamos certos de que ela não foi sempre destituída de um sincero amor à Igreja. Manifestou-se nela, indubitavelmente, entre outras coisas, a tendência para superar o chamado triunfalismo, de que se discutia com frequência durante o Concílio. No entanto, se é uma coisa acertada que a Igreja, seguindo o exemplo do seu Mestre que era “humilde de coração”, [13] esteja bem assentada também ela na humildade, que possua o senso crítico a respeito de tudo aquilo que constitui o seu caráter e a sua atividade humana e que seja sempre muito exigente para consigo própria, é óbvio igualmente que também a crítica deve ter os seus justos limites. Caso contrário, ela deixa de ser construtiva, não revela a verdade, o amor e a gratidão pela graça, da qual principal e plenamente nos tornamos participantes exatamente na Igreja e mediante a Igreja. Além disto, o espírito crítico não exprime a atitude de serviço, mas antes a vontade de orientar a opinião de outrem segundo a própria opinião, algumas vezes divulgada de maneira assaz imprudente.
Deve-se gratidão a Paulo VI ainda, porque, respeitando toda e qualquer parcela de verdade contida nas várias opiniões humanas, ele conservou ao mesmo tempo o equilíbrio providencial do timoneiro da Barca. [14] A Igreja que — através de João Paulo I — quase imediatamente depois dele me foi confiada, não se acha certamente isenta de dificuldades e de tensões internas. Entretanto, ela se encontra interiormente mais premunida contra os excessos do autocriticismo; poder-se-ia dizer, talvez, que ela é mais crítica diante das diversas críticas imprudentes, e está mais resistente no que respeita às várias “novidades”, mais amadurecida no espírito de discernimento e mais idônea para tirar do seu perene tesouro “coisas novas e coisas velhas”, [15] mais centrada no próprio mistério e, graças a tudo isto, mais disponível para a missão da salvação de todos: “Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade”. [16]

5. Colegialidade e apostolado
Esta Igreja — contra todas as aparências — está mais unida na comunhão de serviço e na consciência do apostolado. Tal união nasce daquele princípio de colegialidade, recordado pelo II Concílio do Vaticano, que o próprio Cristo enxertou no Colégio Apostólico dos Doze, com Pedro na chefia, e que renova continuamente no Colégio dos Bispos, que cresce cada vez mais sobre toda a terra, permanecendo unido com o Sucessor de São Pedro e sob a sua orientação. O Concílio não se limitou a recordar este princípio de colegialidade dos Bispos, mas o vivificou imensamente, além do mais, auspiciando a instituição de um órgão permanente, que Paulo VI estabeleceu constituindo o Sínodo dos Bispos, cuja atividade não somente deu uma nova dimensão ao seu Pontificado, mas, em seguida, se refletiu claramente logo desde os primeiros dias no Pontificado de João Paulo I e no do seu indigno Sucessor.
O princípio de colegialidade demonstrou-se particularmente atual no difícil período pós-conciliar, quando a comum e unânime posição do Colégio dos Bispos — o qual manifestou a sua união ao Sucessor de Pedro sobretudo através do Sínodo — contribuía para dissipar as dúvidas e indicava ao mesmo tempo as justas vias da renovação da Igreja, na sua dimensão universal. Do Sínodo, efetivamente, se originou, entre outras coisas, aquele impulso essencial para a evangelização que teve a sua expressão na Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi, [17] acolhida com tanta alegria como programa da renovação de caráter apostólico e conjuntamente pastoral. A mesma linha foi seguida também nos trabalhos da última sessão ordinária do Sínodo dos Bispos, aquela que se realizou cerca de um ano antes da morte do Sumo Pontífice Paulo VI, a qual foi dedicada, como é sabido, à Catequese. Os resultados daqueles trabalhos requerem ainda uma sistematização e uma enunciação por parte da Sé Apostólica.
E uma vez que estamos tratando do evidente desenvolvimento das formas em que se exprime a Colegialidade episcopal, devemos pelo menos recordar o processo de consolidação das Conferências Episcopais Nacionais em toda a Igreja e de outras estruturas colegiais de caráter internacional ou continental. Referindo-nos, depois, à tradição secular da Igreja, convém salientar a atividade dos diversos Sínodos locais. Foi de fato ideia do Concílio, coerentemente atuada por Paulo VI, que as estruturas deste gênero, de há séculos comprovadas pela Igreja, bem como as outras formas de colaboração colegial dos Bispos — por exemplo a que se centra nas metrópoles, para não falar já de cada uma das dioceses singularmente tomadas — pulsassem em plena consciência da própria identidade e conjuntamente da própria originalidade, na unidade universal da Igreja.
Um idêntico espírito de colaboração e de corresponsabilidade está se difundindo também entre os sacerdotes, o que é confirmado pelos numerosos Conselhos Presbiterais que surgiram após o Concílio. O mesmo espírito se difundiu também entre os leigos, não apenas confirmando as organizações de apostolado leigo já existentes, mas criando outras novas, que não raro se apresentam com um perfil diverso e uma dinâmica excepcional. Além disto, os leigos, conscientes da sua responsabilidade pela Igreja, aplicaram-se de boa vontade na colaboração com os Pastores e com os representantes dos Institutos de vida consagrada, no âmbito dos Sínodos diocesanos, e dos Conselhos pastorais nas paróquias e nas dioceses.
Para mim importa ter em mente tudo isto nos inícios do meu Pontificado, para agradecer a Deus, para exprimir um vivo encorajamento a todos os Irmãos e Irmãs e, além disto, para recordar com sentida gratidão a obra do II Concílio do Vaticano e os meus grandes Predecessores, que deram início a esta nova “onda” que anima a vida da Igreja, movimento muito mais forte do que os sintomas de dúvida, de abalo e de crise.

6. Caminho para a união dos cristãos
E que dizer de todas aquelas iniciativas que se originaram da nova orientação ecumênica? O inesquecível Papa João XXIII, com clareza evangélica, pôs e enquadrou o problema da união dos cristãos como simples consequência da vontade do próprio Jesus Cristo, nosso Mestre, afirmada por mais de uma vez e expressa, de modo particular, durante a oração no Cenáculo, na véspera da sua morte: “Rogo... Pai... que todos sejam uma só coisa”. [18] E o II Concílio do Vaticano respondeu a esta exigência de forma concisa com o Decreto sobre o Ecumenismo. O Papa Paulo VI, por sua vez, valendo-se da colaboração do Secretariado para a União dos Cristãos, começou a dar os primeiros difíceis passos na caminhada para o conseguimento de tal união.
Já teríamos andado muito nesta caminhada? Sem querer dar uma resposta pormenorizada, podemos dizer que fizemos verdadeiros e importantes progressos. E uma coisa é certa: temos trabalhado com perseverança e coerência; e junto conosco têm vindo a aplicar-se também os representantes de outras Igrejas e de outras Comunidades cristãs, pelo que lhes estamos sinceramente obrigados. Depois, é certo também que na presente situação histórica da cristandade e do mundo, não se apresenta outra possibilidade para se cumprir a missão universal da Igreja pelo que respeita aos problemas ecumênicos, senão esta: procurar lealmente, com perseverança, com humildade e também com coragem as vias de aproximação e de união daquele modo que nos deixou o exemplo pessoal o Papa Paulo VI. Devemos buscar a união, portanto, sem nos deixarmos vencer pelo desânimo perante as dificuldades que se possam apresentar ou acumular ao longo de tal caminho; caso contrário, não seríamos fiéis à palavra de Cristo, não executaríamos o Seu testamento. E será lícito correr tal risco?
Há pessoas que, encontrando-se diante das dificuldades, ou julgando negativos os resultados dos trabalhos iniciais no campo ecumênico, teriam tido vontade de voltar atrás. Há mesmo alguns que exprimem a opinião de que estes esforços são nocivos para a causa de Evangelho e levam a uma ulterior ruptura na Igreja, provocam a confusão de idéias nas questões da fé e da moral e vão desembocar a um específico indiferentismo. Talvez seja um bem que os porta-vozes de tais opiniões exprimam os seus receios; no entanto, também pelo que se refere a este ponto, é necessário manter-se dentro dos devidos limites. É claro que esta nova fase da vida da Igreja exige de nós uma fé particularmente consciente, aprofundada e responsável. A verdadeira atividade ecumênica comporta abertura, aproximação, disponibilidade para o diálogo e busca em comum da verdade no pleno sentido evangélico e cristão; mas tal atividade de maneira nenhuma significa nem pode significar renunciar ou causar dano de qualquer modo aos tesouros da verdade divina, constantemente confessada e ensinada pela Igreja.
A todos aqueles que, por qualquer motivo, quereriam dissuadir a Igreja de buscar a unidade universal dos cristãos, é necessário repetir ainda uma vez: Ser-nos-á lícito deixar de fazê-lo? Poderemos nós — não obstante toda a fraqueza humana, todas as deficiências acumuladas nos séculos passados — não ter confiança na graça de Nosso Senhor, tal como ela se manifestou nos últimos tempos, mediante a palavra do Espírito Santo, que ouvimos durante o Concílio? Se procedêssemos assim, negaríamos a verdade que diz respeito a nós mesmos e que o Apóstolo expressou de maneira tão eloquente: “Pela graça de Deus sou aquilo que sou, e a graça que Ele me conferiu não foi estéril em mim”. [19]
Se bem que de um modo diverso e com as devidas diferenças, importa aplicar isto que acabamos de dizer agora à atividade que intenta a aproximação com os representantes das religiões não-cristãs e que se exprime também ela através do diálogo, dos contatos, da oração em comum e da busca dos tesouros da espiritualidade humana, os quais, como bem sabemos, não faltam também aos membros destas religiões. Não acontece, porventura, algumas vezes, que a crença firme dos sequazes das religiões não-cristãs — crença que é efeito também ela do Espírito da verdade operante para além das fronteiras visíveis do Corpo Místico — deixa confundidos os cristãos, não raro tão dispostos, por sua vez, a duvidar quanto às verdades reveladas por Deus e anunciadas pela Igreja, e tão propensos ao relaxamento dos princípios da moral e a abrir o caminho ao permissivismo ético? É nobre o estar predisposto para compreender cada um dos homens, para analisar todos os sistemas e para dar razão àquilo que é justo; isso, porém, não significa absolutamente perder a certeza da própria fé [20] ou então enfraquecer os princípios da moral, cuja falta bem depressa se fará ressentir na vida de inteiras sociedades, causando aí, além do mais, deploráveis consequências.


* Extraído do site do Vaticano, do dia 4 de março de 1979. Revisado por Paulo R. A. Pacheco.

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